Cristo Pantocrator

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Leitura Espiritual

Continuação do post anterior. Também de São Pedro de Damasco
Páginas 155 a 158.


Leitura Espiritual




A proposta da leitura espiritual é manter o intelecto longe da distração e da inquietação, por isso é a primeira etapa para a salvação. Salomão diz que o inimigo 'odeia o som da firmeza', enquanto que a mente errante é o primeiro estágio para o pecado, como estabelece São Isaac. Se você quer ser completamente livre da distração, mantenha-se em sua cela. Você deve se tornar apático, trabalhar um pouco para o benefício dos outros e ajudar os doentes, pois isto é o que o homem de desapego e o homem de conhecimento espiritual fazem. Isto, inclusive, é o que o maior dos padres fizeram, permitindo-se para a salvação da humildade agir do mesmo modo que aqueles escravizados pelas paixões. Pois eles sempre foram capazes de manter Deus neles mesmos e devotar a si mesmos para a contemplação dEle, mesmo que trabalhando com suas próprias mãos ou no mercado. Como São Basílio, o Grande, diz , mesmo coroado os homens verdadeiramente perfeitos estão sempre sozinhos em si mesmos e em Deus.
Se você não alcançou ainda este estágio, mas quer livrar-se da inquietude, você deve interromper toda conversa com outras pessoas e todo sono além do necessário, pois eles permitem que a inquietude se funda a seu corpo e a sua mente, até o momento em que crescem os retiros exaustivos diante de sua paciente devoção ininterrupta, sua leitura e a pureza de sua oração. Pois todo inimigo assaltante, se percebe que pode cumprir alguma coisa continua a lutar; mas quando ele vê que ele não pode, ele se retira, por um bom ou curto período de tempo. Assim, se você quer derrotar seus assaltantes você deve permanecer com toda paciência: "Aquele que permanecer até o fim será salvo" (Mateus 10:22). De acordo com São Paulo, é correto afligir aqueles que nos vexam, e trazer alívio para nós mesmos quando somos afligidos. (Cf. II Tessalonicenses I: 6-7).
Nada feito em humildade por amor a Deus é ruim. Mas coisas e objetivos diferem. Tudo o que não é estritamente necessário é um obstáculo à salvação - tudo, quer dizer, que não contribui para a salvação da alma e para a vida do corpo. Pois não é a comida, mas glutonaria, que é má; nem dinheiro, mas apego a ele; nem fala, mas conversa fiada; não deleite do mundo, mas dissipação; não amor à própria família, mas negligência de Deus que tal amor por vezes produz; nem as roupas usadas apenas para cobrir e para proteger-nos do frio e do calor, mas aquelas que são excessivas e suntuosas; e não as casas que nos protegem do frio e do calor, tanto quanto de qualquer coisa humana ou animal que venha a nos prejudicar, mas casas que contenham dois ou três andares, grandes e caras; nem a possessão de livros da parte daqueles que abraçaram a pobreza total, mas a possessão de livros cujo propósito é outro do que a leitura espiritual; nem a amizade, mas ter amigos que não beneficiam nossa própria alma; nem a mulher, mas a falta de castidade; nem a riqueza, mas a avareza; nem o vinho, mas a bebedeira; nem a ira usada de acordo com a natureza para a punição do pecado, mas a usada contra o próximo.
Novamente, não é a autoridade que é má, mas o amor pela autoridade; não a glória, mas o amor à glória e - o que é pior - a vanglória; não a aquisição de virtude, mas supor que a adquiriu; não o conhecimento espiritual mas pensar que se é sábio e- pior do que isso - ser ignorante de sua própria ignorância; não o verdadeiro conhecimento mas o que é falsamente chamado conhecimento (cf. Timóteo 6:20); não o mundo, mas as paixões; não a natureza mas o que é contrário à natureza; não a concordância, mas o acordo com o que é ruim e não contribui para a salvação da alma; não os membros do corpo, mas seu mau uso. Pois um sinal nos foi dado de modo que não devemos desejar o que não devemos desejar, mas ao contemplar as criaturas de Deus possamos por meio delas glorificar ao Criador e assim nutrir nossa alma e nosso corpo. Nossas orelhas nos foram dadas, não para ouvirmos calúnias e estultícies, mas para ouvir a palavra de Deus e toda forma de discurso - dos homens, pássaros ou por qualquer outro meio que nos conduza a glorificar o Criador. Nosso nariz nos foi dado não para enfraquecer e debilitar nossa alma como perfumes deleitáveis, como coloca São Gregório o Teólogo, mas para que possamos respirar o ar que Deus nos concedeu, e glorificá-lo por causa dela; pois sem ela nem os homens nem as bestas podem viver corporalmente.
Eu me maravilho com a sabedoria de Deus, e com as coisas mais indispensáveis - ar, fogo, água, terra - são literalmente valorosas todas elas. E não apenas isso, mas as coisas que conduzem à salvação da alma são mais acessíveis do que as outras coisas, enquanto que as prejudiciais são mais difíceis de conseguir. Por exemplo, a pobreza, que qualquer um pode experimentar, é a que conduz a salvação de nossa alma; enquanto riquezas, que simplesmente não estão sob nosso domínio, são geralmente um obstáculo. O mesmo pode ser dito da desonra, humilhação, paciência, obediência, submissão, autocontrole, jejuns, vigílias, a repreensão da própria vontade, o enfraquecimento corporal, a ação de graças por todas as coisas, provações, injúrias, a falta das coisas necessárias à vida, a abstinência dos prazeres sensuais, destituição, paciência - em suma, todas as coisas que conduzem à vida espiritual estão livremente disponíveis. Ninguém luta por eles. Pelo contrário, todos deixam àqueles que concordam em aceitá-los, ou por vontade própria ou contra a própria vontade. As coisas que destroem a alma, pelo contrário, não estão ao nosso alcance - coisas como riqueza, glória, orgulho, intolerância, poder, autoridade, dissipação, glutonaria, excesso de sono, ter seu próprio caminho, saúde e vigor físico, uma vida fácil, um bom rendimento, hedonismo irrestrito, esbanjamento, roupas caras, e por ai vai. Pessoas lutam grandemente por estas coisas mas poucas as conseguem, e em qualquer caso o benefício que conseguem é passageiro. Em suma, eles produzem uma série de aborrecimentos e pouco proveito. Pois eles trazem tanto para quem os possui, quanto  para quem não os possui mas os deseja, toda uma série de aflições.
Não obstante, não é a coisa em si mesma, mas seu mau uso, que é ruim. Pois nos foi dado mãos e pés, não para que pudéssemos roubar e saquear e colocar as mãos violentas um sobre o outro, mas para que pudéssemos usá-los em um sentido agradável a Deus. O mais fraco entre nós deve usar o que ele tem em atos de compaixão para com o pobre, e assim ajudar nosso próprio desenvolvimento espiritual e assistir os necessitados; enquanto que aqueles que são mais fortes na alma e corpo devem dar todas as suas possessões imitando Cristo e seus discípulos. Neste sentido nós podemos glorificar a Deus e ao mesmo tempo aprender a olhar com maravilha a divina sabedoria escondida em nossos membros. Pela Providência de Deus nossas mãos e dedos estão aptos a toda habilidade e tarefa, à escrita e a várias outras coisas. De Deus também vem o conhecimento de artes e documentos sem fim, de cura e medicina, de linguagens e vários outros ramos de aprendizagem. Em suma, todas as coisas, se passadas, presentes ou futuras, foram e sempre serão dadas a nós por Deus em Sua grande bondade, de modo que nossos corpos possam viver e nossas almas possam ser salvas, desde que usemos todas estas coisas de acordo com seu propósito, glorificando-O por elas com toda a nossa gratidão. Se deixamos de fazer isso, caímos e perecemos, e todas as coisas nos causarão aflição na era presente, enquanto que na que virá elas trarão a punição sem fim, como foi ensinado.