Cristo Pantocrator

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Discernimento

Continuação do post anterior... (páginas 152 a 155)

Portanto, precisamos de discernimento em todas as coisas para podermos avaliar corretamente qualquer forma de ação. Pois o homem que o possui, o discernimento é uma luz iluminando o momento certo, a ação proposta, a forma que assume, o vigor, o conhecimento, a maturidade, a capacidade, a fraqueza, a resolução, a aptidão, o grau de contrição, o estado interno, a ignorância, o temperamento e saúde físicos, a saúde e a miséria, o comportamento, a posição, a ocupação, a educação, a fé, a disposição, o propósito, o sentido da vida, o grau de destemor, a habilidade, a inteligência natural, a diligência, a vigilância, a lentidão, e assim por diante. Então, o discernimento revela a natureza das coisas, seu uso, quantidade e variedade, como também o propósito divino e o significado em cada palavra ou passagem da Sagrada Escritura. Um exemplo de como discernir tal passagem se encontra no Evangelho de São João. Quando os gregos chegaram com o desejo de ver o Senhor, Ele disse, "É chegada a hora" (João 12:23). Claramente Ele quis dizer que o momento para o chamado dos gentios havia chegado, pois o tempo de Sua Paixão tinha começado, e Ele interpretou essa solicitação dos gregos como um sinal. O Discernimento clarifica todas estas coisas e também o significado de interpretação dado pelos pais. Como diz São Nilo: não é o que acontece que é objeto de nossa inquirição, mas por que acontece.

Se agirmos ignorando todas estas coisas nós gastaremos muito esforço e em troca não cumpriremos nada. Isto é ensinado por Santo Antônio, o Grego, e Santo Isaque que afirmam que aquele que luta para obter as virtudes corporais mas negligencia o trabalho próprio do intelecto, não compreende que tal trabalho é nosso principal interesse. Nas palavras de São Máximo, "Engaja o corpo na prática ascética de acordo com sua capacidade, mas aplica todo o teu esforço ao intelecto" (Sobre o amor IV, Filocalia, vol. 2). Como ele aponta, a pessoa que disciplina seu corpo é algumas vezes vencida pela sonolência e a glutonaria, pela distração e pela conversa fiada, e por meio disso ele obscurece seu intelecto; em outras vezes ele obscurece sua mente por meio de jejuns exaustivos, vigílias e trabalho excessivo. Mas aquele que cultiva o intelecto contempla, ora e se engaja na teologia, e é capaz de alcançar toda virtude.

Uma pessoa sensível luta inteligentemente para minimizar, na medida em que possa, as necessidades de seu próprio corpo, de modo que ele possa devotar-se à guarda dos mandamentos com pouca ou nenhuma preocupação. De fato, o próprio Senhor disse: "Não vos preocupeis com vossa vida, com o que havereis de comer, ou com o que havereis de beber, ou com o que havereis de vestir" (Mateus 6: 25). Quando uma pessoa está cheia dessa ansiedade, ela não pode ver-se a si mesma: como poderá perceber as ciladas preparadas pelo inimigo? Pois, como salienta São João Crisóstomo, o inimigo não luta sempre em campo aberto. Se o fizesse, muitos de nós não teríamos caído tão literalmente em seus ardis, deixando apenas alguns poucos sendo salvos, como diz o Senhor (Lucas 13: 23-24). Ao contrário, quando ele quer colocar alguém em estado de pecado, o inimigo prepara o terreno para fazê-lo negligente no trivial, em coisas não notadas. Por exemplo, antes do adultério, há os olhares licenciosos; antes do assassinato, momentos de ira; antes do obscurecimento da mente, pequenas distrações; e antes de todas estas, o interesse no que parece ser as necessidades do corpo. Por causa disso o Senhor que, como Sabedoria do Pai (cf. I Cor. I:24), sabe de antemão todas as coisas e assim antecipa as ciladas do demônio, ordena-nos a frustrar os impulsos para o pecado por cortá-los antes que possam se desenvolver, a fim de que pelo pensamento pequenas coisas podendo ser toleradas não nos façam cair em grandes e terríveis pecados. Isto Ele enfatiza no Sermão da Montanha, quando Ele diz, "Foi dito a vós", isto é, por aqueles que estavam sob o jugo da Lei, e então ele continua, "Eu, porém, Vos digo"... (Cf. Mateus 5: 21-48).

O verdadeiro estudante dos Santos Evangelhos deve, conseqüentemente, prestar atenção ao que o Salvador ensina e fazer de tudo para escapar das ciladas do inimigo. Ele deve reconhecer os mandamentos como um privilégio e grande benção, já que por sua profunda sabedoria pode-se salvar sua alma. Os mandamentos são um dom de Deus e como São Tiago, o irmão do Senhor, corretamente diz: "Toda dádiva e todo dom perfeito vem de cima" (Tiago 1:17). E São João de Damascos diz, "Tu nomeaste quem te deu à luz como embaixadora infalível para nós, O Cristo, através de sua intercessão concede-nos Tua Misericórdia, O Cristo, através de sua intercessão concede-nos Tua Misericórdia, O Espírito doador de todo o Bem, que vem do Pai". (Paraclito, Tono 3).

O homem que recebeu a graça de ser atento às Sagradas Escrituras encontrará, como dizem os santos padres, todas as bençãos escondidas em todos os lugares dentro dele. "Aquele que é instruído no reino dos céus", diz o Senhor, "é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas". (Mateus 13,52); e isto significa alguém que aprendeu a ler a Escritura com atenção devota. Pois a Escritura apresenta um aspecto para a maioria das pessoas, mesmo se pensam que entenderam o significado, a pessoa que se dedicou à oração contínua, ou seja, que tem Deus em mente em cada respiração, encontrará outro significado. Como São Basílio o Grande diz, isso é verdadeiro mesmo para aquelas pessoas ignorantes dos conhecimentos do mundo e humanos. Deus se revela a Si mesmo, como estabelece São João Clímaco, na simplicidade e humildade, e não àqueles que se engajam no estudo laborioso e na aprendizagem supérflua. De fato, Deus se afasta de tal aprendizagem se ela não é aliada da humildade; como diz São Paulo, é melhor ser ignorante da fala do que no conhecimento espiritual (cf. 2 Cor. 11:6). Conhecimento espiritual é um dom da Graça, mas a habilidade na fala é uma questão de conhecimento humano, como são as outras formas da educação mundana: elas não contribuem para a salvação da alma. O exemplo dos gregos pagãos torna isso claro.

A leitura serve como uma rememoração para aqueles que sabem pela experiência sobre o que está sendo dito, enquanto que para os que carecem de experiência ela garante instrução. Como São Basílio observa, quando Deus encontra um coração livre de todas as questões e aprendizados mundanos, Ele então escreve seus próprios pensamentos como se fosse um papel em branco. Eu digo isto para que ninguém leia o que não o ajuda a se conformar com a vontade de Deus. Mas se na ignorância disso ele lê alguma coisa sem proveito, então rapidamente ele apagará isto de sua mente através da leitura espiritual das Sagradas Escrituras, e especialmente naquelas que contribuem para a salvação de sua alma e em particular aquelas que ele alcançou em seu desenvolvimento. Ainda, se ele está engajado na prática ascética, deixe-o ler a vida e os ditos dos padres; se a Graça o ressuscitou para a esfera do Divino Conhecimento, ele lerá isto em toda as Sagradas Escrituras, já que, nos dizeres de Paulo, isto é capaz de destruir "toda a autoestima que se auto exalta contra o conhecimento de Deus" (2 Cor. 10:5), e para corrigir toda desobediência e transgressão através da virtude ativa e do verdadeiro conhecimento dos mandamentos divinos e ensinamentos do Cristo. Não leia nada além disso; pois, para que dar entrada a um espírito imundo, ao invés do Espírito Santo? Pois nosso principal objetivo é compreender o espírito de qualquer texto que leiamos, mesmo que não pareça isso tão difícil para nós quanto o é para aqueles que possuem experiência.