Cristo Pantocrator

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sobre o demônio da luxúria e o desejo da carne

Continuação do post anterior.
Páginas 75 a 77
tradução da versão em inglês por Rochelle Cysne

Sobre o demônio da luxúria (falta de castidade) e o desejo da carne

Nossa segunda luta é contra o demônio da luxúria e o desejo da carne, um desejo que começa por perturbar o homem desde o início de sua juventude. Esta dura luta tem de ser enfrentada tanto na alma quanto no corpo, e não apenas na alma, como é o caso de outras falhas. Consequentemente temos de lutar em duas frentes.

Jejum corporal não é suficiente para ocasionar o autocontrole e a verdadeira pureza; ele deve ser acompanhado pela contrição do coração, oração intensa a Deus, meditação frequente nas Escrituras e trabalho manual. Estas ferramentas são capazes de checar as inquietudes da alma e recordá-la de suas fantasias vergonhosas. Humildade de alma ajuda mais do que tudo e sem ela ninguém pode superar a luxúria ou qualquer outro pecado. Em primeiro lugar, então, nós devemos tomar o maior cuidado em guardar nosso coração de certos pensamentos, pois, de acordo com o Senhor, 'do coração procedem os maus pensamentos, assassinatos, adultérios, luxúria", etc. (Mat. 15:19)

Nós falamos da necessidade de jejuar não apenas para mortificar nosso corpo, mas também para manter nosso intelecto atento de modo que não seja obnubilado pelo excesso de comida que ingerimos e, assim, seja incapaz de fazer a guarda dos pensamentos. Logo não devemos gastar todo nosso esforço em jejuns corporais; nós devemos também prestar atenção em nossos pensamentos e em nossa meditação espiritual, já que de outro modo não seremos capazes de avançar às alturas da verdadeira pureza e castidade. Como Nosso Senhor disse, nós devemos "primeiro limpar o interior do prato e do copo, para que seu exterior seja também limpo". (Mat. 23:26)

Se estamos realmente ansiosos, como o Apóstolo aponta, para 'lutar' e para ser 'aperfeiçoados' (2 Tim 2:5) de modo a superar o espírito de luxúria, nós não devemos confiar em nossa própria força e prática ascética, mas na ajuda de nosso Mestre, nosso Deus. Ninguém deixa de ser atacado por este demônio a menos que verdadeiramente creia que será curado e que atingirá o cume da pureza não por meio de seus próprios esforços e trabalhos, mas mediante a ajuda e proteção de Deus. Pois tal vitória está além dos poderes naturais humanos. De fato, aquele que pisou nos prazeres e provocações da carne está de certo modo alheio ao próprio corpo. Destarte, ninguém pode ganhar a este alto e celestial prêmio com suas próprias asas e aprender a imitar os anjos, a menos que a graça de Deus o conduza para cima de sua lama terrena.

Nenhuma virtude faz do homem encarnado semelhante a um espírito angélico como o auto-controle, pois ele capacita aqueles que vivem ainda na terra a tornarem-se, como disse o Apóstolo, 'cidadãos dos céus'. Um sinal de que atingimos essa virtude perfeitamente é que nossa alma ignora aquelas imagens que produzem fantasias profanas durante o sono; pois ainda que a produção de tais imagens não seja pecado, é, no entanto, sinal de que a alma está doente e que ela não foi libertada das paixões. Logo, nós devemos considerar as fantasias profanas que nascem em nós durante o sono como prova de indolência e fraqueza existindo em nós, uma vez que a imagem que aparece em nós quando estamos relaxados no sono revela a doença que jaz oculta em nossas almas. Por causa disso, o Doutor de nossas almas também colocou o remédio nas regiões ocultas da alma, reconhecendo que a causa de nossa doença repousa lá. Por isso ele diz: "Quem olha para uma mulher com luxúria já cometeu adultério em seu coração" (Matt, 5: 28). Ele procura corrigir não tanto nossos olhos incastos como a alma que faz mal uso dos olhos dados por Deus para bons propósitos. E é por isso que o livro dos Provérbios, na sua sabedoria não diz: "Guarde seus olhos com toda a diligência" mas sim "Guarde seu coração com toda a diligência" (Prov. 4:23), impondo o remédio da diligência em primeiro lugar sobre aquele que faz uso dos olhos de acordo com os propósitos que deseja.

A maneira de manter guarda sobre nosso coração é expelir imediatamente da mente toda lembrança das mulheres, recordação esta inspirada pelos demônios  - mesmo da mãe, da irmã ou de uma mulher devota - para que dando habitação por muito tempo a estes pensamentos na mente, ela seja lançada pelo enganador em pensamentos degradantes e perniciosos. O mandamento dado por Deus ao primeiro homem, Adão, dizia-lhe para manter  vigilância sobre a influência da serpente (cf. Gen. 3:15, LXX) ou seja, sobre as primeiras noções acerca dos pensamentos perniciosos por meio dos quais a serpente tenta influenciar nossa alma. Se nós não admitimos a   influência da serpente, que é a provocação do pensamento, nós não admitiremos o resto que é o assentimento aos prazeres sensuais que o pensamento sugere e assim rebaixa a mente para atos ilícitos.

Como está escrito, nós devemos 'pela manhã destruir todos os ímpios da terra' (Salmos 101:8), distinguindo à luz do conhecimento divino nossos pensamentos pecaminosos e então erradicando-os completamente da terra - nossos corações - de acordo com os ensinamentos do Senhor. Enquanto as crianças da Babilônia - pelas quais quero dizer nosso pensamentos perversos - são ainda jovens, nós podemos atirá-las ao chão e lançá-las contra a pedra que é o Cristo (Salmo 137: 9/ 1 Cor. 10:4). Se estes pensamentos crescem mais fortes por lhes darmos assentimento, nós não seremos capazes de superá-los sem muita dor e trabalho.

É bom lembrar os ditos dos Padres bem como as passagens das Sagradas Escrituras citadas acima. Por exemplo, São Basílio, Bispo de Cesaréia na Capadócia, disse: "Eu não conhecia mulher e não era ainda virgem".  Ele reconheceu que o dom da virgindade é alcançado não tanto por abstenção de relação com mulher e sim pela santidade e pureza de alma que por sua vez é obtida pelo temor de Deus. Os Padres também dizem que nós não podemos adquirir totalmente a real humildade do coração. E não nos será concedido o verdadeiro conhecimento espiritual enquanto a paixão da luxúria permanecer oculta nas profundezas de nossa alma.

Para finalizar esta seção de nosso trabalho, lembraremos um dos ditos do Apóstolo que ilustra seu ensinamento para adquirir autocontrole. Ele diz: "Segui a paz com todos e a santificação sem a qual ninguém verá o senhor" (Hebreus 12:14). É claro que ele está falando aqui também acerca do autocontrole: "E ninguém seja devasso e profano como Esaú que vendeu seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas" (Hebreus 12: 16). No grau mais elevado de santidade a que podemos chegar, o mais pesado são os ataques dos inimigos a que nossa alma pode estar submetida. Logo devemos alcançar não apenas controle corporal, mas também contrição do coração com frequentes orações de arrependimento, para que com o orvalho do Espírito Santo, possamos apagar o fogo de nossa carne, acendido diariamente pelo rei da Babilônia, o fole do desejo. (Dan, 3:19). Além disso, uma grande arma nos foi dada em forma das sagradas vigílias; pois assim como a observação que mantemos sobre nossos pensamentos durante o dia traz santidade à noite, assim também a vigília à noite traz pureza à alma durante o dia".





"Orai sem cessar" (1Ts 5: 17)

Sobre os oito vícios

Sobre os oito vícios: sobre o controle do estômago
São João Cassiano

(The Philokalia, The Complete Text, Volume One, Faber and Faber, New York, 1979, pags. 73 e 74)
Traduzido da verão inglesa de G. E. H Palmer, Philip Sherrard e Kallisto Ware, por Rochelle Cysne.

"Sobre os oito vícios: escrito para o Bispo Kastor"

Tendo composto o tratado sobre as instituições cenobíticas, eu estou neste momento mais uma vez encorajado por vossas orações a tentar escrever alguma coisa sobre os oito vícios: glutonaria, luxúria, avareza, ira, inveja, apatia (preguiça), auto-estima e orgulho.


"Sobre o controle do estômago"

Eu falarei primeiro sobre o controle do estômago, o oposto à glutonaria, e sobre como jejuar e o quê e como comer. Eu não direi nada de minha própria conta, e sim apenas o que eu recebi dos Santos Padres. Eles não nos deram apenas uma regra singular do jejum, ou uma medida e padrão para a comida, já que nem todos possuem a mesma compleição; idade, doença ou fraqueza do corpo criam disparidades. Mas eles nos deram uma simples meta: evitar comer demais e encher nossas barrigas. Eles também descobriram que jejuar por um dia é mais benéfico e de maior ajuda para se alcançar a pureza do que estender o jejum por um período de três, quatro ou mesmo sete dias. Aquele que jejua por muito tempo, eles afirmam, acaba por comer depois demais. O resultado é que muitas vezes o corpo se torna enervado pela falta indevida de comida e lento ao longo de seus exercícios espirituais, enquanto que outras vezes, oprimido pelo excesso de comida ingerida, deixa a alma preguiçosa e negligente.

Eles também descobriram que se alimentar apenas de verduras não é para todos e que nem todo mundo pode viver à base de pão seco. Eles dizem que há aqueles que podem comer duas medidas de pão seco e ainda permanecerem famintos e que há aqueles que podem comer um quarto disso e se satisfazerem. Como eu disse, os Padres proferiram uma regra básica de auto controle: "não sejam enganados pelo desejo de uma barriga cheia" (Provérbios 24: 15. LXX) ou sejam desviados pelo prazer do paladar. Não é a variedade de alimentos que acendem os dardos inflamados da luxúria, mas apenas a sua quantidade. Qualquer tipo de alimento em demasia no ventre engendra a semente do desregramento. Não é apenas muito vinho que embota a nossa mente: também muita água ou muito de qualquer coisa torna-a sonolenta e estupidificada. Os sodomitas foram destruídos não por causa do muito vinho ou tanto por outras comidas, mas por causa do excesso de pão, como os Profetas nos contam (cf. Ezequiel 16:49).

Doença física não é um obstáculo para a pureza do coração, se garantimos dar ao corpo o que a doença requer e não o que agrada nosso desejo de prazer. O comer é para garantir a nossa vida e não para nos escravizar aos impulsos do desejo. Comer moderadamente e racionalmente tem como meta manter a saúde do corpo e não para nos privar da santidade.

Uma regra básica de auto-controle proferida pelos Padres é esta: pare de comer enquanto ainda está faminto e não continue até se satisfazer. Quando o Apóstolo fala: "Não faça provisão para satisfazer os desejos da carne" (Rom, 13: 14) ele não está nos proibindo de garantir o que é necessário à vida; ele está nos advertindo contra a auto-indulgência. Ademais, abster-se de comida não contribui para a perfeita pureza a menos que outras virtudes sejam atualizadas também. Humildade, por exemplo, praticada através da obediência e através do esforço corporal é de grande ajuda. Se nós rejeitamos a avareza por termos pouco ou nenhum dinheiro, mas também pelo desejo de não ter dinheiro nenhum, isso nos conduz em direção à pureza de alma. Ser livre da raiva, da inveja, da auto-estima e do orgulho contribuem para a pureza da alma em geral, enquanto que auto-controle e jejum são especialmente importantes para gerar a específica pureza de alma que vem por meio do auto controle e da moderação. Ninguém que esteja com o estômago cheio pode lutar contra o demônio da luxúria. Assim, nossa luta inicial deve ser ganhar controle sobre nosso estômago e sujeitar nosso corpo  não apenas ao jejum mas também à vigília, aos trabalhos manuais e à leitura espiritual, e por meio disso tudo concentrar nosso coração no temor da Geena e na saudade do Reino dos Céus.


Ícone de São João Cassiano de Roma.