Cristo Pantocrator

domingo, 6 de outubro de 2013

Como adquirir a verdadeira fé

Também de São Pedro Damasco
Edição inglesa da Filocalia (a mesma de todos os demais posts), páginas 164 a 167.

Como adquirir a verdadeira fé


Se nós desejamos adquirir fé - o fundamento de toda sorte de bençãos, a porta dos mistérios de Deus, derrota incansável de nossos inimigos, a mais necessária de todas as virtudes, as asas da oração e a morada de Deus em nossa alma - temos de suportar todas as provações impostas pelos nossos inimigos e pelos nossos intensos e variados pensamentos. Apenas o inventor do mal, o próprio demônio, pode perceber tais pensamentos, pô-los a nu e descrevê-los. Mas devemos tomar coragem; porque se forçosamente triunfamos sobre as provações e tentações que recaem sobre nós, e mantemos o controle sobre o nosso intelecto para que ele não ceda aos pensamentos que surgem em nosso coração, vamos de uma vez por todas superar todas as paixões; pois não seremos nós os vitoriosos, mas Cristo, que está presente em nós através da fé. Foi em reconhecimento a isto que Cristo disse: "Se vocês tiverem a fé do tamanho de um grão de mostarda..." (Lucas 17:6). No entanto, mesmo se nosso pensamento, em um momento de fraqueza, sucumbir, não devemos nos desesperar, nem atribuir à nossa própria alma o que nos é dito pelo demônio. Pelo contrário, devemos pacientemente e diligentemente, nos limites de nossas forças, praticar as virtudes e guardar os mandamentos, em solidão e devoção a Deus, libertando-nos de todos os pensamentos sujeitos à nossa volição.
Neste sentido o inimigo, que noite e dia promove todo tipo de fantasia e dolo, não nos encontrará preocupados com respeito às suas armadilhas e ilusões e todos os pensamentos com os quais ele nos espreita, apresentando-nos como verdadeiras coisas que são verdadeiramente enganosas e falsas; e assim ele se desanimará e irá embora. Através da experiência da fraqueza do demônio, o homem que pratica os mandamentos de Cristo não ficará mais alarmado com qualquer um de seus truques.  Pelo contrário, ele agirá de acordo com a vontade de Deus alegremente e sem obstáculos, fortalecido pela fé e assistido por Deus em quem ele acreditou. Como o próprio Senhor disse: "Tudo é possível aquele que crê" (Marcos 9:23). Pois não é ele que luta contra o inimigo e sim Deus, que o assiste de acordo com sua fé. Como disse o Profeta, "Escolheste por asilo o Altíssimo" (Salmo 91:9). Tal pessoa não sentirá mais ansiedade com respeito a qualquer coisa, pois ele sabe que "ainda que o cavalo se prepare para o dia da batalha é do Senhor que vem a vitória" (Provérbios 21:35). Por causa de sua fé ele encara tudo audaciosamente. Como diz Santo Isaac, "Adquira fé dentro de si e você triunfará sobre seus inimigos".
O homem de fé age, não como alguém dotado de livre arbítrio, mas como um ser que é conduzido pela vontade de Deus. Ele diz a Deus: "Assim me embruteci e fiquei como um animal diante de Ti; no entanto estou continuamente Contigo" (Salmo 73: 22-23). Se Vosso desejo é que eu esteja em repouso em Vosso conhecimento, eu não me oporei. Se tenho que experimentar a tentação para aprender a humildade, não há problema, pois estou Convosco. De mim mesmo não há absolutamente nada que eu possa fazer. Pois sem Vós eu não teria vindo à existência do nada; sem Vós eu não posso viver ou ser salvo. Fazei o que quiseres à Vossa criatura; pois eu acredito, sendo bom, Vós me deste bençãos, muitas vezes mesmo eu não as reconhecendo como sendo para o meu benefício. Nem tudo o que conhecemos ou entendemos é para nosso próprio proveito.
Eu não me atrevo a pedir ajuda em qualquer uma das minhas batalhas; mesmo que eu esteja fraco e esgotado: pois eu não sei o que é o melhor para mim. "Vós conheceis todas as coisas" (João 21:17), e agis conforme Vosso conhecimento. Só não me deixeis errar, o que quer que aconteça; independentemente da minha vontade salva-me, porém, mais uma vez, sempre de acordo com a Vossa Vontade. Eu não tenho nada, diante de Vós sou como coisa morta; eu depositei minha alma em Vossas Mãos puras, nesta era e na que virá. Vós sois capaz de fazer todas as coisas; Vós conheceis todas as coisas; Vós desejais todo tipo de bondade para todos os homens e cada vez mais para a minha salvação. São claras as muitas bênçãos que em Vossa Graça concedeste sobre nós, visíveis e invisíveis, conhecidas por nós e desconhecidas, e que sois Vós mesmo dom de Deus para nós, O Filho e Logos de Deus, além da nossa compreensão. Quem sou eu que ousa Vos falar tais coisas, Ó Prescrutador dos corações? Falo-Vos para tornar conhecido a mim e a meus inimigos que me refugio em Vós, porto da minha salvação. Pois eu sei pela Vossa Graça que "Vós sois o meu Deus" (salmo 31: 14).

Não ouso dizer muitas coisas, mas apenas desejo ajustar diante de Ti um intelecto que é inativo, surdo e mudo. Não sou eu mesmo mas Vossa Graça que cumpre todas as coisas. Pois, sabendo que sou sempre cheio de maldade, não atribuo nada à minha própria bondade; e, por causa disso eu caio como servo diante de Vós, pois Vós me encontraste digno de arrependimento, e "eu sou Vosso servo, filho de Vossa serva" (Salmo 116:16). Mas não permita-me, meu Senhor Jesus Cristo, meu Deus, fazer, dizer pu pensar qualquer coisa contrária à Vossa Vontade; os pecados que cometi já me bastam. Mas qualquer que seja Vosso desejo, tenha misericórdia de mim. Eu pequei, tenha misericórdia de mim como só Vos sabeis. Eu creio, Senhor, que Vós ouvis este meu choro lamentável, "Eu creio Senhor, ajuda a minha incredulidade!"(Marcos 9, 24), Vós que me concedeste não apenas ser, mas ser um Cristão. 'É uma grande coisa', São João de Karpathos disse, 'para mim ser chamado um monge e um cristão'. Como disseste Senhor, para um de Vossos Servos, "Não é coisa leve que você possa ser chamado pelo Meu nome" (cf. Isaías 49:6). Isto é mais para mim do que todos os reinos do céu e da terra. Deixe-me sempre ser chamado pelo Vosso mais doce nome. Ó mestre, cheio de compaixão, dou-Vos graças.

Assim como certas leituras e cetas palavras, lágrimas e orações são apropriados para nos engajarmos na prática ascética, assim há um tipo de fé que nos conduz à quietude. Há aquela do ouvir dizer e há a fé da contemplação como diz Santo Isaac (Philokalia, vol. I, pag. 308). A contemplação é mais segura do que o ouvir dizer. Pois a fé original ordinária da Ortodoxia nasce do conhecimento natural, e desta fé nasce a devoção a Deus, os jejuns, as vigílias, a leitura e a salmodia, a oração e a busca pelas pessoas com experiência. Tais práticas dão nascimento às virtudes da alma, ou seja, ao seguimento e observância constante dos mandamentos e da conduta moral. Por meio desta observância vem uma grande fé, esperança e amor perfeitos que arrebatam o intelecto na oração a Deus, quando se está unido a Deus espiritualmente, como coloca São Nilo. 

As palavras da oração foram escritas de uma vez por todas, de modo que aquele que pretende apresentar seu intelecto imóvel diante da Santíssima Trindade Doadora de Vida pode sempre rezar a única e mesma oração. O intelecto em si tem a sensação de que ele é visto, mesmo que naquele momento seja absolutamente impossível para ele ver qualquer coisa, pois ele está sem imagem, sem forma, sem cor, imperturbável, sem distração, sem movimento, imaterial, transcendendo inteiramente todas as coisas que podem ser apreendidas e percebidas no mundo criado. Ele comunga em Deus uma paz profunda e perfeitamente calma, tendo-O apenas em mente até que seja tomado de êxtase e se encontre digno de dizer a oração do Senhor como deve ser dita. Isto é o que nos é dito por São Filemon e Santa Irene, como também pelos santos apóstolos, os mártires e os outros homens santos. Outra coisa que não seja isso é ilusão nascida da vaidade. Pois o Divino é infinito e incircunscrito, e o intelecto que retorna a si mesmo deve estar em um estado similar para que por meio da Graça ele possa experimentar ser templo do Espírito Santo. "Por que caminhos pela fé, e não pela vista", diz São Paulo (2 Cor 5:7).

Por esta razão nós devemos persistir em nossa prática ascética, para que através desta persistência duradoura nosso intelecto aspire em anseio em direção ao Divino. Pois se o intelecto não encontra alguma coisa que seja superior às realidades sensíveis, não pode dirigir seu desejo para o que as transcende abandonando as coisas para as quais ele foi por tempo acostumado. Assim como a compaixão e a ausência de paixões não são muito prejudicados pela vida, uma vez que sejam bem gerenciados, assim também não serão aqueles que receberem grandes dons da Graça, desde que atribuam suas conquistas a Deus.