Cristo Pantocrator

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O quarto estágio da Contemplação

Continuação do post anterior. Páginas 122 a 133

O quarto estágio da contemplação




O quarto estágio da contemplação consiste no entendimento da Encarnação do Senhor e de Seu modo de vida neste mundo, a ponto tal que nos esqueçamos mesmo de comer, como escreve São Basílio, o Grande! Isto, de acordo com São João Clímaco, foi o que aconteceu ao rei Davi (cf. Salmo 102:4), quando sua mente foi tomada de êxtase com as maravilhas de Deus (Escada, etapa 7). Como diz São Basílio, ele estava perdido sem saber o que fazer em troca: "O que poderei retribuir ao Senhor por tudo aquilo que Ele me fez?" (Salmo 116:12). Para nossa salvação, Deus viveu entre os homens, por causa de nossa natureza corrompida o Logos tornou-se carne e habitou entre nós. A fonte da Benção visitou os desgraçados, o Libertador esteve entre os cativos, o Sol da Justiça sentou-se com aqueles que jaziam nas trevas. O Homem do Desapego aceitou a Cruz, iluminou o Hades, deu vida aos mortos, ressurreição aos caídos. Diante dele choraremos: "Nosso Deus, glória a Vós!" (Paraklitiks, tono 7). São João de Damascos diz: "O céu estava surpreso, e os confins da terra estava atônito, que Deus aceitasse aparecer em forma corporal para os homens e que teu útero, Oh Mãe de Deus, fosse capaz de conter os céus; por conta disso as ordens angélicas e humanas te magnificam". (Paraklitiks, tono 8) E novamente: "Todos os que ouviram estremeceram diante da inefável condescendência de Deus: como o Supremo, de sua própria vontade, desceu ao corpo e fez-se homem nascido do útero de uma virgem. Por causa disso nós magnificamos a puríssima e fiel Mãe de Nosso Deus." (Paraklitiks, tono 8).

"Venham todos e creiam. Vamos subir a montanha sagrada e celestial; libertemo-nos da materialidade, vamos ficar na cidade do Deus vivo e ver com nosso intelecto imaterial o Pai e o Espírito em chamas diante do Filho Unigênito. Tu me arrebataste e deixaste a mim com saudades de Ti, Oh Cristo, e transformaste a mim com a intensidade do Teu divino amor; com fogo imaterial consumiste meus pecados e encheste a mim com Tuas delícias, de modo que em meu gozo, Oh Senhor, eu possa louvar  Tua primeira e segunda vinda". (Festa da transfiguração, Segundo Canon, Cântico 9, Tropário), Tu és toda a ternura, Oh Salvador, todo o meu desejo, verdadeiramente a meta de minha saudade insaciável; Tu és toda a beleza irresistível". (Tono 6, Canon, Cântico 8).

Se alguém pelas virtudes do corpo e da alma recebeu conhecimento destas coisas, e dos mistérios ocultos nos ditos dos santos padres, das divinas Escrituras e especialmente do Santo Evangelho, ele nunca perderá esta saudade ou cessará de derramar lágrimas vindas espontaneamente. Também nós que não fazemos mais do que ouvir as Escrituras, devemos devotarmo-nos a elas e meditar nelas tão constantemente que por nossa persistência um desejo de Deus será plantado em nossos corações, como diz São Máximo. Foi isso  que os santos padres fizeram antes de adquirirem o conhecimento espiritual direto. Toda a saudade dos mártires foi dirigida somente a Deus. Eles eram unidos a Ele através do amor e entoavam a Ele louvores, como diz São João de Damascos das três santas crianças: 'Estas abençoadas crianças, arriscando suas vidas na Babilônia em nome de suas leis ancestrais, desdenharam as tolas  ordens de seus reis; lançados nas chamas e ainda não consumidos, entoaram hinos dignos do UNO que as manteve salvas". (Tono 6, Canon, Cântico 8). Isto é muito natural; pois quando uma pessoa realmente percebe as maravilhas de Deus, ela fica totalmente além de si mesma e lhe parece óbvio a transitoriedade dessa vida, porque ele compreendeu as Escrituras, assim como foram postas por São Isaac.

Tal homem não é como nós: pois ainda que possamos ser influenciados por um curto tempo pelas Escrituras, nós mergulhamos novamente na escuridão por causa da preguiça, do esquecimento e da ignorância, e nos tornamos obstinados por causa de nossas paixões. Mas aquele que foi purificado por causa de suas paixões através de um dom interior percebe os mistérios ocultos em todas as Escrituras e é surpreendido por elas, especialmente pelas palavras e ações recordadas em todos os Santos Evangelhos. Ele é surpreendido em ver como a sabedoria de Deus torna o que é difícil fácil, de modo que gradualmente ela deifica o homem. Ele é preenchido com bondade, de modo que ele ama seus inimigos; ele é misericordioso como o Pai é misericordioso (cf. Lucas 6:36); ele é desapegado como Deus é desapegado; ele é dotado de todo tipo de virtude e é Perfeito como o Pai é perfeito (cf. Mateus 5:48). Em suma, a Bíblia Sagrada ensina-nos que o que convém a Deus convém também ao homem, de modo que ele se torna deus por divina adoção.

Quem não se maravilha com os ensinamentos do Divino Evangelho? Pois, simplesmente com a condição de que escolhamos corretamente, Deus nos dará repouso tanto neste mundo como no próximo, e nos concederá grande honra. É como disse o Senhor: "Aquele que se humilha será exaltado" (Lucas 18:14). São Pedro confirmou isso quando ele deixou as redes e recebeu as chaves dos céus (cf. Mateus 16:9); e cada um dos discípulos, deixando para trás o que eles tinham, recebeu aos seus cuidados o mundo inteiro nesta era e na era que vem. "O que os olhos não viram, o ouvido não ouviu, e o coração do homem não compreendeu, tais coisas Deus preparou para aqueles que O amam" (1 Cor. 2:9). Isto é verdadeiro não apenas aos apóstolos, mas também a todos aqueles que foram escolhidos no tempo presente para buscar conhecimento espiritual. Como disse um dos padres: "Mesmo que eles lutassem no deserto eles tinham repouso". Ele disse isso com referência à vida que é tranquila e livre de problema.

Quem tem grande repouso e honra, a pessoa que se devota  a Deus e age de acordo, ou a pessoa que é envolvida em movimentos contínuos, tribunais e cuidados mundanos? A pessoa que sempre conversa com Deus através da meditação nas Sagradas Escrituras e nas preces e lágrimas sem distração, ou a pessoa que está sempre em movimento, que se devota  à fraude e à ações sem lei que, quando vêm que elas não dão em nada, deixa-o apenas com exaustão e sentindo uma dupla morte? Considere como muitos de nós suportamos a morte dolorosa e desonrosa por nada. Inclusive, alguns por fins puramente destrutivos infligiram o maior prejuízo em suas próprias almas. Tenho em mente assaltantes, piratas, fornicadores, instigadores de brigas - todos eles pessoas que recusam a salvação e o repouso, honra e recompensa que lhes advém. Quão cegos são! Nós permanecemos mortos por causa da destruição, mas não ama a vida em prol da salvação. E se nós preferimos a morte ao Reino dos Céus, no que nós diferimos do ladrão que rouba a sepultura? Estes simplesmente por causa da comida, muitas vezes suportou a morte que está para vir, assim como a morte na vida presente.

Nós devemos fazer de Cristo nossa meta primária; pois àqueles que O escolheram, Ele confere o Reino dos Céus. Isso significa que nesta vida presente nós devemos crescer em espiritualidade acima de todas as coisas, sujeitando todas as coisas a Ele. Nós devemos governar não só as coisas externas mas também o corpo, através de nosso desapego a ele, e sobre a morte, através da coragem de nossa fé; então na vida que virá nós reinaremos em nossos corpos eternamente com Cristo através da Graça da ressurreição. A  morte vem tanto ao justo quanto ao pecador, mas há uma grande diferença. Como mortais ambos morrem, e não há nada de extraordinário nisso. Mas um morre sem recompensa e possivelmente condenado; o outro é abençoado neste mundo e no próximo.

Qual é a finalidade de acumular riquezas? Mesmo a contragosto, aquele que tem muitas posses terá de entregá-las, não apenas no momento de sua morte, mas mesmo antes dela, com muita vergonha, tribulação e dor. A riqueza gera inúmeros contratempos - temor, angústia, preocupação constante e problemas buscados e não buscados - e muitos têm sofrido até mesmo morte por sua causa.  Mas o santo mandamento de Deus salva todo homem de tudo isto e concede-lhe plena liberdade da angústia e medo; frequentemente, de fato, ela possibilita delícias aqueles que deliberadamente escolheram se atar às posses. Mas o que traz mais delícia do que alcançar o desapego e não estar mais ao balanço do medo ou desejar coisas mundanas? Olhando como nada as coisas que a maioria das pessoas valorizam a colocando-se acima delas, nós estamos vivendo já no paraíso, ou melhor no Reino dos Céus, libertos de todos os constrangimentos e capazes de uma devoção sem obstáculos a Deus.

Porque uma pessoa em tal estado aceita jocosamente tudo o que lhe advém, todas as coisas lhe trazem repouso; porque ele ama a qualquer um, todos o amam; porque ele é desapegado de todas as coisas, ele paira acima de tudo. Ademais, ele não deseja as coisas que as outras pessoas lutam com afinco, e que lhes traz aflição quando não conquistadas, ainda que fossem condenados ao adquiri-las. Este desapego liberta a pessoa dos sofrimentos oriundos das aquisições já nesta vida presente e na vida futura. Porque ele não quer o que não possui ele está acima e além de todo conforto e riqueza; enquanto desejar o que lhe falta é o pior tormento que um homem pode sofrer antes do sofrimento eterno. Uma pessoa nessas condições é escrava, mesmo que aparentemente seja um homem rico ou até um rei. Os mandamentos do amor não são onerosos (cf. I João 5:3). Ainda, abjetos que somos, nós não os suportaríamos com tanta impaciência se não fôssemos recompensados por isso.

Aquele que pode parcialmente entender a graça do Santo Evangelho e as coisas que nele estão contidas - dito de outro modo, as ações e ensinamentos do Senhor, Seus mandamentos e Suas doutrinas, Suas exortações e Suas promessas -conhece o tesouro inexaurível que encontrou, ainda que não seja capaz de falar de tais coisas como deveria, já que o celestial é inexprimível. Pois Cristo está oculto no Evangelho, e aquele que deseja encontrá-Lo deve primeiro vender tudo o que tem e comprar o Evangelho (cf. Mateus 13:44). Não é meramente suficiente encontrar Cristo pela leitura, mas deve também recebê-Lo em si mesmo imitando Seu modo de vida no mundo. E se ele procura Cristo, diz São Máximo, ele deve procurar não fora de si mas dentro de si mesmo. Como Cristo, ele deve tornar-se sem pecado de corpo e alma, na medida que isso é possível a um ser humano; e deve guardar o testemunho de sua consciência como todas as suas forças. Neste sentido, embora ele seja pobre aos olhos do mundo, ele regerá como um Rei sobre a sua vontade e em todos os tempos,colocando-se acima dela e rejeitando-a. Pois de que vale parecer-se um Rei quando se é escravo do temor e desejo neste mundo, enquanto na próxima vida se receberá a punição por não se ter mantido os mandamentos?

Quão desmiolados nós somos quando, pelo amor às coisas insignificantes e transitórias, nós não aspiramos receber bençãos grandiosas e eternas. Nós rejeitamos o que é bom e perseguimos o oposto. O que pode ser mais simples do que receber um copo de água e um pedaço de pão, ou do que abster-se de seus próprios desejos e pensamentos pequenos? Ainda através de tais coisas o Reino de Deus é oferecido a nós, pela graça DEle que disse: "Observai, que o Reino de Deus está entre vós" (Lucas 17:21). Pois, como diz São João Damasco, o reino de Deus não está distante, não está fora, mas dentro de nós. Isso ocorre simplesmente quando escolhemos superar as paixões e viver de acordo com a vontade de Deus. Mas se não escolhemos fazer isso, acabamos com nada. Pois o Reino de Deus, diz os Pais, é viver em conformidade com Deus; e este é o sentido da primeira e segunda vindas de Cristo.

Nós falamos da segunda vinda quando lidamos com nossa tristeza interior. Assim como a primeira vinda, aquele que através da graça e com plena consciência de alma agarro o sentido da encarnação deve exclamar em sua surpresa: Grandes sois Vós, oh Senhor, e maravilhosas são Vossas Obras; e nenhuma palavra é suficiente para cantar Vossas Maravilhas! Vede, amado Senhor, eu, Vosso Servo, que está diante de Vós, sem fala, sem movimento, esperando a luz do conhecimento espiritual que vem de Vós. Pois Vós disseste, Senhor, "Sem Mim, nada podereis fazer" (João 15:5). Logo, ensinai-me sobre Vós. Por tal razão ousei, como a irmã de Vosso Servo Lázaro (Cf. Lucas 10:39), sentar-me aos mais puros pés, assim que também possa ouvir através de meu intelecto, se não sobre Vossa incompreensível divindade, então ao menos pelo modo como Encarnaste no mundo. Deste modo, ganharei ligeira consciência do sentido em que em Vossa Graça disseste no Santo Evangelho; e como habitaste entre Nós "manso e humilde de coração" (Mateus 11:29), e como Vós mesmos disseste que podemos aprender o mesmo de Vós. Vós viveste na pobreza, ainda que de vossa arte foste rico em misericórdia; por Vossa própria escolha passaste fome e privações, ainda que oferecesses à Samaritana a água viva (cf. João 4:10), e tenhas dito: "Se alguém tiver sede, venha a Mim que lhe darei de beber" (João 7:37). Pois Vossa arte é fonte de cura e quem pode cantar Vosso Modo de vida neste mundo?

Eu sou terra, pó, cinza, um transgressor, um suicida, que pecou muitas vezes contra Vós e continua a fazê-lo; ainda assim apressastes em me conceder algo de Vossas ações e palavras; e ouso perguntar-Vos sobre elas, esperando ver-Vos pela fé, ainda que Vossa arte não seja toda visível no todo da criação. Perdoai-me minha ousadia. Pois Vós sabeis, oh Senhor, prescrutador dos corações, que eu não pergunto por curiosidade, mas procuro aprender. Eu creio que se eu me encontro digno de Vosso conhecimento espiritual, então em Vossa Compaixão Vós me concederás, como Vós fazeis a todos os que anseiam por Vós, a força para imitar a Vossa Vida na carne; pois é em virtude de Vossa encarnação que eu pela graça sou dito cristão. Embora não sejamos como Vossos discípulos, sendo capaz de suportar a morte por amor aos seus inimigos, ou de adquirir a Virtude que Vós e eles tomaram, mas cada um de nós faz o que pode de acordo com a força de sua determinação. Pois ainda que morrêssemos por amor a Vós, ainda assim nós não poderíamos Vos reparar o que Vos devemos. Pois Vós, Oh Senhor, sendo perfeito Deus e perfeito homem, viveste neste mundo sem pecado e suportaste todas as coisas em nosso nome, enquanto nós, ainda que soframos alguma coisa, as sofremos por nossa própria culpa e por nossos próprios pecados. Quem não fica maravilhado quando pensa em Vossa inexprimível auto humilhação? Pois sendo Deus, inexcrutável, todo poderoso e regente de todas as coisas, entronado acima dos querubins - que são figuras de sabedoria em sua multiplicidade - enquanto nós homens temos provocado desde o começo Vossa Ira, Vós vos humilhastes, aceitando nascer e vir até nós. Vós suportastes perseguição, apedrejamento, zombaria, insultos, golpes, ridicularização e cusparadas, em seguida a cruz e os pregos, a esponja e a cana, vinagre e fel, e todo o resto que sou tão indigno de ouvir. Então uma lança perfurou Vosso lado mais puro, e desta ferida Vós derramaste por nós Vida Eterna. Vosso precioso sangue e água.

Eu louvo Vosso nascimento e aquela que deu vosso nascimento: ela que permaneceu virgem após Vosso nascimento. Eu vos louvo na gruta, enfaixado na manjedoura. Eu Vos glorifico, que fugistes para o Egito com Vossa virginal e mais pura Mãe, que viveste em Nazaré em obediência aos Vossos pais mortais, Vosso pai adotivo e Vossa mãe verdadeira. Eu Vos louvo, batizado no Jordão por João, o Precursor - Vós, Senhor, e Vosso Pai que deste testemunho de Vós, e Vosso Espírito Santo que Vos manifestaste. Eu louvo Vosso Batismo e Vosso João Batista, Vosso profeta e Vosso servo. Eu vos glorifico pois jejuaste por nós, que voluntariamente aceitaste a tentação e triunfaste sobre o inimigo no corpo o qual expulsaste de nós, dando-nos vitória sobre ele em Vossa inexprimível sabedoria. Eu Vos glorifico pois viveste entre Vossos Discípulos, limpastes lepras, fizestes aleijados se porem de pé eretos, destes luz aos cegos, discurso e escuta aos mudos e surdos; como Vós abençoastes os pães e caminhastes sobre as águas como se fosse terra seca, conversastes com as multidões acerca das práticas das virtudes e sobre a contemplação, proclamastes o Pai e o Espírito Santo, pressagiastes as ameaças e promessas que viriam, e falastes de tudo o nos que traz salvação. Eu Vos rogo, a Vós que vencestes os inimigos; que expulsas as paixões pela raiz com Vossos sábios ensinamentos; que torna tolos os sábios e que derrubas idiotas astutos com vossa sabedoria sem limites; que ressuscitastes os mortos com Vosso poder inexprimível e derrubastes demônios com Vossa autoridade de Deus. E não apenas fizestes tais coisas por tua própria pessoa, mas destes aos Vossos servos o poder de fazer coisas ainda maiores (cf. João 14:12), de modo que pudéssemos ficar ainda mais surpresos, como Vós mesmo dissestes. Grande é o Vosso Nome, pois por Ele, Vossos santos realizaram todos os seus milagres.

Senhor Jesus Cristo, Filho e Logos de Deus, o mais terno nome de nossa salvação, grande é Vossa Glória, grandes são Vossas Obras, maravilhosas são Vossas Palavras são "mais doces do que o mel, o mel que sai dos favos" (Salmo 19:10). Glória a Vós, Oh Senhor, Glória a Vós. Quem pode glorificar e louvar Vossa Vinda na Carne, Vossa bondade, poder e sabedoria, Vossa vida neste mundo e Vossos ensinamentos? E como é que Vossos santos mandamentos nos ensinam a  vida de virtude tão naturalmente e tão facilmente? Como Vós disseste, "Perdoai, e sereis perdoados" (cff. Mateus 6:14), e novamente: "Procurai e acharei, batei à porta e ela vos será aberta" (Matt. 7:7), e ainda, "O que quer que queiras que vos façam, fazei aos demais" (Matt 7:12). Quem, tendo entendido Vossos mandamentos e outros ensinamentos, não ficará atônito quando perceber Vossa sabedoria sem limites? Pois Vós sois a sabedoria de Deus, a vida de todos, o gozo dos , a luz inefável, a ressurreição dos mortos, o bom pastor que "dá a vida por suas ovelhas" (João 10:11). Eu louvo Vossa Transfiguração, Crucifixão, Sepultamento, Ressurreição, Ascensão, Vosso trono ao lado direito de Deus Pai, a descida do Espírito Santo e Vosso futuro advento, quando virá com Vosso poder e grandeza e incompreensível glória.

Eu fraquejo, meu Senhor, diante de Vossas maravilhas e tenho de refugiar-me no silêncio para não perdê-las. Comumente não sei o que fazer. Pois quando mantenho silêncio, o espanto me domina; mas se ouso dizer algo, eu pairo mudo e sou arrebatado. Eu me vejo tão indigno do céu e da terra, merecendo punição, não simplesmente por conta de meus pecados cometidos, mas muito mais por causa das bençãos recebidas sem demonstrar qualquer gratidão, desprezível como sou! Pois Vós, Senhor, que transcendes toda a bondade, preencheste minha alma com toda sorte de benção. Eu percebo apenas vagamente Vossas Obras e minha mente fica maravilhada. Meramente a olhar para Vós, reduzo-me a nada. E nem mesmo este conhecimento ou esforço é meu, pois é por Vossa Graça que conheço ou me esforço. Logo, vou colocar minha mão na boca, como fez Jó certa vez (cf. Jó 40:4), e tomarei refúgio com os santos, pois sou aturdido.


Bem aventurada Rainha do universo, sabes que não temos nenhuma intimidade com o Deus que de ti nasceste. Mas, pondo nossa confiança em ti, através de tua mediação, nós, teus servos nos prostramos diante do Senhor: pois tu podes livremente aproximar-se DEle já que Ele é teu filho e nosso Deus. Assim também eu, crente indigno que sou, suplico a ti, Mãe Santa, para que me possa ser permitido perceber os dons da graça concedidos a ti e aos outros santos, e entender por fim como  podes exibir tantas virtudes. Simplesmente ao dar nascimento ao filho de Deus, tu te sobressais diante de todas as outras Criaturas. Pois Aquele que, como criador de tudo, conhece todas as coisas antes que venham à existência, achou teu ventre digno de ser Sua morada. Ninguém pode te questionar sobre seu mistério, pois elas transcendem a natureza, o pensamento e o intelecto. Justamente nós, que fomos salvos por ti, Virgem pura, te confessamos como Mãe de Deus, exaltando-lhe os coros angélicos. Pois Deus, a quem os homens não podem ver, a quem a fileira dos anjos não ousam olhar, foi por ti tornado Visível aos homens como o Logos feito carne. Glorificando O com as hostes celestes nós proclamamos a ti como bem aventurada! E como devemos chamar-te, tu que és cheia de Graça? Oh Céus, por ti o Sol da Justiça brilhou adiante? Oh Paraíso, estendeste a flor da imortalidade? Virgem, como permaneceste inviolada? Mãe pura, pois tu realizaste em teu abraço sagrado o Deus de tudo? Mãe de Deus, tu és o verdadeiro vinho, pois tiveste o fruto da vida. Nós te rogamos, intercede com tua glória com os apóstolos e todos os santos, para que Deus tenha misericórdia de nossas almas. Pois com verdadeira fé nós confessamos que tu és a Mãe de Deus e nós te bendizemos, sempre bendita. Todas as gerações te proclamam bendita como a única Mãe de Deus, mais honrada do que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os serafins.

Incapaz de compreender os mistérios da mãe de Deus, eu me maravilho com a vida dos outros santos, e pergunto: Como é que se mora, Oh Batista e Mensageiro do Senhor, no deserto? Do que deveríamos chamar-lhe, oh profeta: anjo, apóstolo, mártir? Anjo, já que viveu como se não tivesse corpo; apóstolo, porque lançou as nações em suas redes; mártir, porque perdeu a cabeça por amor a Cristo. Rogue a Ele pela salvação de nossas almas. (festa da decapitação de São João Batista, Véspera). "A memória do justo é abençoada", como diz Salomão (cf. Provérbios 10:7); mas o testemunho do Senhor vos satisfaz, oh Precursor: verdadeiramente eras proclamado maior em honra do que os profetas, pois foi encontrado digno de batizar Aquele de quem profetizou.

Santos Apóstolos e discípulos do Salvador, testemunhas oculares do Seu mistério, vocês proclamaram Aquele de quem ninguém pode contemplar e que não tem origem dizendo "No princípio era o Logos" (João 1, 1). Vocês não foram criados antes dos anjos, nem aprenderam isso dos homens, mas da sabedoria que está acima de tudo. Nós lhes rogamos, então, já que têm comunhão com Deus, intercedam por nossas almas. Eu me maravilho do Amor que tiveram por Deus. E o antigo Tropário diz: "Senhor, os apóstolos verdadeiramente ansiaram por Vós na terra, eles consideraram que todas as coisas eram esterco, a fim de que pudessem ganhar apenas a Vós" (Cf. Filipenses 3:8). Por Vós eles deram seus corpos para a tortura e foram glorificados e por conta disso eles intercedem por nossas almas". Como é que sendo homens, como nós somos, e vestindo essa carne de barro, vocês mereceram tais virtudes, de modo que suportaram a morte para a felicidade e bem daqueles que lhes mataram? Como, sendo tão poucos, conquistaram o mundo inteiro? Como, sendo simples e iletrados, superaram reis e legisladores? Como, sendo nus, desarmados e pobres, encarcerados numa carne fraca, derrotaram demônios invisíveis?  E que força era maior do que a fé, ela que os capacitou a receber o Espírito Santo - vocês e os santos mártires que lutaram o bom combate e receberam suas coroas? Apóstolos, mártires, profetas, hierarcas, santos homens, nós vos rogamos que intercedam com Cristo de modo que pela Sua bondade Ele nos salve as almas.

Quem não se admira quando vê, Oh santos mártires, o bom combate que lutaram? Sendo corpóreos venceram o inimigo incorpóreo, bastando-lhes confessar Cristo e se armarem com a Cruz. Apenas com isso revelaram ser capazes de expelir demônios e inimigos de bárbaros poderes. Intercedam sem cessar pela salvação de nossas almas. Como as três crianças na fornalha ardente, vocês suportaram suas provações na esperança de uma recompensa, mas por amor a Deus, como elas declararam: "Mesmo que Deus não nos livrasse, ainda assim não haveria nenhuma razão para nós O negarmos como alguém que não salva" (cf. Daniel 3: 17-18). Eu me maravilho desta extrema humildade, santas crianças, pois mesmo envolvidas em chamas, vocês declararam não saber como não dar graças a Deus. "Não há neste momento nenhum príncipe, profeta, líder ou holocausto", diziam, "... mas porque nós viemos com um coração contrito e espírito humilhado, aceita-nos" (Canção das 3 crianças, versos 15 e 16). Eu me maravilho do poder de Deus que preencheu estas crianças, assim como Elias o profeta; como disse São João Damascos: "Oh chama, tens feito cair o orvalho sobre teus santos" (Canção das 3 crianças, verso 27), "e queimaste com água o sacrifício do Justo" (cf. I Reis 18:38). "Pois fazeis todas as coisas, Oh Cristo, simplesmente apenas por Vossa vontade". Aliás, o que contemplarei em primeiro lugar? O testemunho encontrado nos Evangelhos, ou os Atos dos Apóstolos? As lutas dos mártires, ou a batalha dos santos padres, ou dos santos antigos e recentes, tanto homens quanto mulheres? Suas vidas e ditos, ou seus poderes de interpretação e discernimento? Estou perdido e maravilhado.

Mas eu Vos rogo, senhor Compassivo, não me permita ser condenado por causa da maneira indigna e estéril em que eu contemplo os grandes mistérios que Vós revelastes aos Vossos santos, e através deles a mim, um pecador e Vosso indigno servo. Pois veja, Senhor, Vosso servo coloca-se perante Vós, ocioso em todas as coisas, sem fala, como alguém que jaz morto; e eu não ouso dizer qualquer coisa a mais presunçosamente para vir a contemplar mais tarde. Mas como sempre me caio diante de Vós, chorando das profundezas da minha alma e dizendo, "Mestre e Senhor rio em misericórdia, Senhor Jesus Cristo..." e o resto da oração. (Aqui deve-se meditar na segunda oração e nos salmos, observando a conduta de nossa alma e corpo, para que se desenvolva uma disposição receptiva aos divinos pensamentos. Então você será capaz de com plena consciência entender todos os mistérios e milagres ocultos nas Sagradas Escrituras. Surpreendido neste sentido com os dons de Deus, você virá a ama-Lo e a sofrer por seu amor com alegria, como fizeram todos os santos. Pois as sagradas Escrituras são plenas de coisas maravilhosas, como diz Salomão).

Juntamente a outras maravilhas, eu me admiro do poder de Deus como se manifestou no maná. Pois o maná não preservou a mesma forma até o dia seguinte, mas dissolveu e foi encontrado cheio de vermes (cf. Êxodo 16:20). Isso foi para prevenir aqueles que faltaram com a fé preocupando-se eles mesmos com o dia seguinte. Mas no jarro estava no tabernáculo permaneceu imutável (cf. Êxodo 16: 32-34). Novamente quando cozido com fogo o maná não era queimado; ainda que dissolvido no menor raio de luz do sol, para que o ganancioso não exigisse mais do que o necessário para mantê-lo vivo. Quão maravilhosamente Deus trabalha em todo lugar para a salvação dos homens, como diz o Senhor em relação à divina providência: "Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" (João 5:17). Aquele que medita nisso é exteriormente educado pelas Sagradas Escrituras, e interiormente pela divina providência. Ele começa a ver as coisas em sua verdadeira natureza, como dizem São Gregório de Nissa e São João de Damascos. Ele não é mais enganado pelo aspecto atrativo das coisas deste mundo, tais como beleza física, riqueza, glória transitória e etc; nem é seduzido pelas sombras que eles deixam, como são ainda aqueles sujeitos às paixões.