Cristo Pantocrator

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Que a repetição frequente encontrada nas Sagradas Escrituras não é mera verbosidade


Que a repetição frequente encontrada nas Sagradas Escrituras não é mera verbosidade
(continuação do post anterior)
De São Pedro de Damasco



As Divinas Escrituras frequentemente repetem as mesmas palavras, ainda que isto não seja reconhecido como verbosidade. Pelo contrário, por meio desta frequente repetição ela chama inesperadamente e compassivamente aqueles que são lentos em compreender coisas com consciência, entendendo o que está sendo dito; e isto garante que o que se diz em particular não escape por conta da sua fugacidade e brevidade. Isto pode acontecer especialmente quando somos muito envolvidos nos negócios desta vida, e sabendo quase nada salvo uma parte - ainda que, como diz São João Crisóstomo nós não conheçamos plenamente o que é dado em parte, mas apenas uma parte de uma parte (Sobre a incompreensibilidade de Deus 1,3). Esta parte mesma será "aniquilada" (I Coríntios 13:10), não no sentido em que vai desaparecer e ser reduzida a nada - pois assim não seria um tipo de conhecimento e não seria humano - mas no sentido em que será substituída pelo conhecimento que vem do encontro do 'face a face', no mesmo sentido em que a infância desaparece quando crescemos, para usar uma analogia dada por São Paulo (cf. I Coríntios 13: 11-12). Isto, mais uma vez, é o que São João Crisóstomo quis dizer quando ele afirma que agora sabemos que o céu existe, ainda que não saibamos o que ele é; mas que depois o menor será abolido pelo maior, isto é, por conhecermos o que é o céu, nosso conhecimento crescerá.

Pois há muitos mistérios escondidos nas Sagradas Escrituras, e não conhecemos o que Deus quis dizer no que está dito lá. "Não despreze nossa fraqueza", diz São Gregório, o teólogo, "e critique nossas palavras, quando admitirmos nossa ignorância". É estúpido e rude, declara São Dionísio Aeropagita, dar atenção não ao significado pretendido mas apenas às palavras.  Mas aquele que procura com santa tristeza encontrará. Essa tarefa é para ser empreendida no temor, pois por meio dele coisas ocultas se revelam.

Assim, em uma passagem, o profeta Isaías diz, 'O morto não verá a vida' (Isaías 26: 14, LXX); em outra ele diz, 'O morto ressuscitará' (Isaías 26: 19, LXX). Mas isto não é uma contradição, como pensaram aqueles que falharam em entender o significado manifestado pela interpretação espiritual da Divina Escritura. Pois ele estava se referindo aos ídolos dos Gentios quando ele disse, 'eles não verão a vida', porque eram desumanos; enquanto quando disse, 'o morto ressuscitará', ele estava se referindo à ressurreição geral e à benção do justo - ainda que ele também estivesse profetizando a ressurreição dos mortos de nosso Salvador Jesus Cristo. De modo similar, nos Santos Evangelhos, na afirmação da transfiguração do Senhor, um dos evangelistas disse, 'após seis dias' (Mateus 17:1; Marcos 9:2), enquanto outro fala de 'oito dias' (Lucas 9:28) -, querendo dizer, em cada caso, após os milagres que precederam os ensinamentos do Senhor. Bem, aqueles deixam de contar o primeiro e o último dias e contam apenas os dias entre eles, enquanto os outros incluem também estes e assim falam de oito dias.

Novamente, no Evangelho de São João, o Teólogo diz em um ponto, 'E há muitos outros sinais que Jesus realizou na presença de Seus discípulos que não são ditos neste livro' (João 20:30); enquanto em outro lugar diz, 'E há muitas outras coisas que Jesus fez' (João 21:25), sem dizer 'na presença de seus discípulos'. De acordo com estas passagens diz São Prócoro, que o Evangelista que os escreveu no primeiro caso se referia aos milagres e outras coisas que o Senhor fez, os quais ele não escreveu por já terem sido descritas pelos outros Evangelistas; e isto ele acrescenta porque foram feitas 'na presença de Seus discípulos'. No segundo caso ele está se referindo à criação do mundo, quando o logos de Deus estava em seu Estado Incorpóreo, e quando junto a Ele o Pai criou todas as coisas de sua não existência, dizendo 'Haja, e houve' (Gênesis 1: 3-14). 'Se todas estas coisas fossem gravadas individualmente', diz o Teólogo, 'Eu suponho que mesmo o mundo inteiro não poderia conter os livros que seriam escritos'. (João 21:25).
Falando em termos gerais, toda passagem da Escritura e toda palavra de Deus, ou de qualquer santo, se refere a um sentido oculto para o fim das coisas criadas, se elas pertencem ao reino das coisas sensíveis ou inteligíveis. O mesmo também é verdadeiro de qualquer afirmação humana. E ninguém sabe o significado da passagem em questão exceto por Revelação. Como o Senhor disse, "O vento sopra onde quer" (João 3:8). Comentando isso, São João Crisóstomo observa que o Senhor não quer dizer que o vento tenha vontade própria mas dando um desconto a Nicodemos por conta de sua fraqueza, Ele fala do vento de modo que Nicodemos possa entender oque lhe estava sendo dito. O Senhor estava, de fato, se referindo ao Espírito Santo quando Ele falou do vento. Ele estava tentando falar a Nicodemos e aos outros que o que Ele disse a eles era espírito ou espiritual e não o que eles julgavam que fosse. Ele não estava falando sobre coisas corpóreas, de modo que ele pudesse ser entendido simplesmente por pessoas terrenas. Por esta razão São João de Damasco escreve que se o falante não nos manifesta o significado do que ele diz, nós não podemos saber o que ele quer dizer. E como pode alguém ousar dizer, 'eu conheço o propósito de Deus que jaz oculto na Divina Escritura', a menos que tenha lhe sido revelado pelo Filho?

O próprio Cristo disse que Ele revela a verdade a quem Ele quiser (cf. Mateus 11: 27). Isto quer dizer que Ele revela apenas se nós previamente resolvemos receber este conhecimento dEle espiritualmente por mantermos seus Divinos Mandamentos; porque sem isto quem presuma possuir conhecimento está mentindo. Pois, como São João Clímaco diz, ele fala de conjectura, não aprendendo autoritariamente de Deus, mesmo que em sua vaidade ele se orgulhe desmesuradamente. É tal pessoa que São Gregório, o Teólogo, tem em mente quando ele usa a frase "Ó você grande amante da sabedoria" ou "Ó você  erudito maravilhoso", reprovando-o por sua presunção em pensar que ele sabe alguma coisa quando de fato é um ignorante. Em tais casos, o que ele pensa que tem lhe será tirado (cf. Mateus 13:12), para que ele diga involuntariamente, 'Eu não sei', como disseram todos os santos. Tivesse ele dito isto, o que lhe faltava ser-lhe-ia dado em abundância por causa de sua humildade, e dado abundantemente, como foi aos santos. Pois os santos, apesar de saber, diziam não conhecer. Como São João Crisóstomo observa, São Paulo não disse, 'Nunca soube nada', mas que ele nunca conhecia as coisas 'como deveriam ser conhecidas' (I Coríntios 8:2). Assim que ele sabia, mas não como convinha saber.