Cristo Pantocrator

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Terceira Centúria sobre o Amor

Terceira Centúria sobre o Amor
São Máximo Confessor.
trad. Rochelle Cysne

1) Um uso inteligente das imagens conceituais e seus objetos físicos correspondentes produz autocontrole, amor e conhecimento espiritual; um uso não inteligente produz licenciosidade, ódio e ignorância.

2) "Preparas uma mesa para mim..." (Salmo 23: 5). Nesta passagem, "mesa" significa a prática das virtudes, pois isto foi preparado por nós pelo Cristo para usar "contra aqueles que nos afligem". O "óleo" ungindo o intelecto é a contemplação das coisas criadas. O "cálice" de Deus é o conhecimento de Deus. Sua "misericórdia" é seu Divino Logos. Pois através da Sua Encarnação o Logos nos persegue "todos os dias" até que Ele ultrapasse todos aqueles que precisam ser salvos, como Ele fez no caso de Paulo (cf. Filipenses 3:12). A "casa" é o reino em que todos os santos habitarão. "Longos dias" significa a vida eterna.

3) Quando usamos mal os poderes da alma seu aspecto ruim nos domina. Por exemplo, o mau uso de nosso poder de inteligência resulta na ignorância e na estupidez; o mau uso de nosso poder incensivo e de nosso desejo produz ódio e licenciosidade. O uso próprio destes poderes produz conhecimento espiritual, julgamento moral, amor e autocontrole. Sendo assim, nada criado e vindo a existência por Deus é ruim.

4) Não é a comida que é ruim e sim a glutonaria, nem a concepção de crianças mas a falta de castidade, não as coisas materiais mas a avareza, não a estima mas a auto estima. Sendo assim, é apenas o maus uso das coisas que é ruim, e este mau uso ocorre quando o intelecto falha em cultivar seus poderes naturais.

5) Entre os demônios, diz o bem aventurado Dionísio (On the Divine Names IV, 23), o mal toma a forma de um medo irracional, um desejo incontrolado pelo intelecto e uma imaginação impetuosa. Mas a irracionalidade, a falta de controle intelectual e a impetuosidade em seres inteligentes são privações da inteligência, intelecção e circunspecção. Houve um tempo, então, quando os demônios possuíam inteligência, intelecto e circunspecção devota. Sendo este o caso, nem mesmo os demônios são maus por natureza, mas eles se tornaram maus pelo mau uso de seus poderes naturais.

6) Algumas das paixões produzem licenciosidade, algumas ódio, enquanto outras produzem tanto dissipação e ódio.

7) Comer demais e glutonaria causam licenciosidade. Avareza e autoestima causa ódio ao seu irmão. O amor de si (filaucia),a mãe de todos os vícios, é a causa de todas estas coisas.

8) O amor de si é um amor apaixonado, irracional amor ao próprio corpo. Seu oposto é o amor ou o autocontrole. Um homem dominado pelo amor de si é dominado por todas as paixões.

9) "Nunca alguém odiou a sua própria carne", diz o Apóstolo (Efésios 5:29), mas ele a disciplina e faz dela sua serva (cf. Cor. 9:27), dando-lhe nada além de roupa e comida (cf. Timótheo 6:8), e assim apenas o que é necessário para a vida. Neste sentido um homem ama sua carne sem apego e a nutre e cuida como uma serva para as coisas divinas, suprindo-a apenas em suas necessidades básicas.

10) Se um homem ama alguém, ele naturalmente faz todo esforço para servir aquela pessoa. Se, então, um homem ama a Deus, ele naturalmente se esforça para se conformar a Sua vontade. Mas se ele ama a carne, ele se esforça para agradar a carne.

11) Amor, autocontrole, contemplação e oração estão de acordo com a vontade de Deus, enquanto glutonaria, licenciosidade e coisas fazem aumentar os agrados à carne. Isto é porque "eles que são da carne não podem se conformar com a vontade de Deus" (Romanos 8:8). Mas "os que são de Cristo crucificaram a carne junto com as paixões e desejos" (Gálatas 5:24).

12) Se o intelecto se inclina a Deus, ele trata o corpo como seu servo e lhe fornece não mais do que o necessário para o sustento da vida. Mas se ele se inclina para a carne, ele se torna escravo das paixões e está sempre pensando em como atender aos seus desejos.

13) Se desejas ser mestre de seus pensamentos, concentre-se nas paixões e você facilmente expulsará os pensamentos que nascem delas para fora de seu intelecto. Com relação a luxúria, por exemplo, jejum e manter-se em vigília, labor e evitar encontrar-se com pessoas. Com relação ao medo e ao ressentimento, ser indiferente à fama, desonra e coisas materiais. Com relação ao rancor, rezar por aqueles que vos ofenderam e você será liberto.

14) Não se compare a homens fraco mas preferencialmente aplique-se a cumprir o mandamento do amor. Pois ao se comparar com os fracos você vai cair no poço da vaidade, mas ao aplicar-se ao mandamento do amor você alcançará a altura da humildade.

15) Se você cumpre totalmente o mandamento do amor para com seu próximo, você não sentirá nenhuma amargura ou ressentimento contra ele, qualquer que tenha sido a ação que ele praticou. Se este não é o caso, então a razão de você lutar contra seu irmão é claramente porque você procura coisas transitórias e as prefere ao mandamento do amor.

16) Não é tanto por causa da necessidade que o ouro tornou-se um objeto de desejo entre os homens, como por causa do poder que ele concede a muitas pessoas de ser indulgente com seus prazeres sensuais.

17) Há três coisas que provocam amor aos bens materiais: autoindulgência, autoestima e falta de fé. Falta de fé é mais perigosa do que as outras duas.

18) A pessoa autoindulgente ama os bens porque eles permitem que ele viva confortavelmente; a pessoa cheia de autoestima ama-o por meio dele ela consegue ter a estima dos outros; a pessoa a quem falta fé ama-o porque teme passar fome, teme a velhice, a doença, ou o exílio, e crê que os bens podem salvá-lo e guardá-lo. Ele prefere depositar confiança em bens do que em Deus, o Criador que é provedor de toda a criação, até mesmo das coisas mínimas viventes.

19) Há quatro tipos de homens que acumulam fortuna: os três já mencionados e o tesoureiro. Claramente, este é o único que o conserva por um bom propósito - a saber, ter sempre meios de acudir as pessoas em suas necessidades básicas.

20) Todos os pensamentos apaixonados ou estimulam o poder desejante da alma, ou atrapalham seu poder incensivo, ou escurecem sua inteligência. É neste sentido que a capacidade do intelecto para a contemplação espiritual e para o êxtase da oração é embotado. E por esta razão um monge, sobretudo o hesicasta, deve prestar atenção a tais pensamentos, procurando e eliminando suas causas. Por exemplo, o poder de desejo da alma é estimulado por pensamentos apaixonados em mulheres. Tais pensamentos são causados pela intemperança no comer e beber, e pela conversa frequente e fiada com as mulheres em questão; e eles são extirpados pela fome, sede, vigília e fuga da sociedade humana. Novamente, o poder incensivo é atrapalhado pelos poderes apaixonados com relação àqueles que nos ofenderam. Isto é causado por autoindulgência, autoestima e amor a coisas materiais. Pois é na conta de tais vícios que o homem dominado pela paixão sente ressentimento, estando frustrado ou do contrário, caindo a fim de obter o que deseja. Estes pensamentos são extirpados quando os vícios que os provoca são rejeitados e anulados pelo amor de Deus.

21) Deus conhece a Si mesmo e Ele conhece as coisas que Ele criou. Os poderes angélicos, também, conhecem a Deus e conhecem as coisas que Ele criou. Os poderes angélicos, também, conhecem Deus e conhecem as coisas que Ele criou. Mas eles não conhecem Deus e as coisas que  Ele criou no mesmo sentido que Deus conhece a Si mesmo e as coisas que Ele criou.

22) Deus conhece a Si mesmo por conhecer sua essência bem aventurada. E as coisas criadas por Ele, Ele as conhece por conhecer Sua Sabedoria, por meio da qual e na qual Ele fez todas as coisas. Mas os poderes angélicos conhecem Deus por participação, ainda que Deus Mesmo transcenda tal participação; e as coisas que Ele criou, eles conhecem por apreender aquilo que pode ser espiritualmente contemplado neles.

23) Apesar do intelecto apreender sua visão das coisas criadas em si mesmo, elas estão em ato fora dele. Este não é o caso com respeito ao conhecimento de Deus das coisas criadas, pois Ele é eterno, infinito e indeterminado, e imprimiu em tudo o que existe seu ser, sua bondade e seu ser eterno.

24) Naturezas dotadas de inteligência e intelecto participam em Deus através de seu ser, através de sua capacidade para a bem aventurança, isto é, pela bondade e sabedoria e por meio da graça que lhes dá o ser eterno. Assim então, é como elas conhecem Deus. Elas conhecem a criação de Deus, conforme dissemos, ao apreender a sabedoria harmoniosa a ser contemplada nela. Esta sabedoria é apreendida pelo intelecto de um modo não material, e não tem nenhuma existência independente de sua própria.

25) Quando Deus trouxe ao ser as naturezas dotadas com inteligência e intelecto, Ele comunicou a elas, em Sua suprema bondade, quatro dos divinos atributos pelos quais Ele sustém, protege e preserva as coisas criadas. Estes atributos são ser, eternidade, bondade e sabedoria. Dos quatro Ele concedeu os dois primeiros, ser e eternidade, para a essência delas, e os dois últimos, bondade e sabedoria, para sua faculdade volitiva, assim que, o que Ele é em sua essência, a criatura pode tornar-se por participação. Esta é a razão de ser dito que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. (Cf. Gênesis 1:26). Ele foi feito à imagem de Deus, já que seu ser é à imagem do ser de Deus (no sentido que, ainda que não sem origem, é, no entanto, sem fim). Ele é feito também à semelhança de Deus, já que ele é bom em semelhança à bondade de Deus, e sábio em semelhança à bondade de Deus, sendo Deus bom e sábio por natureza e o homem pela graça. Toda natureza inteligente é à imagem de Deus, mas apenas o bom e sábio alcança semelhança a Ele.

26) Todos os seres dotados com inteligência e intelecto são ou angélicos ou humanos. Todos os seres angélicos podem ser subdivididos posteriormente em duas categorias morais gerais ou classes, o santo e o maldito - isto é, os poderes sagrados e os demônios impuros. Todos os seres humanos podem também ser divididos em duas categorias morais apenas, o piedoso e o ímpio.

27) Já que Deus é existência absoluta, bondade absoluta e sabedoria absoluta, ou de preferência, para expressar mais claramente, já que Deus está além de todas as coisas, não há nada que se oponha a Ele. Criaturas, por outro lado, todas elas existem por participação e Graça, enquanto que aquelas dotadas com inteligência e intelecto têm também uma capacidade para a bondade e a sabedoria. Neste caso, há opostos. Como oposto à existência existe a não-existência, e como o oposto à capacidade para a bondade e à sabedoria existe o mal e a ignorância. Se é para eles existir eternamente ou não, isso depende de seu Criador. Mas se criaturas inteligentes participarão de Sua Bondade e Sabedoria ou não, isso depende de sua própria vontade.

28) Os antigos filósofos gregos dizem que o ser das coisas criadas coexistiu com Deus desde toda a eternidade e que Deus apenas deu-lhes suas qualidades. Eles dizem que seu ser mesmo não tem oposto, e que a oposição repousa apenas nas qualidades. Mas nós mantemos que apenas a divina essência não tem oposto, já que ela é eterna, infinita e concede eternidade a outras coisas. O ser das coisas criadas, por outro lado, tem não ser como seu oposto. Existir ou não eternamente depende do poder dEle que apenas existe em um sentido substantivo. Mas já que "os dons de Deus são irrevogáveis" (Romanos 11:29), o ser das coisas criadas sempre é e sempre será sustentado pelo poder onipotente dEle, mesmo que tenha, como dissemos, um oposto; pois foi trazido à existência do nada, e se existe ou não depende da Vontade de Deus.

29) Como o mal é uma privação de bem e a ignorância uma privação de conhecimento, assim não-ser é uma privação de ser - não do ser em um sentido substantivo, já que ele não tem qualquer oposto, mas do ser que existe por participação ao ser substantivo. As duas primeiras privações mencionadas dependem da vontade das criaturas; a terceira depende da vontade do Criador, que em Sua bondade quer sempre seres vindo à existência para receber Suas benção.

30) Todas as criaturas são ou dotadas com inteligência e intelecto, e assim possuem uma capacidade para opostos tais como virtude e vício, conhecimento e ignorância; ou então eles são corpos físicos de vários tipos feitos de opostos, isto é, de terra, ar, fogo e água. Os primeiros são completamente incorpóreos e imateriais, embora alguns deles estejam unidos a corpos; os últimos são compostos de matéria e forma.

31) Por natureza falta a todos os corpos capacidade para o movimento; eles recebem movimento ou da alma, ou de algo que é inteligente, ou de algo sem inteligência, ou de algo que é insensato, conforme seja o caso.

32) A alma tem três poderes: primeiro, o poder da nutrição e crescimento; em segundo lugar, o da imaginação e instinto; e em terceiro lugar o da inteligência e do intelecto. As plantas compartilham apenas no primeiro caso destes poderes; os animais compartilham no segundo; os homens compartilham de todos os três. Os dois primeiros poderes são perecíveis; o terceiro é claramente imperecível e imortal.

33) Ao comunicar a iluminação uns aos outros, os poderes angélicos também comunicam ou suas virtudes ou seu conhecimento da natureza humana. Quanto a suas virtudes, eles comunicam uma bondade que imita a bondade de Deus, e através desta bondade eles conferem bençãos neles próprios, ou em outros, ou em seres inferiores, tornando-se assim como Deus. Quanto ao seu conhecimento, eles comunicam ou um conhecimento mais sublime de Deus - pois as Escrituras dizem: "Mas Tu, o Senhor, sois o Altíssimo para sempre" (Salmo 92:8) - ou um conhecimento mais profundo sobre seres corpóreos, ou aquilo que é mais exato sobre seres incorpóreos, ou um saber mais distinto sobre a Providência Divina, ou um conhecimento mais preciso sobre o julgamento divino.

34) Impureza do intelecto consiste, em primeiro lugar, em ter um conhecimento falso; em segundo lugar em ser ignorante de qualquer um dos universais (eu me refiro ao intelecto humano, pois é uma propriedade do intelecto angélico não ser ignorante mesmo dos particulares); em terceiro lugar em ter pensamentos apaixonados e em quarto assentir no pecado.

35) A impureza da alma repousa em não funcionar de acordo com a sua natureza. E é por causa disso que pensamentos apaixonados são produzidos no intelecto. A alma funciona de acordo com a natureza quando seus aspectos passíveis - isto é, seu poder incensivo e seu desejo - permanecem desapegados em face das provocações tanto das coisas e da imagem conceitual destas coisas.

36) Impureza do corpo consiste em cometer em ato o pecado.

37) Quem não é atraído pelas coisas mundanas acalenta tranquilidade. Aquele que não ama nada humano ama todos os homens. E aquele que não leva em conta a ofensa de quem quer que seja ou considera suas faltas, ou leva em consideração seus próprios pensamentos suspeitos, tem conhecimento de Deus e das coisas divinas.

38) É uma grande conquista não ser atraído por coisas. Mas é uma conquista ainda maior permanecer desapegado em face tanto das coisas quanto das imagens conceituais que recebemos delas.

39) Amor e autocontrole mantém o intelecto desapegado em face tanto das coisas quanto das imagens conceituais que nós formamos deles.

40) O intelecto de um homem que goza do amor de Deus não luta contra coisas ou contra imagens conceituais delas. Ele batalha contra paixões que estão ligadas a estas imagens. Ele não luta, por exemplo, contra uma mulher, ou contra um homem que nos ofendeu, ou mesmo contra as imagens que se faz deles; mas luta contra as paixões que estão ligadas a tais imagens.

41) Todo o propósito da luta do monge contra os demônios é separar  as paixões das imagens conceituais. De outro modo, ele não será capaz de olhar para as coisas desapegadamente.

42) Uma coisa, uma imagem conceitual e uma paixão são quase diferentes uma da outra. Por exemplo, um homem, uma mulher, ouro e assim por diante são coisas; uma paixão é uma afecção estúpida ou um ódio para uma dessas coisas. A batalha do monge é consequentemente contra a paixão.

43) Uma imagem conceitual apaixonada é um pensamento composto de paixão e uma imagem conceitual. Se nós separamos a paixão da imagem conceitual, o que permanece é a paixão liberta do pensamento. Nós podemos fazer esta separação por meio do amor espiritual e autocontrole se apenas tivermos vontade.

44)  As virtudes separam o intelecto das paixões; a contemplação espiritual separa-o das paixões livres de imagens conceituais; a oração pura coloca-o na presença do Próprio Deus.

45) As virtudes existem para o conhecimento das criaturas; o conhecimento para o conhecedor; o conhecedor em virtude dAquele que é conhecido através do desconhecimento e que conhece além de todo conhecimento.

46) Deus, pleno além de toda plenitude, trouxe as criaturas à existência não porque Ele tivesse necessidade de qualquer coisa, mas sim para que elas possam participar nEle em proporção à sua capacidade e para que Ele possa se alegrar em Suas obras (cf. Salmo 104: 31) vendo-os alegres e sempre transbordando em seus dons inexauríveis.

47) Há muitas pessoas no mundo que são pobres em espírito, mas não do modo como deveriam ser; há muitos que se lamentam, mas por alguma perda financeira ou pela morte de suas crianças; muitos são gentis, mas com vistas a paixões impuras; muitos estão famintos e sedentos, mas apenas para aproveitar o que não lhes pertence e tirar proveito da injustiça; muitos são misericordiosos, mas com vistas ao corpo e às coisas que servem ao corpo; muitos são puros de coração, mas em virtude da autoestima; muitos são pacifistas mas para fazer a alma submeter-se à carne; muitos são perseguidos, mas como malfeitores; muitos são injuriados, mas por causa de pecados vergonhosos. Apenas são abençoados aqueles que fazem ou sofrem estas coisas por amor a Cristo e para seguir Seu exemplo. Por quê? Porque deles é o Reino dos Céus e eles  verão a Deus (cf. Mateus 5: 3-12). Não é porque eles façam ou sofram estas coisas que eles são abençoados, pois aqueles de quem falamos acima fazem o mesmo; mas é porque eles fazem e sofrem por amor a Cristo e para seguir Seu exemplo.

48) Como foi dito muitas vezes, em tudo o que fazemos Deus examina nosso motivo, para ver se nós estamos fazendo por Ele ou por algum outro propósito. Assim quando desejamos fazer alguma coisa boa, nós não devemos fazê-lo em virtude de popularidade; nós devemos ter Deus como nossa meta, assim que, com nosso olhar sempre fixado nEle, nós podemos fazer tudo por amor a Ele. De outro modo nós nos submetemos a toda sorte de problemas ao realizar o ato e ainda perdemos a recompensa.

49) No momento da oração purifique seu intelecto tanto das imagens conceituais de coisas humanas livres de paixões e da contemplação das criaturas. De outro modo, ao imaginar coisas menores você corre o risco de se esvair dEle que é incomparavelmente maior do que todos os seres criados.

50) Pelo genuíno amor de Deus nós podemos expulsar as paixões. Amor por Deus é isto: escolher a Ele ao invés do mundo, e a alma ao invés da carne, por desprezar as coisas deste mundo e por nos devotarmos constantemente a Ele através do autocontrole, amor, oração, salmodia e assim por diante.

51) Se nós persistentemente nos devotamos a Deus e mantemos uma atenção cuidadosa no aspecto passível da alma, nós não somos mais dirigidos precipitadamente pelas provocações de nossos pensamentos. Pelo contrário, como nós adquirimos um conhecimento mais exato de suas causas e as extirpamos, nós nos tornamos mais discernentes. Neste sentido as palavras seguintes  se aplicam a nós: "Meus olhos também verão meus inimigos, e meus ouvidos ouvirão os perversos que se levantam contra mim" (Cf. Salmo 92:11).

52) Quando você vê que seu intelecto espelha suas imagens conceituais do mundo com reverência e justiça, você pode estar seguro que seu corpo, também, continua a ser puro e sem pecado. Mas quando você vê que seu intelecto é ocupado com pensamentos de pecado, e você não os checa, você pode estar certo de que antes do que você imagina seu corpo, também cairá naqueles pecados.

53) Assim como o mundo do corpo consiste de coisas, assim também o mundo do intelecto consiste de imagens conceituais. E assim como o corpo fornica com o corpo de uma mulher, assim também o intelecto, formando uma pintura de seu próprio corpo, fornica com a imagem conceitual de uma mulher. Pois na mente ele vê a forma de seu próprio corpo tendo relações sexuais com a forma de uma mulher. Similarmente, através da forma de seu próprio corpo, ele mentalmente ataca a forma de alguém que lhe ofendeu. O mesmo é verdadeiro com respeito aos demais pecados. Pois o que o corpo faz no mundo das coisas, o intelecto também o faz no mundo das imagens conceituais.

54) Não se deve ficar assustado ou atônito porque Deus Pai tem dado todos os julgamentos ao Filho (João 5: 22). O Filho ensina-nos, "Não julgueis para não serdes julgados" (Mateus 7:1); "Não condeneis e não sereis condenados" (Lucas 6:37) São Paulo também diz, "Não julgueis nada antes do tempo, até que o Senhor chegue" (1 Cor. 4:5); "Ao julgar o outro você se condena a si mesmo" (Romanos 2:1). Mas os homens desistiram de chorar por seus próprios pecados e tiraram o julgamento do Filho. Eles memsos julgam e condenam uns aos outros como se fossem sem pecado. "O Céu está horrorizado disso" (Jeremias 2:12) e a Terra estremecida, mas os homens em sua obstinação não estão envergonhados.

55) Aquele que se ocupa a si mesmo com os pecados dos outros, ou julga seu irmão sob suspeita, não começou a se arrepender ou se examinar a ponto de descobrir seus próprios pecados, que são verdadeiramente mais pesados que um grande pedaço de chumbo; nem ele sabe porque um homem torna-se pesado de coração quando ele ama a vaidade e persegue a falsidade (Salmo 4:2). Isto é porque, como um tolo que caminha na escuridão, ele não mais cuida de seus próprios pecados mas permite que a imaginação faça morada nos pecados alheios, tanto no caso destes pecados serem reais, quanto no de meramente de serem produtos de nossa própria mente suspeita.

56) Amor próprio, como foi diversas vezes dito, é a causa de todos os pensamentos apaixonados. Pois dele são produzidos os três principais pensamentos de desejo: aqueles da glutonaria, avareza e autoestima. Da glutonaria nasce o pensamento da luxúria; da avareza, o pensamento da ganância; da autoestima o pensamento do orgulho. Todos os restantes -os pensamentos de ira, ressentimento, rancor, indiferença, inveja, maledicência e assim por diante -são consequências de um ou outro destes três. Estas paixões então amarram o intelecto às coisas materiais e o arrastam para a terra, pressionando-o como uma pedra massiva, ainda que por natureza ele seja mais leve e ligeiro que o fogo.

57) A origem de todas as paixões é o amor-próprio; sua consumação é o orgulho. O amor-próprio é um amor estúpido pelo corpo. Aquele que o extirpa, extirpa ao mesmo tempo todas as paixões que vêm dele.

58) Assim como os pais tem especial afeição pelas crianças que são fruto de seus próprios corpos, também o intelecto naturalmente se apega a seus próprios pensamentos. E como a paixão dos pais por suas crianças parece a mais hábil e mais bonita de todas -ainda que ela possa ser a mais ridícula em todo sentido - assim também para um intelecto tolo seus próprios pensamentos parecem os mais inteligentes de todos, apesar de serem completamente degradados. Um homem sábio não olha para seus próprios pensamentos deste modo. É precisamente quando ele se sente convencido que eles são verdadeiros e bons que ele desconfia de seu próprio julgamento. Ele faz com que outros homens sábios julguem seus pensamentos e argumentos - "para que ele não deva correr ou pudesse ter corrido em vão" (Gálatas 2:2) - e deles receba garantia.


59) Quando você superou uma das maiores paixões, como a glutonaria, a luxúria, a ira ou ganância, o pensamento da autoestima imediatamente o toma de assalto. Se você derrota este pensamento, o pensamento de orgulho o sucede.

60) Todas as grandes paixões que dominam a alma movem-se a partir do pensamento de autoestima. Mas mesmo quando todas estas paixões forem derrotadas, elas ainda deixam a autoestima livre para tomar o controle.

61) A autoestima, se é erradicada ou se permanece, gera orgulho. Quando erradicada gera auto-presunção; quando permanece produz jactância.

62) Autoestima é erradicada pela prática oculta das virtudes, orgulho, por atribuir nossas conquistas a Deus.

63) Aquele que foi agraciado com o conhecimento de Deus, e aproveita plenamente os prazeres que dele advém, despreza todos os prazeres produzidos pelo poder desejante da alma.

64) Aquele que deseja coisas terrenas deseja ou comida, ou coisas que satisfaçam seus apetites sexuais, ou fama humana, ou saúde, ou alguma outra coisa que advenha destas. A menos que o intelecto encontre alguma coisa mais nobre para qual ele possa transferir seu desejo, ele não será persuadido a desprezar estas coisas completamente. O conhecimento de Deus e das coisas divinas é incomparavelmente mais nobre que estas coisas terrenas.

65) Aqeueles que desprezam os prazeres sensuais o fazem ou por medo, ou por esperança, ou do conhecimento e amor de Deus.

66) O conhecmento das coisas divinas livre de paixões não persuade o intelecto a desprezar coisas materiais completamente; ele é como o pensamento sem paixões de coisas sensíveis. Logo é possível encontrar muitos homens que tenham muito conhecimento e ainda chafurdem nas paixões da carne como porcos na lama. Por sua diligência eles temporariamente se limpam e atingem conhecimento, mas então eles crescem negligentes. Nisto eles lembram Saul: pois a Saul foi concedido o reino, mas o conduziu indignamente e foi expulso com ira terrível (cf. 1 Samuel 10-15).

67) Assim como um pensamento das coisas humanas livre de paixão não obriga o intelecto a menosprezar as coisas divinas, assim um conhecimento das coisas divinas livre de paixão não o persuade plenamente a desprezar as coisas humanas. Pois neste mundo a verdade existe em sombras e conjecturas. Esta é a razão de porque é necessária uma paixão abençoada do sagrado amor, que ata o intelecto à contemplação espiritual e o persuade a preferir o que é imaterial ao que é material, e o que é inteligível e divino ao que é apreendido pelos sentidos.

68) Se um homem extirpou as paixões e libertou seus pensamentos da paixão, isso não significa necessariamente que seus pensamentos são já orientados em direção ao divino. Pode ser que ele não sinta nenhuma atração passional tanto pelas coisas humanas quanto pelas divinas. Isto ocorre no caso daqueles que meramente vivem a prática ascética sem ainda terem atingido o conhecimento espiritual. Tias homens mantém as paixões na baía ou por medo do castigo ou pela esperança do Reino.

69) "Caminhamos pela fé, não pela vista" (2 Cor. 5:7); e ganhamos conhecimento espiritual através de símbolos, indistintamente como em um espelho (cf. 1 Cor. 13: 12). Assim, nós podemos devotar muito tempo para este tipo de conhecimento, assim que por longo estudo e constante aplicação nós possamos alcançar um estado persistente de contemplação.

70) Se extirpamos as causas das paixões por um curto tempo, e nos ocupamos com contemplação espiritual sem fazer dela nosso único e constante interesse, nós facilmente nos voltamos para as paixões da carne, não lucrando nada de nosso labor espiritual mas apenas conhecimento teórico acoplados a conceitos. O resultado é uma escuridão gradual deste conhecimento mesmo e um completo retornar do intelecto a coisas materiais.

71) A paixão do amor, quando repreensível, ocupa o intelecto com coisas materiais, mas quando corretamente dirigida se une ao divino. Pois o intelecto tende a desenvolver seus poderes entre aquelas coisas para as quais ele devota atenção; e onde ele desenvolve seus poderes, ele dirigirá seu desejo e amor. Isto quer dizer que irá encaminhar estes poderes, ou para o que é divino, inteligível e próprio à sua natureza, ou para paixões e coisas da carne.

72) Deus criou tanto os mundos visível e invisível, e assim Ele obviamente fez tanto o corpo quanto a alma. Se o mundo visível é tão bonito, o que deve parecer o invisível? E se o mundo invisível é superior ao visível, quão superior a ambos é Deus Seu Criador? Se, então, o Criador de tudo o que é bonito é superior a toda a Sua criação, com qual fundamento o intelecto abandona o que é superior a tudo e se ocupa a si mesmo com o que há de pior - eu quero dizer aqui as paixões da carne? Claramente isto acontece porque o intelecto conviveu com estas paixões e cresceu acostumado a elas desde seu nascimento, enquanto que ele não tinha ainda uma experiência perfeita dEle que é superior a tudo e além de todas as coisas. Assim, se nós gradualmente desmamamos o intelecto para fora desta relação pela prática contínua de controlar nossa indulgência nos prazeres e pela persistente meditação nas divinas realidades o intelecto gradualmente se devota mais e mais a estas realidades, reconheceremos sua própria dignidade, e finalmente transferiremos todo seu desejo ao divino.

73) Aquele que fala desapaixonadamente dos pecados de seu irmão, o faz ou para corrigi-lo ou para beneficiar outro. Se ele fala por qualquer outra razão, ou para o próprio irmão ou para outra pessoa, ele fala para abusá-lo ou ridicularizá-lo. Neste caso ele não escapará de ser abandonado por Deus. pelo contrário, ele cairá no mesmo pecado ou em outro, e será censurado e reprovado pelos outros homens, que o porão em vergonha.

74) Não é sempre pela mesma razão que os pecadores cometem o mesmo pecado. As razões variam. Por exemplo, uma coisa é pecar pela força do hábito e outra pecar por ser levado por um impulso repentino. No último caso o homem não deliberadamente escolhe o pecado antes de cometê-lo, ou depois; pelo contrário, ele fica profundamente angustiado da ocorrência do pecado. É muito diferente com o homem que peca pela força do hábito. Antes do ato mesmo ele já estava pecando em pensamento, e depois ele ainda está no mesmo estado de mente.

75) Aquele que cultiva as virtudes para a salvação da autoestima também procura conhecimento espiritual pela mesma razão. Tal homem claramente não faz qualquer coisa para a edificação dos outros. Pelo contrário, ele sempre procura o louvor daqueles que o vêem e escutam. Sua paixão vem à luz quando algumas destas pessoas censura suas ações ou palavras. Isto o angustia enormemente, não porque ele falhou na edificação dos outros - pois este não era seu objetivo - mas porque ele foi humilhado.

76) A presença da paixão da avareza revela-se quando uma pessoa se agrada em receber mas ressente em ter de dar. Tal pessoa não está apta a exercer o ofício de tesoureiro ou administrador de bens.

77) Uma pessoa perdura no sofrimento ou por amor a Deus, ou por esperança de reconhecimento, ou por medo da punição, ou por medo dos homens, ou por causa de sua natureza, ou por prazer, ou por ganho, ou falta de autoestima, ou pela necessidade.

78) Uma coisa é estar entregue a  pensamentos pecaminosos e outra é ser livre de paixões. Frequentemente um homem está entregue a tais pensamentos quando as coisas que despertam suas paixões não estão presentes. Mas as paixões jazem ocultas na alma e vêm à tona quando as próprias coisas estão presentes.  Portanto, deve-se vigiar o intelecto na presença de coisas e deve-se discernir por quais delas se manifesta uma paixão.

79) Um verdadeiro amigo é aquele que em tempos de provação sofre calmamente e imperturbavelmente as aflições, privações e desastres de seu próximo como se elas fossem propriamente suas.

80) Não trate sua consciência com desdém, pois ela sempre lhe avisa do que é o melhor. Ela coloca diante de você a vontade de Deus e dos anjos; ela liberta você das impurezas secretas de seu coração; e quando você partir desta vida ela lhe garantirá o dom da intimidade com Deus.

81) Se você deseja ser uma pessoa de entendimento e moderação, e não ser um escravo da paixão da vaidade, procure continuamente entre as coisas criadas pelo que está oculto ao seu conhecimento. Quando você descobre que há um vasto número de coisas diferentes que escapam ao seu olhar, você irá se maravilhar de sua ignorância e humilhará sua presunção. E quando você vier a conhecer a si mesmo, você entenderá muitas coisas grandes e maravilhosas; pois presumir saber impede-nos de avançar no conhecimento.

82) A pessoa que verdadeiramente deseja ser curada é aquela que não recusa tratamento. Este tratamento consiste de dor e aflição trazidos por vários infortúnios. Aquele que os recusa não percebe o que eles fazem neste mundo ou o que eles ganharão deles quando deixarem esta vida.

83) Autoestima e avareza produzem uma a outra, aquele que está repleto de autoestima adquire riquezas e aquele que é rico torna-se cheio de autoestima. Isto é o que acontece com as pessoas que vivem no mundo. No caso de um monge, se ele renunciou às posses , ele se torna ainda mais cheio de autoestima; mas se ele tem dinheiro, fica envergonhado e esconde-o como alguma coisa indigna daquele que veste o hábito.

84) A marca da autoestima monástica é estar inflado de sua própria virtude e suas consequências. A marca do orgulho monástico é estar vaidoso de suas próprias conquistas, atribuindo-as a si mesmo e não a Deus, e manter os outros em desprezo. A marca da autoestima e orgulho mundanos é estar vaidoso de sua própria beleza, saúde, poder e julgamento moral.

85) As realizações do homem mundano constituem a falta do monge, as realizações do monge constituem a falta do homem mundano. Por exemplo, as realizações do homem mundano são saúde, fama, poder, luxúria, conforto, crianças, e o que deriva destas coisas. Mas o monge é destruído se ele obtém algum deles. Suas realizações são o despojamento total de posses, a rejeição de estima e poder, autocontrole, dificuldade, e tudo o que deriva disto. Se um amante do mundo obtém tudo isto, ele considera isto uma grande calamidade e ele por vezes cai no perigo de matar a si mesmo; algumas pessoas de fato o fizeram.

86) Comida foi criada para nutrição e cura. Aqueles que comem para outros propósitos do que estes dois são consequentemente para ser condenados como autoindulgentes, porque eles abusam dos dons que Deus nos deu para nosso uso. Em todo tipo de abuso há pecado.

 87) Humildade consiste em prece constante combinada a lágrimas e sofrimento. Pois este chamado incessante por Deus nos ajuda a nos prevenir do crescimento tolo de confiar em nossas próprias forças e sabedoria e de nos colocar acima dos demais. Estas são as doenças perigosas da paixão do orgulho.

88) Uma coisa é lutar contra um pensamento isento de paixão de modo que ele não estimulará uma paixão; outra é lutar contra um pensamento apaixonado de modo que não dê assentimento à paixão. Ambas estas duas formas de contra ataque previnem os próprios pensamentos de persistir.

89) Ressentimento está lincado a rancor. Quando o intelecto forma a imagem da face de um irmão com o sentimento, é claro que ele abriga rancor contra  ele. "O caminho do rancor conduz à morte" (Provérbios 12:28), porque "quem quer que abrigue rancor é um transgressor" (Provérbios 21:24).

90) Se você abriga rancor contra alguém, reze por ele e você prevenirá que a paixão seja despertada; pois pelos meios da oração, você separará seu ressentimento do pensamento do erro que ele lhe fez. Quando você tornar-se amoroso e compassivo com relação a ele, você limpará a paixão completamente da sua alma. Se alguém olha para você com rancor, seja agradável a ele, seja humilde e agradável em sua companhia, e você o libertará dessa paixão.

91) Você encontrará dificuldade para checar o ressentimento de um invejoso, pois o que ele inveja em você é para ele seu próprio infortúnio. Você não pode checar a inveja dele exceto escondendo dele as coisas que despertam nele esta paixão. Se estas coisas beneficiam muitos mas o enche de ressentimento, que lado você tomará? Você tem de ajudar a maioria sem, na medida do possível, desconsiderá-lo e sem ser seduzido pela astúcia da própria paixão, pois você está defendendo não a paixão mas o sofredor. Você deve em humildade considerá-lo superior a você e sempre, em todo lugar e em toda questão colocar o interesse  dele acima do seu. Como para sua própria inveja, você será capaz de checar se você se rejubila com o homem de quem você inveje quando ele se alegra, e afligir-se quando ele se aflige, cumprindo assim o preceito de São Paulo, "Alegre-se com aqueles que se alegram, e lamente-se com quem se lamenta" (Romanos 12:15).

92) Nosso intelecto encontra-se entre o anjo e o demônio, cada um dos quais trabalha para seus próprios fins, um encorajando a virtude e o outro o vício. O intelecto tem tanto a autoridade e poder para seguir ou resistir seja o que for que ele deseje.

93) Os poderes angélicos nos impelem para o que é sagrado. Nossos instintos naturais e nossa probidade de intenção nos assiste. Mas as paixões e a pecaminosidade de intenção reforça as provocações dos demônios.

94) Quando o intelecto é puro, algumas vezes o Próprio Deus se aproxima e o educa; e algumas vezes os poderes angélicos, ou a natureza das coisas criadas que ele contempla, sugere-lhe coisas sagradas.

95) Um intelecto que foi agraciado com conhecimento espiritual deve manter suas imagens conceituais livre das paixões, sua contemplação sem vacilar, e seu estado de oração imperturbável. Mas ele não pode sempre guardar estas coisas das intrusões da carne, já que ele é obscurecido pelos estratagemas dos demônios.

96) As coisas que  nos afligem não são sempre as mesmas que nos fazem irritar, as coisas que nos afligem são de longe mais numerosas do que aquelas que nos irritam. Por exemplo, o fato de que algo foi quebrado, ou perdido, ou que uma certa pessoa morreu, apenas pode nos afligir. Mas outras coisas podem tanto afligir-nos e irritar-nos se nos faltar o espírito da divina filosofia.

97) Quando o intelecto dá atenção às imagens conceituais dos objetos físicos, ele é assimilado à configuração de cada imagem. Se ele contempla estes objetos espiritualmente, ele é transformado em vários sentidos segundo aqueles que ele contempla. Mas uma vez que ele se estabeleça em Deus, ele perde forma e configuração ao mesmo tempo, pois ao contemplá-Lo que é simples torna-se ele próprio também simples e completamente preenchido com radiação espiritual.

98) Uma alma é perfeita se seu aspecto passível é totalmente orientado para Deus.

99) Um intelecto perfeito é aquele que pela verdadeira fé e além de todo desconhecimento supremamente conhece o supremamente Incognoscível; e que, ao considerar a totalidade da criação de Deus, recebeu de Deus um conhecimento todo envolvente da providência e julgamento que a governa - obviamente na medida possível ao homem.

100) O tempo tem três divisões. A Fé é coextensiva com todas as três, a esperança com uma e o amor com as duas restantes. Ademais, fé e esperança durarão até certo ponto; mas o amor, unido para além da união com Ele que é mais do que infinito, permanecerá por toda a eternidade, sempre crescendo além de toda a medida. Esta é a razão porque "o maior deles é o amor" (I Cor. 13:13)