Cristo Pantocrator

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O sexto estágio da contemplação

Sexto estágio da contemplação
 (continuação do post anterior)

Quando uma pessoa adquiriu o hábito do desapego, então lhe é garantido acesso ao sexto estágio da contemplação, que é conhecido como "força" (cf. Isaias 11:2). Neste estágio começa-se a olhar sem paixão para a beleza das coisas criadas.

Há três categorias de pensamento: o humano, o demoníaco e o angélico. O pensamento humano consiste em concepções abstratas, provenientes da consideração de alguma coisa criada, como homem, ouro, ou algum outro objeto sensível. O pensamento demoníaco consiste em uma imagem conceitual combinada às paixões. Considere-se, por exemplo, o pensamento acerca de um ser humano, mas de um pensamento acompanhado por afecções estúpidas, isto é, pelo desejo de um relacionamento não abençoado por Deus mas envolvendo falta de castidade; ou ainda, acompanhado por um ódio não razoável,  como rancor ou despeito. Novamente, considera-se o ouro de maneira avara ou com a intenção ou de roubo ou de confisco; ou ainda, é despertado ódio e blasfêmia contra as obras de Deus, ocasionando, deste modo, sua própria perdição. Pois se não amamos as coisas como deveriam ser amadas, mas as amamos mais do que amamos a Deus, então não passamos de idólatras, como diz São Máximo. Mas se, por outro lado, odiamos e desdenhamos coisas, falhamos em perceber que elas foram criadas 'totalmente boas e belas' (Gênesis 1:31), e assim provocamos a ira de Deus.

O pensamento angélico, finalmente, consiste na contemplação desapaixonada das coisas, que é o próprio conhecimento espiritual. Ele é o ponto médio entre precipícios, protegendo o intelecto e capacitando-o a distinguir entre sua verdadeira meta e as seis armadilhas diabólicas que as ameaçam. Estas armadilhas situam-se acima e abaixo, à direita e à esquerda, perto e distante da verdadeira meta do intelecto. O conhecimento espiritual autêntico firma-se no centro, cercado destas armadilhas. É o conhecimento ensinado por aqueles anjos terrenos que se fizeram mortos para o mundo, de modo que seus intelectos se desenvolveram sem apegos, vendo as coisas como devem ser vistas. Neste sentido, o intelecto não excede seu verdadeiro objetivo de orgulho e autoestima, compreendendo as coisas meramente a partir de seu próprio poder de pensamento; nem despenca, pois sua verdadeira meta é evitar a ignorância para se atingir a perfeição. Não vira à direita, odiando e rejeitando as coisas criadas, nem à esquerda através de afeições estúpidas por elas e unidas a elas. Ele não permanece no lado mais próximo de seu verdadeiro objetivo por causa de sua absoluta ignorância e preguiça, nem o ultrapassa ficando distante deste, atraído pelo espírito de intromissão e a curiosidade sem sentido que surge a partir do desprezo ou da malícia. De preferência, ele aceita o conhecimento espiritual com paciência, humildade e esperança que nascem de uma fé profunda. Neste sentido, através de seu conhecimento parcial das coisas o intelecto é levado para cima em direção ao amor divino. Mas, ainda que ele possua algum conhecimento, ele é consciente de que ainda é ignorante; e esta consciência o mantém em estado de humildade. Assim, através de uma esperança persistente e da fé ele alcança seu objetivo, nem odiando qualquer coisa como sendo absolutamente má, nem amando qualquer coisa além de sua medida.

Nós devemos observar o homem com maravilha, consciente de que seu intelecto, sendo infinito, é a imagem do Deus invisível; e que mesmo que ele seja por um tempo limitado pelo corpo, como diz São Basílio, ele pode abraçar todas as formas, assim como a Providência Divina abarca o universo inteiro. Pois o intelecto tem a habilidade para transformar-se em tudo, e é marcado com a forma do objeto que apreende. Mas quando ele é tomado para dentro de Deus, que é sem forma e sem imagem, ele se torna sem forma e sem imagem em si mesmo. Então, devemos nos maravilhar como o intelecto pode preservar qualquer pensamento ou ideia, e como um pensamento anterior não necessita ser modificado por outros pensamentos posteriores, ou um pensamento posterior ser prejudicado por um anterior. Pelo contrário, a mente armazena incansavelmente todos os pensamentos. Todos estes pensamentos, se novos ou velhos permanecem armazenados e o intelecto quando deseja pode expressar isso em linguagem; ainda que as palavras estejam sempre indo e vindo, a mente nunca se exaure.


Quando levamos em conta o corpo, devemos nos maravilhar do modo como os olhos, ouvidos e língua são usados externamente de acordo com os desejos da alma, os olhos através da luz, e ouvidos e língua por meio do ar; e como nenhum dos sentidos impedem o trabalho dos outros ou pode fazer qualquer coisa que a alma não tenha intenção de executar. Nós devemos nos maravilhar também que o corpo que não tem seu próprio princípio de animação é, no comando de Deus, combinado com a alma noética e deiforme, criado pelo Espírito Santo que soprou-lhe vida (cf. Gênesis 2:7), como diz São João de Damascos. É errado pensar, como fazem alguns, que a alma é uma emanação da cabeça divina, pois isto é impossível. Como diz São João Crisóstomo, "De modo a impedir o pensamento humano de pensar que é Deus, Deus o sujeitou à ignorância e ao esquecimento, para que deste modo ele possa adquirir humildade". Ele também disse que o Criador desejou que houvesse uma separação em sua intermistura natural de alma e corpo. A alma deiforme, como diz São João Clímaco, ou ascende para o céu ou vai para baixo no Hades, enquanto o corpo terreno retorna para a terra da qual foi tirado. Mas por meio da graça de nosso Salvador Jesus Cristo estes dois elementos separados são mais uma vez unidos em sua Segunda Vinda, de modo que cada um possa receber por suas próprias obras. Quem pode compreender esse mistério sem ficar atônito? Deus eleva o homem o homem novamente da terra mesmo após ele ter cometido tantos crimes terríveis, desprezando os divinos mandamentos, e Ele lhe outorga a mesma imortalidade concedida originariamente, ainda que o homem tenha infringido os mandamentos que lhe preservam da morte e da corrupção, e nesta arrogância ele trouxe a morte a si mesmo.

Iluminado espiritualmente através da inspiração angélica, o homem se maravilha com estas e muitas outras coisas concernentes à natureza humana. Novamente, ele contempla a beleza e a utilidade do ouro, e se maravilha com o fato de que tal coisa veio da terra, e de igual modo a fraqueza pode distribuir sua riqueza em atos de caridade, enquanto aqueles que não conseguem exercer tal caridade são ajudados a fazê-lo por várias provações não procuradas e contanto que elas sejam aceitas alegremente, elas conduzem à salvação. Assim, ambos os grupos são salvos. Aqueles, porém, que escolheram entregar todas as suas posses serão coroados com glória, pois - como aqueles que vivem na virgindade - eles cumprem o que transcende a natureza. Na medida em que o ouro é uma coisa perecível e terrena, não é para ser preferida aos mandamentos  de Deus; e como alguma coisa criada por Deus e útil para a vida do corpo e para a salvação, ela merece não nosso ódio, mas nosso amor e autocontrole.

Por contemplar assim desapegadamente a beleza e uso de cada coisa, aquele que é iluminado é preenchido com amor pelo Criador. Ele examina todas as coisas visíveis nos mundos superiores e inferiores: o céu, o sol, a lua, as estrelas e nuvens, os pingos d'água e a chuva, a neve e o granizo, quão grandes fenômenos, trovões, relâmpagos, ventos e brisas e o modo como eles mudam, as estações, os anos, os dias, as noites, as horas, os minutos, a terra, o mar, os rebanhos incontáveis, os animais quadrúpedes, as feras selvagens e os répteis, todos os tipos de pássaros, a primavera e os rios, as muitas variedades de plantas e ervas, tanto as selvagens quanto as cultivadas. Ele vê em todas as coisas a ordem, o equilíbrio, a proporção, a beleza, o ritmo, a união, a harmonia, a utilidade, a concordância, a variedade, a doçura, a estabilidade, o movimento, as cores, as formas, o retorno das coisas à sua fonte, sua permanência em meio à corrupção.

Contemplando assim todas as coisas criadas eles é preenchido de maravilhas. Ele se maravilha de como o Criador pelo simples comando trouxe os quatro elementos do nada; como, em virtude de Sua Sabedoria, os opostos não destroem uns aos outros; e como, fora dos quatro elementos Deus fez tudo para nossa salvação. Ainda como diz São Gregório o Teólogo, tais coisas são insignificantes em comparação com a encarnação de Cristo e com as bençãos que virão. Ele percebe também, como pela bondade e sabedoria de Deus, por Sua força e premeditação, que estão conciliadas nas coisas criadas, são trazidas à luz por potências artísticas do homem. É o modo como o Próprio Deus falou a Jó (cf. Jó 12: 13). De modo similar ele vê como por meio de palavras e letras _ através de fragmentos de tinta inanimada _ Deus revelou tão grandes mistérios a nós nas Sagradas Escrituras; e como, ainda mais maravilhosamente, os santos profetas e apóstolos ganharam tais bençãos através de seu grande labor e amor de Deus, enquanto nós podemos aprender sobre estas questões simplesmente pela leitura. Pois, inspirados pelo Logos, as Escrituras nos falam de coisas ainda mais surpreendentes.


 Quem quer que esteja consciente de tudo isso reconhece que não há nada incidental ou mau na criação, e mesmo o que se coloca contra a vontade de Deus é miraculosamente transformado por Deus em algo bom. Por exemplo, a queda no mal não foi vontade de Deus, ainda que tenha se tornado para a vantagem daqueles que seriam salvos. Pois o mal é permitido para tentar o eleito _ de acordo com a força de cada um, como diz São Isaac _ de modo que possa ser ridicularizado e derrotado por eles. E estas pessoas, que chegaram a ser como os anjos incluem não apenas homens, mas também grande número de mulheres. Por causa de sua tolerância paciente e fé no Divino Juiz, eles recebem, por Sua graça e compaixão, a coroa da imortalidade; pois Deus destruiu e continua a destruir a cobra assassina e indolente.

A pessoa que recebeu a graça do conhecimento espiritual sabe que todas as coisas são 'completamente boas e belas' (Gênesis 1:31); mas aquele que possui apenas os primeiros vislumbres de tais conhecimentos deve reconhecer, com toda a humildade que é ignorante e, como diz São João Crisóstomo, admitir em toda ocasião, 'Eu não sei'. Pois, como diz Crisóstomo, 'se alguém afirma que a altura do céu é tal, e eu digo que não sei, pelo menos eu falei a verdade, ao passo que a outra pessoa é enganada ao pensar que sabe enquanto de fato não sabe, como diz São Paulo (Cf. I Coríntios 8:2). É em consideração a isto que com firme fé e investigação devemos aceitar as doutrinas da Igreja e as decisões de seus mestres, tanto no que concerne às Sagradas Escrituras, quanto ao que interessa ao mundo físico e espiritual. De outro modo, podemos rapidamente despencar já que caminhamos de acordo com nosso próprio entendimento, como coloca São Doroteu. Nós devemos admitir nossa própria ignorância em todas as coisas, de modo que pela busca e  com desconfiança em nossa própria opinião possamos aspirar a aprender e, pela perda apesar do grande conhecimento, possamos realizar nossa própria ignorância através do reconhecimento da infinita sabedoria de Deus.

O intelecto, sendo espiritual, é capaz de toda percepção espiritual quando em si mesmo é purificado por Deus, de acordo com São Gregório, o Teólogo. Devemos almejar tal conhecimento com a maior apreensão, para que ele não fique oculto em nossa alma, já que uma simples má doutrina é capaz de destruí-lo sem que cometamos qualquer pecado, como diz São Basílio, o Grande. Por esta razão não devemos tentar, através da luta ou zelo arrogante, atingir este tipo de conhecimento contemplativo prematuramente; de preferência devemos praticar os mandamentos de Cristo na devida ordem e proceder sem distração através dos vários estágios da contemplação previamente expostos. Uma vez que purificamos a alma através do sofrimento paciente e com lágrimas de medo e tristeza interior, alcançamos o estado de ver a verdadeira natureza das coisas, então _iniciado espiritualmente pelos anjos_ o inteleto espontaneamente atinge este conhecimento contemplativo.

Mas se uma pessoa é presunçosa e tenta alcançar o segundo estágio antes de ter obtido o primeiro, então não apenas ele cairá segundo o propósito de Deus, mas provocará muitas batalhas contra si mesmo, particularmente através da especulação acerca da natureza do homem, como aprendemos no caso de Adão. Aqueles ainda sujeitos às paixões não lucrarão em nada se tentarem agir ou pensar como se já estivessem desapegados: comida sólida não é boa para bebês, ainda que seja excelente para o homem maduro (cf. Hebreus 5:14). Preferencialmente, devem exercitar o discernimento, desejando agir e pensar com desapego, mas se contendo, considerando-se indigno. Ainda quando vem a Graça não a devem rejeitar por desespero ou preguiça; nem devem presunçosamente necessitar algo prematuramente, para que, buscando o que tem seu momento e hora próprios antes do momento certo, como diz São João Crisóstomo, eles deixem de atingi-lo em seu tempo próprio, e caiam no delírio, para além da possibilidade de ajuda dos homens e da Escritura (Escada, etapa 6).

Se o propósito de alguém se fixa em Deus com humildade e ele pacientemente suporta as armadilhas que lhe chegam, Deus resolverá para ele qualquer questão que o confunda ou que talvez lhe conduza à desilusão. Então, grandemente envergonhado mas cheio de alegria, ele volta atrás, procurando o caminho dos pais. Pois, como estabelece São João Clímaco, devemos reconhecer que o que acontece o faz de acordo com a vontade de Deus, e nada mais, como vindo de graça para nosso próprio bem, mesmo que ele em si mesmo não seja muito bom. Sem tal paciência ou humildade uma pessoa sofrerá o que muitos sofreram, perecendo em sua estupidez, confiando em suas próprias opiniões e pensando que eles podem se dar bem mesmo sem um guia da experiência que venha da paciência e da humildade. Pois a experiência transcende a tribulação, as armadilhas e mesmo o estado de guerra. Uma pessoa de experiência deve se sujeitar a um ligeiro ataque da parte dos demônios, e esta armadilha será de grande alegria e proveito para ele; pois é permitido por Deus para que assim ele possa ganhar ainda mais experiência e coragem diante de seus inimigos.

Os sinais disso são lágrimas, contrição de alma diante de Deus, fuga para o silêncio e recorrência paciente a Deus, uma diligente investigação nas Escrituras e um desejo, baseado na fé, de cumprir com os propósitos de Deus. Quando, por outro lado, falta a alguém paciência e humildade, os sinais disso são dúvida com relação à ajuda divina, envergonhar-se de perguntar humildemente, anulação do silêncio e rejeição das Escrituras, amor pela distração e pela companhia humana, com a ideia _inteiramente extraviada_ que se pode obter repouso deste modo. Pelo contrário, é assim que as paixões encontram uma oportunidade para criar raízes, e que as armadilhas e tentações crescem mais fortemente, enquanto que por sua própria pusilanimidade, ingratidão e desatenção cai numa ignorância abundante.

As armadilhas impostas pelos pais espirituais de modo a disciplinar e instruir suas crianças espirituais são uma coisa; mas as armadilhas trazidas por nossos inimigos para nossa destruição são outras. Isto é especialmente verdadeiro quando estamos iludidos pelo orgulho; pois 'Deus resiste ao soberbo mas dá graça ao humilde' (cf. Tiago 4:6; Provérbios 3:34). Toda tribulação que aceitamos pacientemente é boa e profícua; mas o que não aceitamos pacientemente, nos conduz para longe de Deus e não serve a qualquer propósito útil. Quando isso acontece só existe a cura pela humildade. O homem humilde se auto censura e se envergonha e não culpa a ninguém mais quando sofre alguma aflição. Consequentemente, ele pacientemente espera por Deus para libertá-lo, e quando isto ocorre ele se alegra e permanece agradecido por aquilo que vier; a através do conhecimento destas coisas ele ganha conhecimento espiritual. Reconhecendo sua própria ignorância e fraqueza, ele procura diligentemente pelo Médico e, solicitando-O, O encontra, como o próprio Cristo disse (cf. Mateus 7:8). tendo o encontrado, ele cai de amores por Ele. Então, purificando-se tanto quanto é possível, ele luta em fazer morada em si mesmo para o Amado que tanto ama. E o Amado por quem anseia, encontrando morada neste homem, ocupa esta morada, como diz o Gerontikon. Lá habitando, Ele protege Sua casa, e a enche de luz. E a pessoa assim repleta com luz sabe e conhecendo é conhecido, como diz São João de Damascos.

Em tudo isso e no que foi dito acima, deve-se manter uma ordem própria, e deve-se trabalhar naquilo que se compreende. Pois o que não se pode compreender, deve-se dar Graças Silenciosas, como diz Santo Isaac, e não assumir presunçosamente que o entendeu. E Santo Isaac, tomando de empréstimo estas palavras de Siraque, também diz: "Quando encontrardes mel, come moderadamente, para que por excesso de autoindulgência não venhas a vomitá-lo" (cf. Provérbios 25:16). Como São Gregório, o Teólogo diz, "Contemplação descontrolada pode muito bem nos empurrar ao longo da margem, quando procuramos o que está além de nossas forças e somos relutantes em afirmar, 'Deus sabe destas coisas; mas quem sou eu?'". E São Basílio observa que devemos acreditar que Ele que fez as montanhas e os grandes monstros do mar,  também é quem tira o ferrão da picada da abelha. (Os seis dias da Criação, IX).


Assim, aquele que é forte o suficiente para alcançar conhecimento, apreende o espiritual do sensível, e o invisível e eterno do que é visível e transitório. Tendo apreendido, através da Graça, um conhecimento de poderes elevados, ele observa que um simples homem justo é mais digno do que o mundo inteiro. 'Considere a quantas línguas e nações os homens justos se destacam', diz São João Crisóstomo. 'Ainda que um anjo seja maior do que um homem, e a visão de um simples anjo seja suficiente para surpreendê-lo, lembrai o que aconteceu a Daniel, igual aos anjos, quando viu o anjo'. (Cf. Daniel 10: 5-21). (Sobre a Incompreensibilidade de Deus III, 4).