Cristo Pantocrator

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Que é impossível ser salvo sem humildade

Que é impossível ser salvo sem humildade
Por São Pedro de Damasco
Continuação do post anterior

                Por causa da grande obscuridade produzida pelas paixões, uma pessoa pode tornar-se tão demente a ponto de imaginar em sua falta de humildade que é igual aos anjos, ou mesmo maior do que eles. Foi precisamente esta falta de humildade da parte de Lúcifer suficiente para pô-lo nas trevas, sem a necessidade de qualquer outro pecado adicional. O que então ocorrerá ao homem sem humildade, já que ele é pó e mortal, para não dizer um pecador? Talvez em sua cegueira ele não acredite que tenha pecado. São João Crisóstomo diz que o homem perfeito certamente se tornará igual aos anjos, como o Senhor afirma; mas ele fará isso na ressurreição dos mortos, e não no mundo presente. Mesmo lá ele não será um anjo, mas “como os anjos” (Lucas 20:30). Isto significa que os homens não podem conseguir nada de bom por sua própria natureza, eles só podem ser transformados pela graça que os liberta da necessidade e de tudo o mais, dotando-os de alegria incessante, amor de Deus, e tudo o que “os olhos não viram e os ouvidos não ouviram” (I Coríntios 2:9).
                Na vida presente, porém, é impossível para qualquer um tornar-se perfeito, ainda que se possa  receber muitas bênçãos prometidas. Pois como aqueles que não receberam os dons de Deus devem se humilhar a si mesmos por causa de sua indigência, do mesmo modo aqueles que receberam devem também se humilhar, já que receberam estes dons de Deus; de outro modo serão condenados por sua falta de gratidão. Assim como o agraciado deve confessar  a graça de Deus por causa dos dons que Ele os deu, os que são ricos em virtudes devem fazer isso ao máximo.  Como o pobre deve dar graças a Deus e tornar-se rico em amor por aqueles que o assistem, assim também devem os ricos dar graças, pois por meio da providência divina eles são capazes de realizar atos de caridade e assim serem salvos tanto nesta era quanto na futura. Pois sem os pobres eles não podem salvar suas almas ou se libertarem das tentações da riqueza.
                Como os discípulos devem amar seus mestres, também os mestres devem amar seus discípulos, e em nome uns dos outros devem reconhecer que a graça de Deus foi quem deu a todos os homens espirituais conhecimento e todas as outras coisas boas. Por estas coisas boas devemos sempre Lhe dar graças, especialmente aquelas recebidas DEle que capacitam a renovar o santo batismo por meio do arrependimento, posto que sem arrependimento ninguém pode ser salvo. Pois o Senhor disse: "Porque me chamais Senhor, Senhor e não fazeis o que eu digo?" (Lucas 6: 46). Mas que ninguém seja tão estúpido a ponto de pensar, ao ouvir estas palavras ou outras semelhantes, que se ele não invocam o Senhor, ele não será culpado. Pelo contrário, ele será acima de tudo condenado; pois, como o Senhor disse "Se ao madeiro verde fazem estas coisas, o que não farão ao seco ?" (Lucas 23:31); e como Salomão diz, "se o justo recebe na terra a retribuição, o que não receberá o ímpio e o pecador!" (Provérbios 11:31).
                  No entanto, quando uma pessoa se vê acossada por todos os lados pelos divinos mandamentos ela não deve se desesperar e assim sofrer maior condenação do que aquele que comete suicídio. Ao contrário, ela deve se maravilhar com a forma como as divinas Escrituras e os mandamentos exortam o homem à perfeição, de modo que ele não pode encontrar uma maneira de escapar do bem buscando alívio no que é inferior. Deste modo, se ele deseja fazer algo ruim, ele se depara face a face com ameaças e perigos, voltando-se ao bem. Deus em Seu amor arranja tudo de uma maneira maravilhosa, de modo que todo homem possa se tornar perfeito, mesmo a despeito de si mesmo, deixando-se levar pela mão. Aqueles que sentem gratidão, preenchidos com um sentimento de vergonha por conta das bençãos recebidas, embarcam na luta espiritual como pessoas cruzando um rio dormindo, como fala São Efrém. Deus multiplica nossas provações, como diz São Isaac, para que por medo delas possamos nos refugiar NEle. Aquele que não entende isso, mas através da autoindulgência rejeita este dom, se mata e se destrói: tendo recebido armas para usar contra os inimigos, ele as usa para matar a si mesmo. Pois como Deus quer fazer o bem a todos por ser o próprio Bem, como diz São Basílio o Grande, também o demônio, por ser mau, deseja envolver a todos em sua própria depravação, ainda que ele não possa efetivar isso completamente. E assim como os pais, impelidos por seu amor ameaçam castigar seus filhos quando estes agem tolamente, também Deus permite provações e tentações porque elas são como uma vara que educa aqueles que são dignos de estar distantes das maleficências do diabo. "O que não faz uso da vara odeia o seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga". (Provérbios 13:24).
Autocentrados e autoindulgentes como somos, o perigo nos aflige de ambos os lados. Aqueles que amam Deus são salvos através das provações e tentações que Ele permite submeter-nos; no entanto, a despeito de tais provações nós somos ameaçados de sermos destruídos por causa de nosso orgulho e porque falhamos em permanecer fiéis a Deus, como crianças que são "castigadas e não morrem" (2 Coríntios 6:9). Logo, escolhamos o curso menos perigoso. Pois é preferível nos refugiarmos em Deus por sofrermos pacientemente o que quer que nos recaia do que nos distanciarmos DEle por medo de encarar as provações e tentações que Ele pode enviar; pois se nos afastarmos DEle cairemos nas mãos do demônio _ que significa a eterna destruição _ ou, preferencialmente, nós traremos com isso punição a nós mesmos. Pois nos é dada esta alternativa: temos de suportar provações e tentações temporárias ou então o castigo eterno. Os justos, por outro lado, estão livres tanto dos perigos que nos cercam e dão boas vindas com alegria ao que parece doloroso, pois abraçam as provações e tentações como oportunidades proveitosas, enquanto permanecem invulneráveis a elas. Porque se um homem é atingido por uma flecha, sem ser ferido, ele não irá morrer; é um homem que recebe uma feria mortal que irá perecer. Em que sentido a praga prejudicou Jó? Antes, ela não lhe deu glória? Ou a calamidade perturbou os apóstolos e mártires? Antes eles se regozijaram com ela, pois "eles se encontraram dignos de sofrer desgraça por causa do nome DEle" (Atos 5: 41). 
Quanto mais a vitória exige luta, mais ela é honrada e mais ela gera contentamento. Quando ele escuta o som da trombeta não sente medo pois é convocado a enfrentar a morte, antes, sente alegria porque isso prediz a glória daquele que o aguarda. Pois não há nada que tão literalmente prepare alguém para a vitória como a bravura combinada com uma firme fé; e nada que tão literalmente nos derrote para o egocentrismo e a covardia do que a falta de fé. E não há instrutor melhor para a coragem do que a diligência e a experiência; nem para a clareza de pensamento do que a leitura  espiritual na solidão. Nem há qualquer causa de esquecimento tão grande quanto a indolência, ou qualquer caminho mais rápido para o perdão dos pecados do que a paciência suportando o mal. Não há caminho mais seguro para obter o perdão dos pecados do que o arrependimento e a erradicação do mal e nem progresso mais rápido da alma do que aquele que corta os desejos e pensamentos. Nem há qualquer coisa maior do que rebaixar-se diante de Deus dia e noite pedindo que Sua vontade seja feita em todas as coisas; ou qualquer coisa pior do que amar a licença e a distração da alma ou do corpo. Pois tais licenças em nenhum sentido beneficiam aqueles de nós que se apegam ao bem porque ainda tememos os julgamentos e as punições. Pelo contrário, somos ajudados pela vigilância e pelo afastamento dos negócios mundanos, de modo que, ao renunciar aquelas coisas que nos prejudicam por causa de nossa fraqueza, nós podemos ser capazes de lutar com nossos pensamentos.
A regra desapaixonada rege os espíritos dominantes porque já triunfaram sobre suas paixões vergonhosas enquanto aqueles que estão ainda sob a obediência de um pai espiritual  devem lutar com os espíritos a quem estão subordinados. Tanto São Macário quanto o Abba Kronios dizem que há demônios regendo e demônios que são subordinados. Os demônios que dominam são a autoestima, a presunção e por ai vai; os demônios subordinados são a gula, a falta de castidade e coisas similares. Aqueles que obtiveram o amor perfeito têm o poder de fazer o que é bom sem ter de forçar a si mesmos: eles se alegram em fazer o que fazem e nunca desejariam cessar. Eles devem se alegrar se encontram um obstáculo imprevisível, agindo com completo controle: recolhidos em seu amor a Deus, eles recorrem imediatamente ao trabalho e à quietude espiritual, numa busca conhecida e deliciosa. É a tais homens que os padres dizem: 'Reze um pouco, leia um pouco, medite um pouco, trabalhe um pouco, esteja atento ao seu intelecto um pouco, e neste sentido passe seu tempo'. Eles podem dizer isso porque os não apaixonados têm controle sobre si mesmos e não são pecadoramente conduzidos para o cativeiro de seus próprios desejos. Quando eles querem, eles controlam o intelecto e comandam o corpo como se este fosse seu servo.
Nós, porém, devemos estar sujeitos à regra da vida, de modo que estamos sob a obrigação de fazer o que é bom, mesmo contra a nossa vontade. Pois nós ainda cedemos às nossas paixões e prazeres, para o conforto de nossos corpos e de nossos próprios desejos; e assim o inimigo conduz nosso intelecto aonde bem quer. De modo similar nosso corpo, dominado por impulsos desordenados, faz qualquer coisa desordenadamente. Isto é de se esperar; pois onde o intelecto não está no comando, tudo está fora de controle e é contrário à Natureza. Isto é completamente diferente com os verdadeiros Israelitas. Quando o Senhor diz a Natanael, "Eis aqui um verdadeiro israelita, onde não há falsidade" (João 1:47), por este meio ele proclama a virtude do homem, pois Natanael significa "zelo por Deus". O nome dado a ele por sua família foi Simão; ele foi chamado o Cananita porque veio de Caná da Galileia, e "Natanael" por causa de sua virtude. Assim o israelita -ou seja, o intelecto que vê a Deus - é sem falsidade. Pois, de acordo com São Basílio o Grande, é comum na Sagrada Escritura chamar um homem expressando uma virtude sua particular, de preferência ao nome lhe dado no nascimento. Assim é no caso dos dois principais apóstolos, Pedro e Paulo: Pedro foi primeiro chamado Simão e então dado o nome de Pedro por causa de sua firmeza (cf. Marcos 3:16), enquanto Saul, que significava 'tempestade' foi mudado para Paulo, que significa repouso, descanso (Atos 13:9). E isto foi apropriado: pois a princípio Paulo perturbou e incomodou os fiéis, mas mais tarde ele deu repouso às suas almas por palavras e atos, como diz dele São João Crisóstomo (Sobre a Mudança dos Nomes II, 2; IV, 3).

Considere a reverência manifestada por São Paulo. Quando ele desejava falar sobre Deus ele não começava até ter oferecido-Lhe as preces e a ação de graças que convinha a Ele, mostrando assim que era de Deus e que ele tinha seu conhecimento e força. E esta é a ordem justa, pois o conselho vem depois da oração. Também São Lucas não deixou os Atos dos Apóstolos incompleto por conta de negligência ou alguma coação mundana, mas porque ele partiu desta vida para estar com Deus. Nós, porém, deixamos nossas tarefas inacabadas por causa de nossa negligência ou debilidade, pois nós não cumprimos o trabalho a Deus diligentemente e não o reconhecemos como nossa principal tarefa; pelo contrário, nós o desdenhamos como coisa acidental. Por causa disso deixamos de prosperar, ou de fato regressamos frequentemente, como aqueles que "voltam as costas" e não mais seguem a Jesus (cf. João 6: 66). E ainda, diz São João Crisóstomo, o que Jesus disse não foi nada rigoroso, como supunham, já que explicava a doutrina. No entanto, quando a disposição firme e a boa vontade são escassos, as coisas fáceis parecem difíceis - embora o inverso seja igualmente verdadeiro.