Cristo Pantocrator

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sobre o desânimo

Sobre o desânimo
Continuação do post anterior
Tradução de Rochelle Cysne
pags. 87 a 88

Nossa quinta luta é contra o demônio do desânimo, que obscurece a capacidade da alma para a contemplação espiritual e a mantém distante das boas obras. Quando este demônio malicioso aproveita a nossa alma e a obscurece completamente, ele nos impede de orar com alegria, de ler as Sagradas Escrituras com proveito e perseverança, e de ser gentil e compassivo para com nossos irmãos. Ele instila um ódio a todo tipo de trabalho e até mesmo a própria profissão monástica. Minando todas as resoluções salutares da alma, enfraquecendo sua persistência e constância, ele os deixa sem sentido e paralisados, amarrando-os e os prendendo por seus pensamentos desesperados.

Se nossa proposta é lutar a luta espiritual e derrotar, com a ajuda de Deus, os demônios da malícia, nós devemos tomar guarda de nosso coração contra o demônio do desânimo. Como uma traça devora as roupas e um verme devora a madeira, assim o desânimo devora a alma do homem. Ele o persuade a evitar cada encontro útil e parar de aceitar conselho de seus verdadeiros amigos e dar-lhes uma resposta cortês e pacífica. Aproveitando a alma inteira, ele a enche de amargura e apatia. Então ele sugere à alma que nós devemos nos afastar das pessoas, uma vez que elas são a causa de sua agitação. Ele não permite a alma entender que sua doença não vem de fora, mas fica escondida dentro, só se manifestando quando as tentações atacam a alma por causa de nossos esforços ascéticos.

 Um homem pode ser prejudicado por outro apenas por meio das causas das paixões que se encontram dentro dele. E é por esta razão que Deus, o criador de tudo e o Médico da alma humana, que tem conhecimento acurado das feridas da alma, não nos fala para deixar a companhia dos homens; Ele nos diz para erradicar as causas do mal dentro de nós e reconhecer que a saúde da alma não é alcançada pela separação de um homem de seus companheiros, mas em viver a vida ascética na companhia de homens santos. Quando nós abandonamos nossos irmãos por alguma razão aparentemente boa, nós não erradicamos os motivos do desânimo mas apenas os trocamos, já que a doença permanece oculta dentro de nós e inevitavelmente vai manifestar-se em outras circunstâncias.

Assim está claro que nossa luta é toda ela contra paixões interiores. Uma vez que estas paixões tenham sido extirpadas de nosso coração com a Graça e ajuda de Deus, nós literalmente seremos capazes de viver não apenas com homens, mas até mesmo com bestas selvagens. Jó confirma isso quando ele diz: "E as bestas do campo serão pacíficas com você" (Jó 5: 23). Mas antes a gente precisa lutar contra do demônio do desânimo que lança a alma no desespero. Nós temos de tirá-lo de nosso coração. Foi este demônio que não permitiu Caim a se arrepender depois de ter matado seu irmão, ou Judas depois de ter traído seu Mestre. A única forma de desânimo que devemos cultivar é a tristeza que segue o arrependimento pelo pecado e é acompanhada pela esperança em Deus. Foi desta forma de desânimo que o Apóstolo disse: "Por que a tristeza de Deus opera um arrependimento salvador, do qual ninguém se arrepende" (2 Coríntios 7:10). Este pesar divino nutre a alma pela esperança engendrada pelo arrependimento misturado com alegria. É por isso que nos torna obedientes e ansiosos para toda boa obra: acessíveis, humildes, gentis, tolerante e paciente em suportar todos os sofrimentos que Deus envia para nós. A posse destas qualidades mostra que um homem goza dos frutos do Espírito santo: amor, paz, alegria, longanimidade, bondade, fé, auto-controle (Gálatas 5:22). Mas do outro tipo de desânimo, podemos conhecer os frutos do espírito do mal: apatia, impaciência, raiva, ódio, contenda, desespero, lentidão na oração. Assim nós devemos evitar esta segunda forma de desânimo assim como devemos evitar a incastidade, avareza, ira, gula e o resto das paixões. Isso pode ser curado pela oração, esperança em Deus, meditação nas Sagradas Escrituras e pela convivência com pessoas de Deus.


Sobre a Ira

Continuação do post anterior
Páginas 82 a 87
Tradução da versão inglesa de Rochelle Cysne

Nossa quarta luta é contra o demônio da Ira. Nós devemos, com a ajuda de Deus, extirpar esse veneno mortal das profundezas de nossa alma. Enquanto ele habita em nossos corações e cega os olhos de nossa alma com sua desordem sombria, não podemos discernir o que é bom para nós, nem alcançar conhecimento espiritual, nem cumprir com nossas boas intenções, nem participar da vida verdadeira; e nosso intelecto permanecerá imune à contemplação da verdade, luz divina; pois está escrito: "Meus olhos estão consumidos pelo ressentimento" (Salmo 6: 7)

Nem compartilharemos da divina sabedoria, ainda que sejamos considerados sábios entre todos os homens, pois está escrito: "a ira repousa no íntimo dos tolos"; também não podemos discriminar nas decisões que afetam nossa salvação, ainda que sejamos considerados como pessoas de bom senso, pois está escrito: "A ira destrói até os homens de bom senso" (Provérbios 15:1). Nem seremos capazes de manter nossa vida na retidão com um coração atento, pois está escrito: "A ira de um homem não opera a justiça de Deus" (Tiago 1: 20). Nem seremos capazes de adquirir o decoro e a dignidade louvados por todos, pois está escrito: "Um homem irado não é dignificado". (Provérbios 11:25).

Logo, se você deseja atingir a perfeição e acertadamente percorrer a via espiritual você deve se fazer um estranho para toda a ira e indignação pecaminosos. Ouça o que São Paulo prescreve: "Toda amargura, ira, cólera, gritaria, blasfêmia e toda malícia sejam tirados de vós" (Efésios 4:11). Ao dizer "todas" ele não abre nenhuma exceção reconhecendo qualquer ira como necessária ou razoável. Se você deseja corrigir o seu irmão quando ele está errado, ou puni-lo, você deve manter-se calmo; de outro modo, você mesmo poderá ser apanhado pela doença que deseja curar e você perceberá que as palavras do Evangelho agora estão aplicadas a você: "Médico, cure a você mesmo" (Lucas 4:23), ou "Por que reparas no grão de areia no olho de seu irmão, e não notas na trave que está no seu olho?" (Mateus 7:3).

Não importa o que a provoca, a ira cega os olhos da alma, impedindo-nos de ver o Sol da justiça. Folhas, quer sejam de ouro ou chumbo, colocadas sobre os olhos, obstruem a visão igualmente, pois o valor do ouro não afeta no grau de cegueira que produz. De igual modo,  a ira, se razoável ou não razoável, obstrui nossa visão espiritual. Nosso poder incensivo pode ser usado em uma via que está de acordo com a natureza apenas quando se volta contra nossos pensamentos apaixonados e auto-indulgentes. Isto é o que o Profeta ensina quando diz: "Perturbai-vos e não pequeis" (Salmo 4:4) que é, seja irado com suas próprias paixões e com seus pensamentos maliciosos, mas não peque por efetivar suas próprias sugestões. O que segue claramente confirma esta interpretação: "Falai-vos com o vosso coração sobre a vossa cama e arrependei-vos" (Salmo 4:4), isto é, quando pensamentos maliciosos entrarem no seu coração, expeli-os com raiva, e então volte para a compunção e ao arrependimento como se sua alma estivesse repousando na cama da quietude.

São Paulo concorda com isto quando ele cita esta passagem e então acrescenta: "Não permitais que o sol se ponha sob a vossa ira: e não dê guarida ao mal" (Efésios 4, 26:27), o que ele quer dizer: 'Não faça Cristo, o Sol da justiça, sair de vossa coração por irritá-lo pelo seu assentimento aos maus pensamentos, permitindo assim o demônio encontrar guarida em vosso coração, devido à partida de Cristo'. Deus falou deste Sol nas palavras deste profeta: "Mas sobre vós que temeis o meu Nome, nascerá o Sol da justiça, e cura trará nas suas asas" (Malaquias 4:2). Se nós tomamos o ensinamento de Paulo literalmente, ele não nos permite manter a nossa ira até o pôr do sol. O que nós podemos dizer sobre aqueles que, por causa da aspereza e fúria de seu estado apaixonado, não apenas mantém a sua ira até o pôr do sol, mas a prolongam por muitos dias? Ou sobre aqueles que não expressam a sua ira, mas mantém em silêncio e aumentam o veneno de seu rancor até sua própria destruição? Eles desconhecem que devemos evitar a ira não apenas no que fazemos mas também em nossos pensamentos: de outro modo, nosso intelecto será obscurecido pelo nosso rancor, cortada a luz do discernimento e conhecimento espiritual e privados da habitação do Espírito Santo. 

É por esta razão que o senhor nos ordena a deixar nossa oferta diante do altar e ser reconciliado com nosso irmão (Mateus 5: 23-24), já que nossa oferta não será aceita enquanto a ira  e o rancor estiverem dentro de nós. O apóstolo nos ensina a mesma coisa quando ele nos fala para "rezar sem cessar" (1 Tessalonicenses 5:17), e "rezar em todo lugar, levantando as mãos santas sem ira e contenda" (1 Timótheo 2:8). Desse modo, nós estamos assim com a escolha ou de nunca mais rezar, e assim desobedecer ao mandamento do apóstolo, ou de tentar cumpri-lo seriamente pela oração sem ira  ou rancor.

Nós somos frequentemente indiferentes aos nossos irmãos que estão chateados ou angustiados, com a justificativa de que eles estão nesse estado não por nossa culpa. O médico das almas, porém, desejando desenraizar da alma as desculpas do coração, conta-nos para deixar nossa oferta e sermos reconciliados não apenas se estamos chateados com nosso irmão, mas também se ele está chateado conosco, se justa ou injustamente; apenas quando nós nos curamos da violação através de nosso pedido de desculpas nós devemos oferecer nossos dons.

Podemos encontrar o mesmo ensinamento no Antigo Testamento também. Em completo acordo com o Evangelho, ele diz: "Não odeie o seu irmão no seu coração" (Levítico 19:17) e, "A via do rancor conduz à morte" (Provérbios 12:28). Tais passagens então não apenas proíbem a ira que somos capazes de fazer como também o pensamento cheio de raiva. Logo, se existimos para seguir as leis divinas, nós devemos lutar com toda a nossa força contra o demônio da ira e contra a doença que jaz oculta em nós. Quando estamos irados com os outros, nós não devemos procurar a solidão com a justificativa de que, pelo menos, ninguém nos provocará ira e que na solidão a virtude da longanimidade pode ser facilmente adquirida. Nosso desejo de deixar nossos irmãos se deve ao nosso orgulho, e porque nós não desejamos nos culpar e atribuir à nossa própria frouxidão, nossa falta de disciplina. Enquanto atribuímos a causa de nossa fraqueza aos outros, nós não podemos atingir a perfeição da longanimidade.

Auto-reforma e paz não são obtidos pela paciência que os outros nos mostram, mas por nossa própria longanimidade para com os irmãos. Quando tentamos escapar da luta pela longanimidade recuando na solidão, aquelas paixões não cicatrizadas que levamos conosco estão apenas ocultadas, não apagadas; pois, a menos que as paixões sejam primeiramente purgadas, a solidão e o abandono do mundo não vão apenas encorajá-los mas também encobri-los, não nos permitindo perceber qual é a paixão que nos escraviza. Pelo contrário, ela nos impõe uma ilusão de virtude e nos persuade a acreditar que nós alcançamos longanimidade e humildade, porque não há ninguém presente para nos testar e provocar. Mas logo que algo acontece que nos desperta e desafia, nossas paixões escondidas e de sapercebidas imediatamente saem como cavalos descontrolados que se mantém por muito tempo sem exercícios e ociosos, arrastando seu condutor mais violentamente e descontroladamente para a destruição. Nossas paixões crescem mais ferozmente quando ociosas por falta de contato com as pessoas. Mesmo a sombra de paciência e longanimidade que julgávamos possuir enquanto misturados aos nossos irmãos é perdida em nosso isolamento, já que elas não são exercidas. Criaturas venenosas que vivem em suas tocas no deserto revelam sua fúria apenas quando eles detectam alguém se aproximando; e, do mesmo modo, os homens cheios de paixão que vivem em silêncio não por causa de sua disposição virtuosa, mas por causa de sua solidão, cospem seu veneno sempre que alguém se aproxima e os provoca. E é por isso que aqueles que procuram a perfeita gentileza devem fazer todo o esforço para evitar a raiva não apenas para com os homens que deles se aproximam, mas também dos animais e mesmo dos objetos inanimados.

Eu posso lembrar como, quando eu vivi no deserto, eu me tornei irado com os juncos porque eles eram ou muito grossos ou muito finos; ou com um pedaço de madeira, quando eu quis cortá-lo de forma rápida e não podia; ou com uma pedra, quando eu estava apressado para acender o fogo e não vinha a faísca. Tão envolvente era  a minha raiva que ela surgia contra objetos inanimados.

Se então você deseja receber as bençãos de Deus você deve coibir não apenas a expressão externa de raiva, mas também os pensamentos de raiva. Mais benéfico do que controlar a nossa língua em um momento de raiva e refreá-la de emitir palavras iradas é purificar o nosso coração do rancor e não abrigar pensamentos maliciosos contra os nossos irmãos. O Evangelho ensina a extirpar as raízes de nosso pecado e não apenas os seus frutos. Quando tivermos cavado as raízes da raiva em nosso coração, não agiremos mais com ódio ou inveja. "Aquele que odeia seu irmão é um homicida" (1 João 3:15), pois ele o mata com ódio em sua mente. O sangue de um homem que foi morto pela espada pode ser visto pelos homens, mas o sangue alimentado pelo ódio na mente é visto por Deus, que recompensa cada homem com o castigo ou a coroa não apenas mediante seus atos, mas também por seus pensamentos e intenções. Como o próprio Deus disse pelos profetas: "Eis que estou vindo recompensá-los de acordo com suas ações e pensamentos" (Ecclus, 35:19) e o Apóstolo diz: "No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, testificando sua consciência e seus pensamentos, ora os acusando, ora os desculpando". (Romanos 2, 15-16). O próprio Senhor nos ensina a por de lado toda a ira quando ele diz: "Quem está irado com seu irmão estará em perigo no dia do julgamento" (Mateus 5: 22). Este é o texto dos melhores manuscritos; pois é claro da proposta da Escritura neste contexto que as palavras "sem uma causa" foram adicionadas mais tarde. A intenção do Senhor é que devemos remover a raiz de toda raiva, seu fulgor, por assim dizer, em qualquer meio que pudermos, e não manter qualquer pretexto singular de ira em nossos corações. De outro modo nós seremos excitados para a ira inicialmente por aquilo que parece ter uma boa razão e então descobriremos que nosso poder incensivo está totalmente fora de controle.

A cura final para a doença é realizar aquilo que devemos para não nos tornarmos irados por qualquer razão que seja, mesmo se justa ou injusta. Quando o demônio da ira obscureceu a nossa mente, nós não ficamos nem com a luz do discernimento, nem a garantia do verdadeiro juízo, nem com a orientação da justiça e nossa alma não pode tornar-se o templo do Espírito Santo. Finalmente, nós devemos sempre carregar em nossa mente a ignorância do tempo de nossa morte mantendo-nos fora da ira e reconhecendo que nem o auto-controle, nem a renúncia de todas as coisas materiais, nem jejuns ou vigílias, são de qualquer benefício se nós nos encontramos culpados no dia do juízo final, por sermos escravos da ira e do ódio. 


Orthodox Hesychasm
A verdadeira hesíquia, quietude, pressupõe desenraizar toda a raiva, mesmo aquela por motivos justos.