Cristo Pantocrator

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Textos sobre o Amor

Os textos abaixo fazem parte dos 400 textos sobre o amor de São Maximo, O Confessor.
Mais uma vez estou me servindo para traduzir estes textos da versão em inglês da Philokalia, New York, Faber and Faber, 1981.
Aqui postarei os 400 discursos de Máximo sobre o Amor. Eles vão se dividir em centúrias, conforme fez o próprio Máximo. Assim, a segunda, terceira e quarta centúria fazem parte destes 400 escritos. Estarei ainda traduzindo o texto sobre e Ascese, de São Nilo, no post anterior. Ou seja, estarei atualizando ambos os posts todos os dias, até completar a tradução de ambos. Mas resolvi também acrescentar o texto de São Máximo para podermos aproveitar e conhecer aquele que é dos mais conhecidos e importantes escritores da Ortodoxia Cristã, um grande exemplo para qualquer homem e mulher, sejam eles cristãos ou não. Ninguém ocupa tanto espaço na Philokalia! Estes são os mais atrativos de todas as obras e também uma das mais fácies de entender. Está entre os mais escritos mais antigos do autor, quando ele estava em Czykos.
Máximo foi um membro da aristocracia e após receber uma excelente educação serviu primeiramente no serviço civil, talvez como secretário do Imperador Heraclios. Em torno de 614 ele se tornou um monge do mosteiro de Philippikos em Chrysopolis, perto de Constantinopla, subsequentemente movendo para outro mosteiro não tão distante de Czykos (Erdek). Em 626, no período da invasão dos persas, ele fugiu de Creta e eventualmente foi para a África, onde permaneceu alguns anos. Entre 633-634 ele desempenhou importante papel de oposição às heresias do monoenergismo e monotheletismo, e por conta disso ele foi preso em 653 pela autoridades imperiais, trazido a Constantinopla para julgamento, e mandado ao exílio. Ele morreu como exilado no Cáucaso. Seu memorial na Igreja Ortodoxa é celebrado dia 21 de janeiro, e também no dia de sua morte, dia 13 de agosto.

Quatrocentos escritos sobre o amor
São Máximo, Confessor.
tradução do inglês de Rochelle Cysne.

1) O amor é um estado sagrado da alma, que a dispõe para o conhecimento valoroso de Deus acima de todas as coisas criadas. Não podemos alcançar posse duradoura de tal amor enquanto estamos ainda atados a qualquer coisa do mundo.

2) Desprendimento engendra amor, esperança em Deus gera desprendimento, paciência e abstinência engendram esperança em Deus; estes, por seu turno, são produto de um completo autocontrole, que brotam do temor de Deus. temor de Deus é fruto da fé em Deus.

3) Se você tem fé no Senhor você sentirá medo do castigo, e este medo conduzirá você a controlar as paixões. Uma vez que consegue controlar as paixões você aceitará a aflição pacientemente, e por tal aceitação você adquirirá esperança em Deus. Esperança em Deus separa o intelecto de toda identificação mundana, e quando o intelecto é separado neste sentido você adquirirá o amor por Deus. 

4) A pessoa que ama a Deus valoriza o conhecimento de Deus mais do que qualquer coisa criada por Deus, e persegue tal conhecimento ardentemente e sem cessar.

5) Se tudo que existe foi feito por Deus e para Deus, e Deus é superior às coisas feitas por Ele, aquele que abandona o que é superior e devota-se ao que é inferior, mostra que valoriza as coisas feitas por Deus mais do que por Deus mesmo.

6) Quando seu intelecto é concentrado no amor de Deus, você prestará pouca atenção às coisas visíveis e reconhecerá mesmo seu próprio corpo como algo estranho.

7) Já que a alma é mais nobre do que o corpo e Deus é incomparavelmente mais nobre do que o mundo criado por Ele, quem valoriza o corpo mais do que a alma e o mundo criado por Deus mais do que o próprio Criador é simplesmente um idólatra.

8) Se você distrai seu intelecto do seu amor por Deus e o concentra não em Deus mas em algum objeto sensível, logo você mostrará que valoriza mais o corpo do que a alma e as coisas feitas por Deus mais do que o próprio Deus.

9) Uma vez que a luz do conhecimento espiritual é a vida do intelecto, e já que esta luz é engendrada pelo amor por Deus, é correto dizer que nada é maior do que o amor divino. (cf. I Cor. 13:13)

10) Quando na intensidade do seu amor por Deus o intelecto sai de si mesmo, ele não tem mais noção de si mesmo ou de qualquer coisa criada. Pois quando ele é iluminado pela luz infinita de Deus, torna-se insensível por tudo feito por Ele, como o olho se torna insensível aos astros quando nasce o sol.

11) Todas as virtudes cooperam com o intelecto para produzir esta intensa saudade por Deus, a oração pura acima de tudo. Através da oração, pelo aumento da proximidade com Deus, o intelecto se eleva acima das coisas criadas.


12) Quando o intelecto é invadido pelo amor divino e se põe fora do reino das coisas criadas, ele se torna consciente da infinitude de Deus. É então, de acordo com Isaías, que um tipo de espanto torna-a consciente de sua própria humildade e com toda sinceridade ela repete as palavras do profeta: "Quão abjeto eu sou, estou perfurado no coração; porque sou um homem de lábios impuros, e estou no meio de homens de lábios impuros; e meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos." (Isaías 6:5).

13) A pessoa que ama Deus não pode deixar de amar cada homem em si mesmo, mesmo que ele esteja magoado pelas paixões daqueles que ainda não estão purificados. Quando estes alterarem suas vidas, seu prazer será indescritível e não conhecerá limites.

14) Uma alma preenchida por pensamentos de desejos sensuais e pela ira é impura. 

15) Se nós detectamos qualquer traço de ódio em nossos corações contra qualquer homem, qualquer que tenha sido a sua falta, nós somos totalmente afastados do amor a Deus, já que o amor a Deus nos impede de ter ódio a qualquer homem.

16) Aquele que Me ama, diz o Senhor, guardará meus mandamentos (cf. João 14: 15, 23), e 'este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos outros' (João 15:12). Assim aquele que não ama o seu próximo falha na guarda do mandamento, e assim não pode amar ao Senhor.

17) Abençoado é o homem que pode amar todos os homens igualmente.

18) Abençoado é aquele que não está unido a qualquer coisa transitória ou corruptível.

19) Abençoado é o intelecto que transcende todos os objetos sensíveis e se deleita incessantemente na beleza divina.

20) Se você prevê os desejos da carne (cf. Romanos 13;14) e guarda rancor contra seu próximo, em virtude alguma coisa transitória, você adora a criatura ao invés do Criador.

21) Se você mantém seu corpo livre da doença e do prazer sensual isto lhe ajudará a servir ao que é mais nobre.

22)Aquele que abandona todos os desejos mundanos se põe acima de toda a aflição mundana.

23) Aquele que ama a Deus, amará certamente também seu próximo. Tal pessoa não pode mesquinhar dinheiro, mas o distribui em um sentido condizente a Deus, sendo generoso a todos na necessidade.

24) Aqueles que dá esmolas em imitação de Deus não discrimina entre o fraco e o virtuoso, o justo do injusto, quando prevê as necessidades corporais dos homens. Ele dá igualmente de acordo com sua necessidade, ainda que ele prefira o homem virtuoso ao homem mau por causa da probidade de sua intenção.

25) Deus, que é por natureza bom e imparcial, ama a todos os homens igualmente como obra de Suas mãos. Mas Ele glorifica o homem virtuoso porque por sua vontade ele está unido a Deus. Ao mesmo tempo, em sua Bondade, Ele é misericordioso com o pecador e o castiga em vida para reconduzi-lo ao caminho da virtude. Similarmente, um homem de bom e imparcial julgamento também ama a todos os homens igualmente. Ele ama o homem virtuoso por causa de sua natureza e a probidade de suas intenções; ele ama também o pecador, por causa de sua natureza e porque em sua compaixão ele se apieda dele que tropeça totalmente na escuridão. 

26) O estado de amor pode ser reconhecido no dar o dinheiro, e mais ainda no dar conselho espiritual e cuidar das pessoas em suas necessidades físicas.

27) Aquele que genuinamente renunciou às coisas mundanas, e amorosamente e sinceramente serve ao seu vizinho, é livre de toda paixão e toma parte do amor e conhecimento de Deus.

28) Aquele que realizou o amor por Deus em seu coração é infatigável, como disse Jeremias (cf. Jer. 17:16, LXXX), em sua perseguição pelo Senhor seu Deus, ele suporta toda dificuldade, toda censura e insulto, nunca pensando o menor mal de qualquer pessoa.

29) Quando você é insultado por alguém ou humilhado, guarde-se contra pensamentos de raiva para que não surja um sentimento de irritação, e assim cortar-te do amor e colocá-lo no ódio.

30) Você deve saber que você foi beneficiado grandemente quando você sofreu profundamente por causa de algum insulto ou indignidade; pois pela indignidade a autoestima é expulsa de ti.

31) Como o pensamento do fogo não aquece o corpo, assim a fé sem amor não atualiza a luz do conhecimento espiritual na alma.

32) Como a luz do sol atrai o olho saudável, então pelo amor de Deus o conhecimento atrai naturalmente para si o intelecto puro. 

33) Um intelecto puro está divorciado da ignorância e é iluminado pela luz divina.

34) Uma alma pura está liberta das paixões e é constantemente deleitada pelo amor divino.

35) Uma paixão culpável é um impulso da alma que é contrário à sua natureza.

36) Desapego é uma condição pela de paz da alma mediante a qual esta não é facilmente movida para o mal.

37) Um homem que foi assíduo em adquirir os frutos do amor não cessará de amar mesmo que ela sofra milhares de calamidades. Veja Estevão, o discípulo de Cristo, e outros como ele, que você se persuadirá da verdade disto (cf. Atos 7:60). Nosso Senhor mesmo rogou por seus algozes e pediu ao Pai para perdoar-lhes porque eles não sabiam o que estavam fazendo. (cf. Lucas 23:34).

38) Se o amor é longanimidade e doçura, um homem que é contencioso e malicioso claramente se aliena do amor. E quem está alienado do amor está alienado de Deus, pois Deus é amor.

39) Não diga que você é o templo do Senhor, escreve Jeremias (cf. Jeremias 7:4); nem deve você dizer que apenas a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo pode salvá-lo, pois isso é impossível a menos que você também adquira amor por Ele através de suas ações. Quanto a fé por si só está dito: "os demônios também creem e tremem" (Tiago 2: 19).

40) Nós manifestamos amor ao nosso próximo na tolerância e paciência, no desejo genuíno de seu bem e no correto uso das coisas materiais. 

41) Aquele que ama Deus nem aflige, nem é afligido por conta de coisas transitórias. Há apenas um tipo de aflição que ele tanto sofre quanto inflige aos demais: a salutar aflição que o abençoado Paulo sofreu e que ele infligiu aos coríntios (cf. 2 Cor. 7 : 8-11).

42) Aquele que ama Deus vive a vida angélica na terra, jejuando e mantendo vigília, rezando e cantando salmos e sempre pensando o melhor de todo homem.

43) Se um homem deseja alguma coisa, ele faz todo o esforço possível para obtê-la. Mas de todas as coisas que são boas e desejáveis, o divino é incomparavelmente a melhor e a mais desejável.

44) Pare de contaminar a sua carne com ações vergonhosas e de poluir sua alma com pensamentos perversos; então a paz de Deus descerá sobre você e lhe trará amor. 

45) Aflija sua carne com fome e vigílias e se aplique incansavelmente à salmodia e à oração; então o dom santificante do autocontrole descerá sobre você e lhe trará amor. 

46) Àquele, a quem foi concedido o conhecimento divino e pelo amor adquiriu iluminação, nunca será arrastado para cá e para lá pelo demônio da autoestima. Mas àquele a quem não foi dado tal conhecimento literalmente sucumbirá a este demônio. Porém, se em tudo o que ele fizer ele manter os olhos fixados no Senhor, fazendo tudo para sua salvação, ele logo escapará com a ajuda de Deus. 

47) Àquele que não obteve o conhecimento divino energizado pelo amor é orgulhoso de seu progresso espiritual. Mas àquele a quem foi dado tal conhecimento repete com profunda convicção as palavras proferidas pelo patriarca Abraão quando lhe foi dada a manifestação de Deus: "Sou pó e cinza" (Gênesis 18:27).

48) A pessoa que teme o Senhor tem a humildade como sua constante companheira e, através de pensamentos que inspirem humildade, alcança um estado de amor divino e gratidão. Pois ele se lembra de sua pretérita vida mundana, dos vários pecados que ele cometeu e das tentações que recaíram sobre ele desde sua juventude; e ele lembra, também, como o Senhor o libertou de tudo isso, e como Ele o conduziu de uma vida dominada pelas paixões para uma vida regulada por Deus.  Então, junto ao medo, ele também recebe amor, e na humildade profunda continuamente dá Graças ao Benfeitor e Timoneiro de nossas vidas. 

49) Não manche seu intelecto atendo-se a pensamentos cheios de ira e desejos sensuais. De outro modo você perderá sua capacidade de oração pura e cairá vítima do demônio da indiferença.

50) Quando o intelecto se associa com pensamentos sórdidos e maus, ele perde sua comunhão íntima com Deus. 


51) O homem tolo sob o ataque das paixões, quando movido pela raiva, é disparatadamente impelido a abandonar seus irmãos. Mas quando ardendo pelo desejo, ele rapidamente muda de ideia e procura sua companhia. Uma pessoa inteligente comporta-se diferentemente em ambos os casos. Quando a raiva lhe inflama, ele corta a fonte da perturbação e se liberta do sentimento de irritação contra seu irmão. Quando o desejo fala mais alto ele checa todo impulso incorreto e muda a conversa.

52) No momento da provação não deixe seu mosteiro mas mantenha-se de cabeça erguida corajosamente contra os pensamentos que surgem sobre você, especialmente aqueles de irritação e indiferença. Pois quando você foi testado pelas aflições deste modo, de acordo com a divina providência, sua esperança em Deus se tornará firme e segura. Mas se você deixa o mosteiro, você se mostrará ser indigno, inconstante e não viril. 

53) Se você deseja não perder o amor de Deus, não permita que seu irmão vá dormir sentindo-se irritado com você, e não vá dormir sentindo-se irritado com ele. Reconcilie-se com seu irmão, e então venha a Cristo com uma consciência clara e ofereça-Lhe seu dom de amor em fervorosa oração (Cf. Mateus 5:24).

54) São Paulo diz que se nós temos todos os dons do Espírito mas não temos amor, nós não avançaremos (cf. I Cor. 13:2). Assim quão assíduos devemos ser em nossos esforços para obter este amor.

55) Se 'o amor nos previne de prejudicar nosso irmão' (Roma. 13:10), aquele que está com inveja de seu irmão ou irritado pela sua reputação, e causa danos ao seu nome com piadas baratas ou de qualquer forma acintosamente fazendo conspirações contra ele, está certamente alienando-se do amor e é culpado em face do julgamento eterno. 

56) Se 'o amor é o cumprimento da lei' (Rom. 13:10), aquele que está cheio de rancor para com seu vizinho e cria armadilhas e maldições para ele, exultando em sua queda, deve seguramente ser um transgressor, merecendo a punição eterna.

57) Se 'aquele que fala mal de seu irmão, julga seu irmão, aquele que fala mal da Lei, julga a Lei' (Tiago 4:11), e a Lei de Cristo é o amor, seguramente quem fala mal do amor de Cristo, perde-o e isto é a causa de sua própria perdição.

58) Não escute alegremente fofoca à expensa de seu próximo ou conversa com pessoa que goste de encontrar falha nos outros. De outro modo você perderá o amor divino e se encontrará privado da vida eterna.

59) Não permita qualquer abuso de seu pai espiritual ou incentive quem o desonra. Do contrário, o senhor ficará irritado com sua conduta e lhe obliterá  da terra da vida (Deut. 6:15).

60) Silencie o homem que profere calúnia em seu ouvido. Do contrário você pecará duas vezes: primeiro você se acostuma a esta paixão mortal e segundo você deixa de preveni-lo de fofocar contra seu próximo.


61) 'Mas eu vos digo', diz o Senhor, 'amai vossos inimigos... fazei o bem àqueles que vos odeiam, e rezem por aqueles que vos perseguem' (Mateus 5:44). Por que ele ordenou isto?Para nos libertar do ódio, irritação, raiva, rancor e para nos fazer dignos do supremo dom do amor perfeito. E não se pode obter tal amor se não se imita Deus e ama a todos os homens igualmente. Pois Deus ama todos os homens igualmente e deseja que 'sejam salvos e venham ao conhecimento da verdade' (1Tim 2:4).

62) 'Mas Eu vos digo, não resistais ao mal; mas se alguém bater-lhe na face direita, oferece também a esquerda. E se alguém quiser pleitear contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. E se alguém lhe forçar a andar uma milha, vai com ele duas milhas' (Mateus 5: 39 - 41). Por que Ele diz isto? Tanto para te manter livre da ira e da irritação, quanto para corrigir a outra pessoa por meio da tua tolerância, assim como um bom Pai, Ele te coloca sob o jugo do amor. 

63) Nós carregamos conosco imagens apaixonadas das coisas que vivemos. Se pudermos superar tais imagens nós seremos indiferentes às coisas que eles representam. Pois lutar contra os pensamentos das coisas é muito mais difícil do que lutar contra elas mesmas, assim como pecar em pensamento é mais fácil do que por meio de uma ação.

64) Algumas paixões pertencem ao corpo, outras à alma. As primeiras são ocasionadas pelo corpo, as segundas por objetos externos. Amor e autocontrole superam ambas, o primeiro refreando as paixões da alma e o segundo refreando as paixões do corpo.

65) Algumas paixões pertencem ao poder incensivo da alma, e outras ao seu aspecto desejante. Ambos os tipos são despertados pelos sentidos. Eles são despertados quando falta à alma amor e autocontrole.

66) As paixões do poder incensivo da alma são mais difíceis de combater do que aquelas de seu aspecto desejante. Consequentemente nosso Senhor nos deu um remédio mais forte contra elas: o mandamento do amor.

67) Enquanto paixões como esquecimento e ignorância afetam um dos três aspectos da alma - o incensivo, o desejante ou o inteligente - a apatia sozinha toma o controle de todos os poderes da alma e desperta quase todas as paixões juntas. E esta é a razão porque tal paixão é mais séria do que todas as outras. Por isso Nosso Senhor nos deu um excelente remédio contra ela dizendo: ' Vocês ganharão suas almas pela resistência de vossa paciência'. (Lucas 21:19).

68)  Nunca atinja qualquer um dos irmãos, especialmente sem razão, no caso dele não conseguir suportar a aflição e deixar o mosteiro. Pois então você nunca escapará da reprovação de sua consciência. Isto sempre lhe traria sofrimento na hora da oração e desviaria seu intelecto da comunhão íntima com Deus.

69) Evite todas as suspeitas e todas as pessoas que fazem com que você se ofenda. Se você é ofendido por alguma coisa, seja ela intencional ou não, você não conhece o sentido da paz, que através do amor, leva o amante a uma união íntima com Deus. 

70) Você não adquiriu ainda o amor perfeito se seu olhar para as pessoas é ainda seduzido por suas características - por exemplo, se, por alguma razão particular, você ama uma pessoa e odeia outra, ou se, pela mesma razão, você algumas vezes ama e algumas vezes odeia a mesma pessoa.

71) O amor perfeito não divide a natureza humana, comum a todos, de acordo com as diversas características dos indivíduos; mas, fixando a atenção sempre em cada natureza singular, ama a todos os homens igualmente. Ama os bons como amigos e os maus como inimigos, ajudando-os, exercitando a tolerância, aceitando pacientemente o que eles fazem, não levando em conta o seu mal mas mesmo sofrendo em seu favor, se houver chance, de modo que, se possível, também eles venham a ser amigos. 

72) Se você não é indiferente tanto à fama quanto à desonra, riqueza e pobreza, prazer e aflição, você não adquiriu o perfeito amor. Pois o amor perfeito é indiferente não apenas a estas coisas mas mesmo à esta vida fugaz e à morte.

73) Escute as palavras daqueles que atingiram o verdadeiro amor: "O que pode nos separar do amor de Cristo? Pode a aflição, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito, 'Por amor a Ti nós somos sepultados todos os dias como ovelhas no matadouro'. (Salmo 44: 22). Mas em todas estas coisas somos mais do que vitoriosos por causa Dele que nos amou. Pois eu estou convencido que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as coisas presentes, nem as coisas do porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer coisa criada, pode nos separar do amor de Cristo que é em Cristo Jesus nosso Senhor." (Romanos 8: 35-39). Aqueles que falam e agem assim tendo o foco no amor divino são todos santos.

74) Escutem agora o que eles dizem sobre o amor ao próximo: "Eu falo a verdade em Cristo, não minto, minha consciência dá testemunho no Espírito Santo: eu tenho grande aflição e contínuo pesar em meu coração. Pois eu poderia desejar a mim mesmo ser anátema de Cristo, por amor aos meus irmãos, meus parentes segundo a carne, que são os israelitas". (Romanos 9: 1-3). Moisés e outros santos falam da mesma maneira.

75) Aquele que não é indiferente à fama e ao prazer, bem como ao amor das riquezas que os engrandecem, não pode cortar ocasiões para a raiva. E aquele que não corta isto não pode atingir o perfeito amor.

76) Humildade e esforço ascético libertam o homem de todos os pecados, pois extirpa-se com eles as paixões da alma e também aquelas outras  do corpo. Isto é o que o abençoado David indica quando ele roga a Deus dizendo: "Olhai para a minha humildade e o meu esforço e perdoai todos os meus pecados" (Salmo 25:18).

77) É pelo cumprimento dos mandamentos que o Senhor nos faz imparciais; e é por Seus divinos ensinamentos que ele nos dá a luz do conhecimento espiritual.

78) Todos os ensinamentos estão concernidos acerca ou de Deus, ou das coisas visíveis e invisíveis, ou então sobre a providência e julgamento relacionados a elas. 

79) Atos de caridade curam o poder incensivo da alma; jejuar seca o desejo sensual; orar purifica o intelecto e prepara-o para a contemplação das coisas criadas. Pois o Senhor nos deu mandamentos que correspondem aos poderes da alma.

80) 'Aprendei de mim', diz o Mestre, 'que sou manso e humilde de coração' (Mateus 11:29). mansidão mantém o poder incensivo da alma em um estado de tranquilidade; humildade liberta o intelecto da vaidade e da autoestima.

81) O temor a Deus é de dois tipos. O primeiro é gerado em nós pela ameaça do castigo. É por meio de tal medo que desenvolvemos na devida ordem o autocontrole, a paciência, a esperança em Deus e a imparcialidade; e é pela imparcialidade que vem o amor. O segundo tipo de medo está conectado ao amor e produz constantemente reverência na alma, e assim ele não cresce indiferente a Deus por causa de sua comunhão íntima com seu amor. 

82) O primeiro tipo de temor é expelido pelo amor perfeito quando a alma o adquiriu e não mais teme a punição (cf João 4:18). O segundo tipo, como já dissemos antes, é sempre fundamentado na união com o amor perfeito. O primeiro tipo de temor está referido nos seguintes versos: "Pelo temor do Senhor evita-se o mal" (Provérbios 16: 6) e "O temor do Senhor é o começo da sabedoria" (Salmo 111:10). O segundo tipo é mencionado nos seguintes versos: "O temor do Senhor é puro, e permanece para sempre" (salmos 19:9) e "Aqueles que temem o Senhor não desejarão nada mais" (Salmos 34:10).


83) "Mortificai então o que é terreno em vós: fornicação, impureza, paixões, desejos maus e a cobiça" (Colossenses 3:5). Terreno é o que São Paulo chama os desejos da carne. Fornicação é a palavra para o estado presente de pecado. Impureza é como ele designa o assentimento ao pecado. Paixões é o termo para os pensamentos apaixonados. Por maus desejos ele quer dizer o simples ato de aceitar o pensamento e o desejo. E cobiça é o nome para o que gera e promove a paixão. Todas estas  coisas São Paulo ordena que mortifiquemos enquanto 'aspectos' que expressam os desejos da carne.

84) Primeiro a memória traz alguns livres pensamentos passionais ao intelecto. Pelo seu prolongamento a paixão é despertada. Quando a paixão não é erradicada, ela persuade o intelecto a assentir nela. Uma vez assentido, o pecado é cometido em ato. Foi por isso que São paulo, em sua sabedoria, os ordenou a primeiro eliminar o pecado atual e então trabalhar sistematicamente de volta à causa. A causa, como já foi dito, é a cobiça, que gera a promove a paixão. Eu penso que a cobiça neste caso significa a glutonaria, porque esta é a mãe e provedora da luxúria. Pois cobiça é um pecado não apenas com relação às posses mas também com relação à comida, assim o autocontrole se relaciona tanto à comida quanto às posses.

85) Quando um pardal preso às suas pernas tenta voar, ele é retido pela corda e empurrado novamente à terra. Similarmente, quando o intelecto não atingiu ainda o voo da impassionalidade que o conduz rumo ao conhecimento celeste, ele é retido pelas paixões e lançado de volta à terra.

86) O intelecto, uma vez totalmente livre das paixões, prossegue sem distração na contemplação da criação, prepara seu caminho rumo ao conhecimento da Santíssima Trindade.

87) Quando o intelecto está num estado puro, ao receber a imagem conceitual das coisas, é movido para contemplar estas coisas espiritualmente. Mas quando está manchado pela indolência, enquanto suas imagens conceituais podem, em geral, ser libertadas por paixões, aqueles interessados em pessoas passam a ter pensamentos que podem ser tanto vergonhosos quanto fracos.

88) Quando, durante a oração, nenhuma imagem conceitual de qualquer coisa mundana perturba seu intelecto, então saiba que estás dentro do reino da imparcialidade.

89) Uma vez que a alma começa a sentir sua própria boa saúde, as imagens em seus sonhos são também calmas e livres de paixões.

90) Assim como o olho físico é atraído pela beleza  das coisas físicas, assim o intelecto purificado é atraído pelo conhecimento das coisas invisíveis. Por coisas invisíveis me refiro às coisas incorpóreas.

91) Já é muito não ser despertado por qualquer paixão ligada à coisas materiais. É ainda mais permanecer imperturbável quando apresentada com imagens mentais de tais coisas. Pois a guerra que o demônio trava contra nós por meio de pensamentos é ainda mais severa do que a que ele trava contra nós por meio de coisas materiais.

92) Aquele que obteve sucesso ao atingir as virtudes e foi enriquecido com conhecimento espiritual, vê as coisas claramente em sua própria natureza. Consequentemente, ele tanto age e quanto fala com respeito a todas as coisas de um modo que é apropriado e ele nunca é iludido. Pois consoante saibamos dispor das coisas corretamente ou erradamente nós nos tornamos ou bons ou maus.

93) Se as imagens conceituais que nascem continuamente no coração são libertas das paixões quer o corpo esteja dormindo, quer esteja desperto, então podemos saber que obtemos o mais alto estágio de imparcialidade.

94) Pelo cumprimento dos mandamentos, o intelecto se despe das paixões. Pela contemplação espiritual das coisas visíveis, ele lança fora as concepções apaixonadas de tais coisas. Pelo conhecimento das coisas invisíveis ele desfaz a contemplação das coisas visíveis. Finalmente ele se despoja mesmo deste conhecimento da Santíssima Trindade.

95) Quando o sol nasce e lança sua luz no mundo, ele revela tanto a si mesmo como as coisas que ele ilumina. Similarmente, quando o Sol da Justiça nasce no Puro Intelecto, Ele revela tanto a Si mesmo quanto os princípios inerentes de tudo o que foi e que será trazido por Ele à existência.

96) Nós não conhecemos Deus em Sua Essência. Nós O conhecemos preferencialmente por seus efeitos, na grandeza da criação e em seu cuidado providencial com relação à todas as criaturas. Por tais meios, como se se tratasse de espelhos, nós podemos obter o insight de sua Infinita Bondade, Sabedoria e Poder.

97) O puro intelecto é ocupado ou com imagens conceituais dos assuntos humanos livres de paixões ou  com contemplação natural das coisas visíveis ou invisíveis, ou com a luz da Santíssima Trindade.

98) Quando o intelecto está engajado na contemplação das coisas visíveis, ele procura fora delas ou seu princípio natural, ou o princípio espiritual que elas refletem, ou ainda procura sua causa originária.

99) Quando o intelecto está absorvido na contemplação das coisas invisíveis, ele procura seus princípios naturais, a causa de sua geração ou o que quer que siga disso, tanto quanto a ordem providencial e o julgamento que se relaciona a eles.

100) Quando o intelecto está estabelecido em Deus, ele anseia por descobrir os princípios de Sua Essência. Mas a natureza íntima de Deus não admite tais investigações, que está inclusive além da capacidade de qualquer ser criado. As qualidades que pertencem à Sua Natureza, porém, são acessíveis ao intelecto veemente: com isto quero dizer as qualidades da eternidade, infinidade, indeterminação, bondade, sabedoria, e o poder de criar, preservar e julgar as criaturas. Destas, apenas a infinitude pode ser apreendida completamente; e isso porque o nada de conhecimento é o conhecimento que ultrapassa todo e qualquer conhecimento, conforme Gregório de Nazianzo e Dionísio disseram.