Cristo Pantocrator

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Quarta Centúria sobre o Amor

Esta é a última centúria sobre os "400 Escritos sobre o Amor", escrito pelo grandessíssimo São Máximo, o Confessor. Espero depois de traduzi-la ter dado cabo de uma tarefa sublime, não digna de minha pessoa, mas se bem feita, apenas por Auxílio, Socorro, Graça e Mérito Daquele que é o único Autor das coisas verdadeiramente belas.
Máximo, como falamos, ocupa espaço magistral na Filocalia, e nosso interesse é divulgar toda a sua obra. Espero que a beleza de suas palavras tão singelas, didáticas e diretas, sirvam para a edificação, libertação e felicidade de quem as lê.

Quatrocentos Escritos Sobre o Amor
Parte final.
Quarta Centúria
São Máximo, o Confessor
Tradução da versão inglesa (Op. Cit, pags 100 a 113).

1) Primeiro o intelecto se maravilha quando reflete na absoluta infinidade  de Deus, mar sem limites que tanto se almeja. Então ele é surpreendido de como Deus trouxe coisas à existência a partir do nada. E como "Sua magnificência é sem limite" (Salmo 145: 3) e "Seus desígnios são inescrutáveis" (Isaías 40:28).

2) Como pode o intelecto não se maravilhar quando ele contempla o imenso e mais do que surpreendente mar de bondade? Ora, como não ficar surpreendido quando ele reflete  em como e de que fonte o que existe veio à existência, tanto a natureza dotada com inteligência e intelecto, e os quatro elementos que compõem o mundo físico, ainda que nenhuma matéria pré existisse à geração deles? Qual tipo de potencialidade era aquela que, uma vez atualizada, trouxe estas coisas ao ser? Mas tudo isso não é aceito por aqueles que seguem os filósofos pagãos gregos, ignorantes que eram da bondade onipotente e sua sabedoria efetiva e conhecimento, transcendendo o intelecto humano.

3)Deus é Criador desde toda a eternidade, e Ele cria quando Ele quer, em Sua infinita bondade, através de seu Logos e Espírito coessencial. Não se levanta a objeção: "Por que ele cria em um momento particular uma vez que ele é bom desde toda a eternidade?" Pois eu respondo que a sabedoria inescrutável da essência infinita não vem em paralelo com o conhecimento humano.

4) Quando o Criador quis, Ele deu o ser e manifestou aquele conhecimento das coisas criadas que já existiam nEle desde toda a eternidade. Pois no caso do Deus Onipotente é ridículo duvidar que Ele não possa dar o ser a qualquer coisa assim que o queira.

5) Tente aprender porque Deus cria; pois isto é conhecimento verdadeiro. Mas não tente aprender como Ele criou ou porque Ele fez assim há relativamente pouco tempo; pois que isso não tem paralelo com nossa inteligência. Das divinas realidades algumas podem ser apreendidas pelos homens e outras não podem. Uma especulação desenfreada, como disse um de nossos santos, pode nos levar de cabeça ao precipício.

6) Alguns dizem que a ordem criada coexistiu com Deus desde toda a eternidade, mas isto é impossível. Pois como pode que coisas limitadas coexistam com Ele que é completamente infinito? Ou como eles seriam realmente criações se fossem coeternos ao Criador? Esta noção é extraída dos filósofos gregos pagãos, que afirmam que Deus não é de modo algum criador do ser mas apenas das qualidades. Nós, porém, que sabemos que Deus é onipotente, dizemos que Ele é o criador não apenas das qualidades mas também do ser das coisas criadas. Se isto é assim, as coisas criadas não coexistiram com Deus desde toda a eternidade.

7) A divindade e as realidades divinas são em alguns aspectos cognoscíveis e em alguns outros incognoscíveis. Eles são cognoscíveis na contemplação do que pertence à essência de Deus e incognoscíveis no que diz respeito à essência própria.

8) Não olheis para as condições e propriedades da essência simples e infinita da Santíssima Trindade; de outro modo você a fará composta como os seres criados - uma coisa ridícula e blasfema a se fazer no caso de Deus.

9) Apenas o Ser infinito, todo poderoso e criador de todas as coisas, é simples, único, incondicional, pacífico e estável. Toda criatura que possua ser e acidente, é composta e sempre está necessitando da Divina Providência, pois não é livre para mudar.

10) Tanto a natureza sensível e inteligível, ao ser trazida para a existência por Deus, recebeu poderes para deter os seres criados. A natureza inteligível recebeu poderes da intelecção e a natureza sensível poderes da percepção sensível.

11) Deus é apenas participado. A Criação ao mesmo tempo participa e comunica: participa no ser e bem-estar, mas comunica apenas bem-estar. No entanto, a natureza corpórea comunica isto em um sentido e a natureza incorpórea em outro.

12) A natureza incorpórea comunica bem-estar por falar, por agir, e por ser contemplada; a natureza corpórea apenas por ser contemplada.

13) Seja ou não uma natureza dotada de inteligência e intelecto, para ela existir eternamente depende-se da vontade do Criador cuja criação é boa; mas se tal natureza é boa ou má, depende apenas de sua própria vontade.

14) O mau não pode ser imputado à essência do ser criado, mas à sua motivação errônea e estúpida.

15) Uma motivação de alma é corretamente ordenada quando seu poder desejante é subordinado ao autocontrole, quando seu poder apetitivo rejeita o ódio e  abre caminho para o amor, e quando seu poder de inteligência, através da contemplação espiritual e da oração, avança em direção a Deus.

16) Se em tempo de julgamento um homem não sofre pacientemente suas aflições mas desliga-se do amor de seus irmãos espirituais, ele ainda não possui o amor perfeito ou um conhecimento profundo da divina providência.

17) O objetivo da divina providência é unir por meio da verdadeira fé e do amor espiritual aqueles separados em vários sentidos pelo vício. De fato, o Salvador suportou Seus sofrimentos de modo que 'deve-se reunir na unidade os filhos de Deus' (João 11:52). Assim, aquele que não suporta resolutamente suas tribulações, aguentando aflições, e pacientemente sustentando dificuldades, extravia-se do caminho do amor divino e da proposta da providência.

18) "Se o amor é longânimo e doce" (1 Cor. 13:4), um homem que é tímido em face de suas aflições e que logo se comporta perversamente contra aqueles que o ofendem, deixa de amá-los, seguramente falha da proposta da divina providência.

19) Observe-se, verás que o vício que o separa de seu irmão jaz em você e não nele. Seja reconciliado com ele sem demora, a fim de que você não falhe no mandamento do amor.

20) Não guarde o mandamento do amor com desacato, pois por ele você se torna filho de Deus. Mas se você o transgride, você se tornará filho da Geena.

21) O que nos separa do amor dos amigos é invejar ou ser invejado, causando ou recebendo prejuízo, insultar ou ser insultado, e pensamentos suspeitos. Se você nunca tivesse feito ou experimentado algo deste tipo jamais se separaria do amor de um amigo.

22) Um irmão foi a ocasião de algum julgamento feito por ti e seu ressentimento levou-e ao ódio? Não deixe-se vencer por este ódio, mas conquiste-o pelo amor. Você terá sucesso nisso orando a Deus sinceramente pelo seu irmão e por aceitar suas desculpas; ou ainda conciliando o com um pedido de desculpas a si mesmo, reconhecendo-se como responsável pelo julgamento e esperando pacientemente até que esta nuvem passe.

23)  Um homem longânimo é aquele que espera pacientemente pelo seu julgamento para finalizar tudo e espera que sua perseverança será recompensada.

24) "Um homem longânimo abunda em entendimento" (Provérbios 14:29), porque ele suporta tudo até o fim e, enquanto aguarda esse fim, pacientemente carrega essa angústia. O fim, como diz São Paulo, é vida eterna (cf. Romanos 6:22). "E a vida eterna é esta: que possam conhecer a Ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:3).

25) Não descarte levemente o amor espiritual: para os homens não há outra rota de salvação.

26) Porque nos dias atuais um assalto do demônio fez surgir um ódio entre vós, não julguei aquele irmão perverso que ontem vós reconhecíeis como espiritual e virtuoso; mas como o amor longânimo habita na bondade o que vós percebeste ontem expelirá o ódio de hoje de vossa alma.

27) Não condeneis hoje o homem perverso que ontem louvaste como virtuoso e reconheceste como bom, mudando do amor ao ódio, porque ele te criticou; mas mesmo cheio de mágoa, vê-o com os olhos de antes, e assim te recobrirá o mesmo amor salvador.

28) Quando conversar com outros irmãos não adultere o louvor habitual de um irmão ao subrepticiamente censurá-lo por conta de algum ressentimento oculto contra ele. Pelo contrário, na companhia dos outros dê-lhe um elogio sem mistura e reze por ele sinceramente como se estivesse rezando por si mesmo; então você se libertará rapidamente de seu ódio destrutivo.

29) Não diga, "Eu não odeio meu irmão", quando você simplesmente eclipsa o pensamento dele em sua mente. Ouvi a Moisés que disse, "Não odeie seu irmão em sua mente; mas repreenda-o e você não cometerá pecado contra ele" (Levítico 19:17).

30) Se um irmão acontece de ser tentado e continua a lhe insultar, não se desvie de seu estado de amor, ainda que o próprio demônio venha para perturbar a sua mente. Você não se desviará deste estado quando abusado você abençoar; quando caluniado, você elogiar; quando enganado, você mantiver seu afeto. Este é o sentido da filosofia de Cristo: se você não a segue não compartilhará de Sua companhia.
 31) Não pense que aqueles que lhe trazem relatórios cheios de ressentimento e lhe fazem odiar seu irmão estão carinhosamente dispostos para com você, ainda que pareçam falar a verdade. Pelo contrário, volte-se contra eles como se se tratasse de cobras venenosas, pois assim você prevenirá tanto a si quanto eles de proferir calúnias e livra sua própria alma da perversão.

32) Não irrite seu irmão ao falar com ele equivocadamente; de outro modo você pode receber o mesmo tratamento dele e assim expulsar tanto o seu amor quanto o dele. De preferência, repreenda-o com amor e carinhosamente, removendo assim os fundamentos do ressentimento e liberte-o assim como também você da irritação e da angústia.

33) Examine sua consciência escrupulosamente, no caso de saber se não é por sua culpa que seu irmão ainda está hostil. Não trapaceie sua consciência, pois ela conhece seus segredos, e na hora de sua morte ela lhe acusará e no momento da oração ela lhe servirá como pedra de tropeço.

34) Em tempos de relacionamentos pacíficos não lembre-se do que foi dito por um irmão quando ele tinha sentimentos maus contra você, ainda que coisas ofensivas tenham lhe sido dirigidas na cara, ou de outra pessoa sobre você e que você tenha por conseguinte ouvido. De outro modo, você dará guarida a pensamentos de rancor e voltará  para você o ódio destrutivo de seu irmão.

35) A alma deiforme não pode nutrir ódio contra um homem e ainda assim estar em paz com Deus, o doador dos mandamentos. "Pois", Ele diz, "se não perdoares os homens suas faltas, não lhes Perdoará o Pai do Céu" (cf. Mateus 6: 14-15). Se seu irmão não deseja viver em paz com você, não guarde, no entanto, ódio contra ele, orando por ele sinceramente e não abusando dele.

36) A perfeita paz dos anjos jaz no amor deles por Deus e uns pelos outros. Isto também é o caso com todos os santos desde o início dos tempos. mais verdadeiramente é dito que "nestes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas" (Mateus 22;40).

37) Para de se agradar e você não odiará seu irmão; pare de se amar e você amará a Deus.

38) Uma vez que tenha decidido a compartilhar a sua vida com seus irmãos espirituais, renuncie aos seus desejos desde o começo. A menos que faça isso, você será capaz de viver pacificamente ou com Deus ou com os irmãos.

39) Aquele que obteve o perfeito amor e ordenou toda a sua vida de acordo com ele, é a pessoa que diz "Senhor Jesus" no Espírito Santo (cf. I Cor. 12:3)

40) O amor por Deus sempre aspira dar asas ao intelecto em sua comunhão com Deus; o amor ao próximo sempre nos leva a ter bons pensamentos sobre ele.

41) O homem que ainda ama a fama vã, ou está ainda atado a algum objeto material, se aborrece naturalmente com as pessoas por conta de coisas transitórias, ou guarda rancor ou ódio contra elas, ou é ainda escravo de pensamentos vergonhosos. Tais coisas são muito estranhas a alma que ama a Deus.

42) Se você não tem ideia de qualquer palavra vergonhosa ou ação em sua mente, não guarde rancor contra alguém que lhe injuriou ou caluniou e, enquanto ora, mantenha sempre seu intelecto livre de matéria e forma, pois assim esteja certo de que você terá obtido a pela medida do desapego e do amor perfeito.

43) Não é pequena luta ser liberto da autoestima. Tal liberdade é para ser obtida pela prática inerente das virtudes e por uma oração mais frequente; e o sinal que você tiver obtido é que não guardará mais rancor contra quem quer que tenha abusado ou abuse de você.

44) Se você quer ser uma pessoa justa, prescreva a cada parte de si mesmo - para sua alma e seu corpo - o que está de acordo com sua compleição. Para a parte intelectual prescreva a leitura espiritual, contemplação e oração; para a parte apetitiva, amor espiritual, o oposto do ódio; para o  aspecto desejante, moderação e autocontrole; para a parte carnal, comida e bebida, pois apenas estes são necessários (cf. I Tim. 6:8)

45) O intelecto funciona de acordo com a natureza quando ele mantém as paixões sob controle, contempla as essências inerentes dos seres criados e permanece com Deus.

46) Assim como saúde e doença se relacionam ao corpo dos seres viventes, luz e escuridão aos olhos, assim também virtude e vício se relacionam á alma, e conhecimento e ignorância ao intelecto.

47) Os mandamentos, as doutrinas, a fé: estes são os três objetos da filosofia Cristã. os mandamentos separam o intelecto das paixões; as doutrinas o conduzem para o conhecimento espiritual dos seres criados; e a fé para a contemplação da santíssima Trindade.

48) Alguns daqueles que perseguem a via espiritual apenas repelem os pensamentos apaixonados; outros extirpam as próprias paixões. Tais pensamentos são repelidos pela salmodia, ou pela oração, ou pela elevação da mente para Deus, ou por ocupar a atenção de alguém de algum sentido parecido a isto. As paixões são extirpadas pelo distanciamento apropriado daquelas coisas pelas quais elas nasceram.

49) As paixões são despertadas em nós, por exemplo, através de mulheres, riquezas, famas e assim por diante. Nós podemos alcançar distanciamento com relação a mulheres quando nos retirarmos do mundo, pois assim perdemos o vigor do corpo e obtemos autocontrole. Nós podemos alcançar distanciamento quando o interesse pela riqueza é superado por uma mente frugal com respeito a todas as coisas. Nós podemos ser indiferentes à fama por praticar as virtudes no coração, de um modo visível apenas a Deus. E nós podemos agir de maneira similar com respeito a outras coisas. Uma pessoa que alcançou tal distanciamento nunca odiará quem quer que seja.

50) Aquele que renunciou tais coisas como casamento, posses e outras ocupações mundanas é exteriormente um monge, mas pode não sê-lo ainda interiormente. Apenas quem renunciou as imagens conceituais apaixonadas destas coisas se faz monge em si mesmo, e no seu intelecto. É fácil ser um monge por ser-se exteriormente; mas não é pequena a batalha espiritual requerida para se verter em um monge interiormente.

51) Quem nesta geração está completamente liberto das imagens conceituais apaixonadas,  lhe sendo concedido o dom da oração pura, ininterrupta e espiritual? Ora, esta é a marca interior do monge.

52) Muitas paixões estão ocultas em nossas almas; elas podem ser trazidas à luz apenas quando os objetos que as despertam se fazem presentes.

53) Um homem pode aproveitar o desapego e não ser perturbado por paixões quando os objetos que as despertam estão ausentes. Mas, uma vez que os objetos se fazem presentes, as paixões rapidamente distarem seu intelecto.

54) Não imagine que você goza de perfeito desapego quando os objetos que despertam suas paixões não estão presentes. Se quando estão presentes você permanece imóvel tanto pelo objeto quanto pelo pensamento subsequente dele, esteja certo que você entrou no reino do desapego. Mas mesmo assim, não seja super confiante; pois virtude quando se torna um hábito mata as paixões, mas quando é negligenciada as paixões retornam à vida novamente.

55) Aquele que ama a Cristo é obrigado a imitá-Lo o melhor que consegue. Cristo, por exemplo, estava sempre conferindo bençãos ao povo; Ele era longânimo quando eles eram ingratos e blasfemos contra Ele; e quando eles O castigaram e O entregaram à morte, Ele suportou tudo, não imputando mal a quem quer que fosse. Estes são os três atos que manifestam amor ao próximo. Se se é incapaz deles, a pessoa que diz amar a Cristo ou ter atingido o Reino engana-se a si mesmo. Pois "Pois nem todo aquele que diz Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus; mas aquele que faz a vontade do Meu Pai" (Mateus 7:21); e novamente, "Aquele que Me ama, guardará os Meus mandamentos" (cf. João 14: 15, 23).

56) A proposta completa dos mandamentos do Salvador é libertar o intelecto da dissipação e ódio, e conduzi-lo ao amor dEle e de seu próximo. Deste amor brota a luz do santo conhecimento ativo.

57) Quando Deus conceder-lhe um grau de conhecimento espiritual não negligencie o amor e o autocontrole; pois são tais coisas que, uma vez que tenham purificado a alma do aspecto passional, sempre mantém aberta para você o sentido do autoconhecimento.

58) Desapego e humildade conduzem ao conhecimento espiritual. Sem eles não se verá o Senhor.

59) Já que o "conhecimento incha, mas o amor edifica" (I Cor. 8: 1), una amor ao conhecimento e você se libertará da arrogância e será um construtor espiritual, edificando tanto a si mesmo quanto aqueles que se aproximarem de você.

60) O amor edifica porque não inveja, ou sente qualquer amargura para com aqueles que são invejosos, ou ostensivamente revela o que provoca inveja; não julga que seu propósito tenha sido alcançado (cf. Filipenses 3:13), e sem hesitar confessa sua ignorância acerca daquilo que não conhece. Com isso, ele liberta o intelecto da arrogância e sempre equipa-o para avançar no conhecimento.

61) É natural para o conhecimento espiritual produzir vaidade e inveja, especialmente nos estágios iniciais. A vaidade vem de dentro, mas a inveja vem tanto de dentro quanto de fora - de dentro quando sentimos inveja daqueles que possuem conhecimento, de fora quando aqueles que amam o conhecimento sentem inveja de nós. O amor destrói todas estas três falhas: vaidade, porque o amor não incha; inveja de dentro, porque o amor não é invejoso; e inveja de fora, porque o amor é "longânimo e benigno" (1 Cor. 13:4). Uma pessoa com conhecimento espiritual deve, então, também adquirir amor, assim que ele pode sempre manter seu intelecto em um estado saudável.

62) Aquele que recebeu a graça do conhecimento espiritual e ainda guarda ressentimento, rancor ou ódio por alguém, é como alguém que dilacera seus olhos com espinhos e cardos. Disso o conhecimento deve ser acompanhado pelo amor.

63) Não devote todo o seu tempo ao seu corpo mas aplique a ele a medida de asceticismo apropriada para seu vigor, e então volte todo o sue intelecto para o que é interior. "Asceticismo corporal tem apenas um uso limitado, mas a verdadeira devoção é útil em todas as coisas" (1 Timóteo 4:8)

64) Aquele que sempre se concentra em sua vida interior torna-se comedido, longânimo, doce e humilde. Ele será sempre capaz de contemplar, teologizar e rezar. Isto foi o que São Paulo quis dizer quando falou: "Caminhai no Espírito" (Gálatas 5:16).

65) Aquele que é ignorante do caminho espiritual não fica em guarda contra as imagens conceituais apaixonadas, mas devota-se inteiramente à carne. Ele é ou um glutão, ou licencioso, ou cheio de ressentimento, ira e rancor. Como resultado ele obscurece seu intelecto ou então pratica um asceticismo severo que apenas obscurece sua mente.

66) A Escritura não proíbe qualquer coisa que Deus nos tenha dado para uso; mas ela condena imoderação e comportamento irrefletido. Por exemplo, ela não nos proíbe de comer, ou ter filhos, ou possuir bens materiais e administrá-los propriamente. Mas ela nos proíbe de ser glutão, de fornicar e assim por diante. Ela não nos proíbe pensar estas coisas - elas foram feitas para serem pensadas - mas proíbe-nos pensar nelas com paixão.

67) Algumas das coisas que nós fazemos por amor a Deus são feitas em obediência aos mandamentos; outras são feitas não em obediência aos mandamentos, por assim dizer, mas como oferecimento voluntário. Por exemplo, nos é requerido pelos mandamentos a amar a Deus e ao próximo, a amar nossos inimigos, a não cometer adultério, nem homicídio e assim por diante. E quando transgredimos tais mandamentos nós somos condenados. Mas não somos condenados a viver como virgens, abstermos nos do casamento, a renunciar posses, a retirar-se na solidão e assim por diante.  Estes são presentes da natureza, de modo que, se por fraqueza somos incapazes de cumprir com os mandamentos, nós podemos por estes bens livres agradar nosso Bendito Mestre.

68) Aquele que honra o celibato e a virgindade deve manter seus lombos cingidos e sua lâmpada acesa (cf. Lucas 12:35). Ele mantém seu lombo cingido através do autocontrole, e sua lâmpada acesa por meio da oração, contemplação e amor espiritual.

69) Alguns dos irmãos pensam que eles estão excluídos dos bens da graça do Espírito Santo. Porque negligenciaram na prática dos mandamentos não sabem que aquele que tem uma fé não adulterada em Cristo tem em si a soma total de todos os bens divinos. Já que por nossa preguiça estamos longe de ter um amor ativo por Ele - um amor que nos mostre os tesouros divinos em nós - nós naturalmente pensamos que estamos excluídos destes bens.

70) Se, como disse São Paulo, Cristo habita nosso coração pela fé (cf. Efésios 3:17), e todos os tesouros da sabedoria e o conhecimento espiritual estão ocultos NEle (cf. Col. 2:3), então todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento espiritual estão ocultos em nossos corações. Eles são revelados ao coração em proporção à nossa purificação por meio dos mandamentos.

71) Este é o tesouro oculto no campo de nosso coração (cf. Mateus 13:44), que você ainda não encontrou por causa de sua preguiça. Tivesse encontrado teria vendido tudo o que possui e comprado aquele campo. Mas agora que abandonou aquele campo, passou a devotar atenção para terra das proximidades, onde não há nada senão espinhos e cardos.

72) Esta é a razão para que o Salvador diga: "Bem Aventurados são os puro de coração, porque verão a Deus" (Mateus 5:8): pois Ele está escondido no coração daqueles que nEle creem. Eles O verão e as riquezas que estão nele, quando já purificadas pelo amor e autocontrole, e quanto maior sua pureza, mais eles verão.

73) E isso é porque Ele também diz, "Vende tudo o que possui e dê esmolas" (Lucas 12: 33), "e você descobrirá que todas as coisas foram purificadas para você" (Lucas 11:41). Isto se aplica a aqueles que não mais gastam seu tempo no cuidado com o corpo, mas se esforça em purificar o intelecto (que o Senhor chama de "coração") do ódio e dissipação. Pois estes corrompem o intelecto e não permitem ver o Cristo, que nos habita pela graça do Santo Batismo.

74) Na Escritura as virtudes são chamadas 'caminhos'. A maior de todas as virtudes é o amor. Esta é a razão pela qual Paulo disse, "Agora vos mostrarei o melhor caminho de todos" (1 Cor. 12:31), aquele que nos convence a desprezar as coisas materiais e a valorizar nada transitório mais do que o que é eterno.

75) O amor de Deus é o oposto do desejo, pois ele persuade o intelecto a se controlar com relação aos prazeres sensuais. O amor ao nosso próximo é oposto à cólera, pois ele nos faz desprezar fama e riqueza. Estas são as duas moedas que Nosso Salvador deu ao hoteleiro (cf. Lucas 10:35), e que ele deveria tomar cuidado de você. Mas não seja irrefletido e se associe com ladrões; de outro modo você será espancado novamente e não deixado simplesmente inconsciente, senão morto.

76) Purifique seu intelecto da ira, rancor e de pensamentos vergonhosos, e você será capaz de perceber a morada de Cristo.

77) Quem lhe iluminou com fé na Santa, Coessencial e Adorável Trindade? Ou quem lhe fez conhecer a entrega encarnada da Santíssima Trindade? Quem lhe ensinou sobre a essência inerente dos seres incorpóreos, ou sobre a origem e consumação do mundo visível, ou sobre a ressurreição dos mortos e a vida eterna, ou sobre a glória do Reino dos Céus e o terrível julgamento? Não foi a Graça de Cristo que lhe habita, que é o penhor do Espírito Santo? O que é maior do que esta graça? O que é mais nobre do que esta sabedoria e conhecimento? O que é mais sublime do que estas promessas? Mas, se nós somos preguiçosos e negligentes, e se nós não nos purificamos das paixões que nos contaminam, cegando nosso intelecto e impedindo-nos de ver a natureza destas realidades mais claramente do que o sol, nos envergonharemos a nós mesmos e não negaremos a Graça interior.

78) Deus, que tem prometido suas bençãos eternas (cf. Tit. 1: 2) e nos concedeu o penhor do Espírito em nossos corações (cf. 2 Cor. 1: 22), nos ordenou a prestar atenção em como viver, de modo que o homem interior possa ser liberto das paixões e comece aqui e agora a gozar destas bençãos.

79) Quando você for agraciado com as mais altas formas de contemplação das divinas realidades, dê sua máxima atenção ao amor e ao autocontrole, para que assim você possa manter o aspecto passível de sua alma imperturbável e preserve a luz de sua alma em um esplendor não reduzido.

80) Ponha rédeas no poder apetitivo da alma com amor, sacie seu desejo com autocontrole, dê asas à sua inteligência com oração, e a luz de seu intelecto nunca será obscurecida.

81) Desgraça, injúria, calúnia contra a fé de alguém ou uma maneira de vida, violência, golpes e assim por diante - estas são coisas que dissolvem o amor, se elas acontecem a nós mesmos, ou a algum de nossos parentes e amigos. Aquele que perde seu amor por causa destas coisas não entendeu ainda a proposta dos mandamentos de Cristo.

82) Esforce o quanto puder para amar todos os homens. Se você não pode fazer isso, pelo menos não odeie ninguém.  Mas nem isso está em seu poder, a menos que você despreze as coisas mundanas.

83) Alguém lhe vilipendiou? Não o odeie; odeie o vilipêndio e o demônio que o induziu a fazer isso. Se você odeia o vilipendiador, você odiou o homem e assim rompeu com o mandamento. O que ele fez em palavra, você fez em ação.  Para manter o mandamento, mostre as qualidades de amor e ajude-o de qualquer modo para que ele se livre do mal.

84) Cristo não quer que você sinta ódio, ressentimento, ira ou rancor contra alguém em qualquer sentido ou em consideração a coisas transitórias. Isto é inteiramente proclamado nos quatro Evangelhos.

85) Muitos de nós são falastrões, poucos são executores. Mas ninguém pode distorcer a Palavra de Deus por sua própria negligência. Nós devemos confessar nossa fraqueza e não esconder a verdade de Deus. De outro modo nos sentiremos culpados não apenas por quebrar os mandamentos mas também de falsificar a palavra de Deus.

86) Amor e autocontrole libertam a alma das paixões; leitura espiritual e contemplação libertam o intelecto da ignorância; e o estado de oração nos coloca na presença do próprio Deus.

87) Quando os demônios vêem que desprezamos as coisas deste mundo de modo que não odiamos os homens ao considerar tais coisas, e assim nos afastamos do amor, então eles incitam calúnias contra nós. Deste modo eles esperam que, incapazes de conter nosso ressentimento, eles nos provocarão ódio a quem nos calunia.

88) Nada é mais doloroso para a alma do que a calúnia, se dirigida contra a fé ou modo de vida de alguém. Ninguém pode ser indiferente a ela, a não ser aqueles que, como Suzana, possuem seus olhos fixos em Deus. Pois apenas Deus tem o poder de resgatar do perigo, como Ele a resgatou, para convencer os homens da verdade, como ele fez no caso dela, e para encorajar a alma com esperança.

89) Na medida em que você reza com toda a sua alma para a pessoa que a escandaliza, Deus fará a verdade conhecida para aqueles que foram escandalizados pelo caluniador.

90) Apenas Deus é bom por Natureza e apenas aquele que imita Deus é bom em vontade e propósito. Pois é a intenção de tal pessoa unir sua fraqueza àquele que é bom por Natureza, de modo que possa também tornar-se bom. E assim, mesmo que injuriado, abençoe; perseguido, suporte; vilipendiado, rogue (cf. I Cor. 4: 12-13); levado à morte, rogue pelos maus. Ele faz isso tudo para não ser relapso na proposta do amor, que é o Próprio Deus.

91) Os mandamentos de Deus nos ensinam a usar coisas neutras inteligentemente. Tal uso purifica o estado de alma. Um estado de pureza gera discriminação; discriminação gera  desapego; e é do desapego que nasce o amor perfeito.

92) Se quando ocorre algum julgamento e você não consegue ignorar a culpa de um amigo, se real ou aparente, você ainda não conseguiu atingir o desapego. Pois quando as paixões que jazem no mais profundo da alma são agitadas, elas cegam a mente, impedindo-nos de ver a luz da verdade e de discriminar o bem do mal. Se você está em tal estado, você ainda não atingiu o amor perfeito, o amor que expele o medo do julgamento. (cf. João 4:18).

93) "Um amigo fiel é sem preço" (Eclesiástico 6: 15), já que ele reconhece os infortúnios de seu amigo como se fossem seus e sofre com ele compartilhando seu julgamento até a morte.

94) Amigos são muitos em tempos de prosperidade (cf. Provérbios 19:4). Em tempos de adversidade você terá dificuldade em encontrar mesmo um.

95) Deve-se amar com nossa alma a cada homem, mas deve-se colocar somente em Deus nossa esperança e servi-Lo com todas as nossas forças. Pois na medida em que Ele nos protege contra os prejuízos, todos nossos amigos nos tratam com respeito e todos os nossos inimigos ficam sem poder de nos injuriar. Mas, uma vez que Ele nos abandona, todos nossos amigos se voltam contra nós enquanto todos nossos inimigos prevalecem contra nós.

96) Há quatro caminhos em que Deus nos abandona. O primeiro é o caminho da divina dispensa, de modo que por meio de nosso aparente abandono outros que estão abandonados possam ser salvos. Nosso Senhor é um exemplo disso (cf. Mateus 27:46). O segundo é o caminho do julgamento e do teste, como no caso de Jó e José; por ele Jó se tornou um pilar da coragem e José do autocontrole (Gn. 39:8). O terceiro é o sentido da correção fraterna, como no caso de São Paulo, assim que por meio da humildade ele pôde preservar a superabundância da Graça (cf. 2 Cor. 12: 7). O quarto é o caminho da rejeição, como no caso dos Judeus, pois ao serem purificados possam ser conduzidos ao arrependimento. Todos estes são caminhos da salvação, cheio de divina benção e sabedoria.

97) Apenas aqueles que guardam escrupulosamente os mandamentos e são verdadeiros iniciados nos julgamentos divinos, não abandonam seus amigos quando Deus permite que esses amigos sejam testados. Aqueles que desprezam os mandamentos e que são ignorantes acerca do julgamento divino regozijam-se com seus amigos em tempos de prosperidade; mas quando em tempos de julgamento sofrem dificuldades, eles o abandonam e algumas vezes mesmo se colocam ao lado daqueles que o atacam.

98) Os amigos de Cristo amam a todos verdadeiramente mas não são eles próprios amados por todos; os amigos do mundo nem amam a todos nem são amados por todos. Os amigos de Cristo perseveram no amor até o fim; os amigos do mundo perseveram apenas na medida em que possam ter acesso a alguma coisa mundana.

99) "Um amigo fiel é uma forte defesa" (Eclesiástico 6:14); pois quando as coisas estão indo bem com você, ele é um bom conselheiro e um simpático colaborador, enquanto quando as coisas vão mal, ele é o mais confiável dos auxílios e o mais compassivo dos suportes.

100) Muitos disseram muito sobre o amor, mas você só irá encontrá-lo entre os discípulos de Cristo. Pois apenas ele possuem o verdadeiro Amor como mestre. "Ainda que eu tivesse o dom da profecia", diz São Paulo, "e conhecesse todos os mistérios e todo o conhecimento... e não tivesse amor, isso de nada me adiantaria" (I Cor. 13: 2-3). Aquele que possui amor possui o próprio Deus, pois "Deus é amor" (IJoão 4:8). Para Ele toda a glória dos séculos. Amém.