Cristo Pantocrator

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A nova Eva

A nova Eva
(John Meyendorff, Op. Cit, pags 274 a 279, trad. Rochelle Cysne)

Já na época de Justino e Irineu, a primitiva tradição cristã estabeleceu um paralelismo entre Gn 2 e o relato da Anunciação no evangelho segundo Lucas, tanto enquanto contraste entre duas virgens, Eva e Maria, para simbolizar os dois modos que tem o homem de usar sua liberdade de criatura: o primeiro, como redenção ao demônio que oferece uma falsa deificação; e o segundo como aceitação humilde da vontade de Deus.
Embora depois do Concílio de Éfeso, o conceito de uma nova Eva, que em nome da humanidade caída foi capaz de aceitar a chegada de uma nova "libertação", foi substituído pela veneração de Maria como Mãe de Deus (Theotokos), essa ideia está presente na tradição patrística ao largo de todo o período bizantino. Por exemplo, Proclo, patriarca de Constantinopla (436-446), utiliza frequentemente esse conceito em suas homilias, nas quais apresenta a Virgem Maria como meta da História do Antigo Testamento, que começa precisamente com os filhos de Eva. Por sua  parte Palamas escreve: "Entre os filhos de Adão, Deus escolheu o admirável Set; deste modo, a escolha da que iria ser a sua Mãe teve origem entre os próprios filhos de Adão. Esta escolha foi se efetivando nas sucessivas gerações e chegou até o rei e profeta Davi (...) Quando chegou a hora em que esta eleição se fez realidade, Joaquim e Ana, da casa e família de Davi foram escolhidos por Deus (...), que lhes prometeu e lhes concedeu uma filha que haveria de ser a Mãe de Deus". (Gregório Palamas, Homi. in Praesent. 6-7).
Portanto, a eleição da Virgem Maria é o ponto culminante da marcha de Israel para a sua  reconciliação com a divindade. Mas a resposta definitiva de Deus a esse processo e o começo de uma nova vida chegou com a encarnação da Palavra. Na mesma homilia escreve Palamas: "A salvação exigia uma nova raiz porque, exceto Deus, nada havia sem pecado, ninguém podia dar a vida, ninguém podia perdoar os pecados". Essa "nova raiz" é a Palavra de Deus feita Carne e a Virgem é o seu "templo".
Na homilética e na hinografia bizantina é frequente louvar a Virgem como "totalmente preparada", "purificada" e "santificada" por Deus. Mas estas expressões deveriam interpretar-se no contexto da doutrina dominante no Oriente sobre o pecado original, que sustenta que a herança de Adão é a mortalidade, não uma culpabilidade; de fato, nenhum teólogo bizantino teve qualquer dúvida de que Maria foi realmente um ser mortal.
O interesse dos teólogos ocidentais em encontrar em Bizâncio antigos testemunhos sobre a doutrina da Imaculada Conceição de Maria os conduziu a interpretar essas passagens fora de seu contexto. Sofrônio de Jerusalém (638) louvava assim a Maria: "Antes que tu aparecesses em nosso mundo, houve muitos santos, mas nenhum deles esteve tão cheio de graça como tu (...) e nenhum foi previamente purificado como o foste tu...". E Andrés de Creta (740) é ainda mais explícito em um sermão para a festa da Natividade da Virgem: "Quando nasce a mãe do que é a glória por excelência, a natureza [humana] recobra em sua pessoa os antigos privilégios e se configura segundo um modelo perfeito, verdadeiramente digno de Deus (...) Em uma palavra, a transfiguração de nossa natureza começa realmente hoje...". Esse tema, que aparece nos hinos litúrgicos para a festa de 8 de setembro, recebe novo desenvolvimento em uma homilia de Nicolás Cabasilas, no século XIV: "Ela é terra, porque procede da terra; mas é terra nova, porque não procede de modo algum de seus antepassados e não herdou a antiga levedura. Ela é (...) uma massa nova e deu origem a uma nova raça".
As citações facilmente poderiam se multiplicar e, de fato, constituem uma indicação bem clara de que a devoção mariológica dos bizantinos poderia levá-los a aceitar o Dogma da Imaculada Conceição de Maria, tal como se definiu em 1854, se tivessem compartilhado a doutrina ocidental do pecado original. Mas há que se recordar - sobretudo nos exageros poéticos, emocionais e retóricos da mariologia litúrgica bizantina - que    certos conceitos, como "pureza" e "santidade", se podem perceber facilmente inclusive no seio da humanidade pré cristã, que se considerava como mortal, embora não necessariamente como "culpável". No caso de Maria, sua resposta ao anjo e sua condição de Nova Eva a situavam em uma relação especial com a "nova raça" que havia nascido dela. No entanto, em nenhum autor bizantino se encontra uma única afirmação que implique que Maria recebeu uma graça especial da imortalidade. Apenas uma afirmação como essa poderia implicar claramente que sua humanidade não compartilhava o destino comum dos descendentes de Adão. (...)
Para manter uma interpretação equilibrada da mariologia bizantina temos que recordar o marco essencialmente cristológico na qual se inscreve a veneração da Theotokos em Bizâncio. (...)
A Igreja Bizantina, ao tratar sabiamente de preservar a escala de valores teológicos que sempre davam precedência às verdades básicas do Evangelho, se absteve de forçar qualquer formulação dogmática sobre Maria, com exceção do fato de que era real e verdadeiramente Theotokos, a Mãe de Deus. Não cabe dúvida de que este título tão chamativo, enquanto necessário segundo a lógica da cristologia cirílica, podia justificar a aclamação litúrgica diária que a exaltava como "mais nobre que os querubins e mais gloriosa que os serafins".
Se poderia atribuir a um ser humano maior honra? Se poderia encontrar uma base mais evidente para uma antropologia cristã do caráter teocêntrico?

Bibliografia:
Lossky, V. On the Image and Likeness, St. Vladimir's Seminary Press, New York, 1974.
Tunberg, Lars. Microocsm and Mediator: The Theological Anthropology of Maximus the Confessor. Gleerup, Lund, 1965.



την τιμιωτέραν των χερουβείμ

Mais honrável que os querubins. 

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