Cristo Pantocrator

sábado, 13 de julho de 2013

Desapego

continuação do post anterior

Desapego




Com certeza isso é sinal de desapego: permanecer calmo e sem medo em todas as coisas por ter recebido pela Graça de Deus a força para fazer qualquer coisa, como Paulo coloca (cf. Filipenses 4:13). Tal pessoa é totalmente desinteressada em sua vida material, mas se exercita em labores ascéticos à medida em que pode, para disso atingir um estado de repouso. Cheio de gratidão, ele se exercita ainda mais forçadamente, encontrando-se a si mesmo sempre engajado na batalha e triunfando com a ajuda da humildade. É por este meio que uma pessoa avança; pois, como diz Santo Isaac, coisas realizadas sem contundência não são obras mas dons de Deus. Se alguém encontrasse repouso após seus próprios esforços, seria o prêmio da derrota e não um motivo de glória. Não é aquele que recebe recompensa que deve ser louvado, mas aquele que se exercita forçadamente em seus labores e que nada recebe.

O que podemos dizer? Quanto mais agimos, mais damos graças ao nosso Benfeitor, mais somos Seus devedores; pois Ele é sem necessidade e desejo, enquanto sem Ele somos incapazes de fazer qualquer coisa boa (cf. João 15:5). A pessoa que se encontrou digna de louvar a Deus lucra mais do que Ele, pois recebeu um grande e maravilhoso dom de Graça. Quanto mais louva o Senhor, mais torna-se Seu devedor, até que finalmente não há mais limite ou interrupção para este conhecimento de Deus ou para dar graças ou para  a humildade, ou para o amor. Pois estas coisas não são deste mundo - o que significaria terem um fim - mas pertencem ao mundo eterno que não tem um fim e no qual, pelo contrário, é possível crescimento de conhecimento e dos dons da graça. Aquele que é em pensamento e prática digno daquele mundo é liberto de todas as paixões.

A fim de alcançar tudo isso, devemos focar nossa atenção em Deus, não ter interesse neste mundo, e não se desanimar com as provações e tentações. Começando deste mundo, devemos continuamente avançar, ascendendo ao mais alto nível ou realidade. Nós não devemos ser distraídos por qualquer coisa: nem por sonhos, se maus ou aparentemente bons, nem pelo pensamento de qualquer coisa, se bom ou mau, nem pelo engano ou aflição, nem pelo sentimento de abandono ou com força e ajuda ilusória, nem pela negligência ou progresso, nem pela preguiça ou zelo aparente, nem por aparente desapego ou união apaixonada. É preferível que pela humildade nos esforcemos em manter um estado de silêncio, livre de toda distração, sabendo que ninguém pode nos prejudicar a menos que nós desejemos isto.

Por causa de nossa vaidade e fracasso constantes temos de recorrer a Deus, devemos nos lançar diante DEle, pedindo que Sua vontade seja feita em todas as coisas e dizendo a cada pensamento que vem: eu não sei quem é você; Deus sabe se é bom ou não; eu me lancei nas mãos DEle e continuarei a fazê-lo, e Ele vai cuidar de mim (cf. 1 Pedro 5:7). Pois como Ele me criou do que não era, assim também com Seu poder vai salvar-me por Sua Graça se Ele assim escolher. A santidade assim será assegurada neste mundo e no próximo, como e quando Ele desejar. Eu não tenho vontade própria. Eu apenas sei uma coisa: a despeito de ter pecado grandemente, eu recebi grande benção; e eu nem sequer agradeci a Deus por sua bondade por meio de minhas ações e pensamentos, na medida em que isso me foi possível. Ainda assim, ele deseja salvar a todos os homens, incluindo a mim, como Ele deseja! Como posso saber, sendo apenas um homem, se Ele me quer para isto ou aquilo? Assim, por medo de pecar, eu fugi para a quietude; e por conta de meu pecado e fraqueza eu fio sentado fazendo nada em minha cela, como um prisioneiro, esperando o comando do Senhor.

No entanto, mesmo que percebamos que não estamos fazendo nada e que tudo está perdido, não vamos ter medo; pois se não deixamos nossas celas, nós aprenderemos a contrição da alma e derramaremos lágrimas sinceras. Mas novamente, é preciso que ansiemos realizar trabalhos espirituais e que nos sejam concedidas tais lágrimas,não para nos alegrarmos quanto a isso mas para nos colocarmos em guarda contra a fraude e nos prepararmos para a guerra.

Em suma, devemos nos desligar de todas as coisas, se boas ou más, para que nada nos perturbe e nós alcancemos um estado de quietude, lutando o tanto que pudermos, e se tivermos um conselheiro, fazendo o que nos foi dito fazer. Se não termos este superior conselheiro, nós devemos tomar Cristo como o nosso, perguntando-Lhe com humildade e com lágrimas sinceras advindas da pura oração sobre qualquer pensamento e empreendimento. Não nos deixemos presumir acreditando sermos monges bem testados até que tenhamos encontrado Cristo no mundo, como o Aba Agathon e São João Clímaco nos contam. Se nosso único propósito é fazer a vontade de Deus, Deus Próprio nos ensinará o que fazer, assegurando-nos diretamente, através do intelecto, ou através de alguma pessoa ou da Escritura. E se por amor a Deus amputamos nossa própria vontade, Deus nos capacitará em alcançar, com alegria inexprimível, uma perfeição que nunca havíamos conhecido; e quando sentirmos isso seremos repletos de admiração e veremos a alegria e o conhecimento espiritual começarem a brotar de todos os lados. Iremos tirar proveito de tudo e Deus reinará em nós, já que não teremos vontade própria, teremos nos submetido à santa vontade de Deus. Nós nos tornaremos como reis, assim que o que quer que desejemos nós receberemos sem esforço e demora de Deus, que nos tem sob seus cuidados.

Esta é a fé com a qual o Senhor disse ser possível mover montanhas (cf. Matteus 21:21); sobre isso, de acordo com São Paulo (cf. Colossenses 1:23), as outras virtudes estão fundadas. Por esta razão, o inimigo faz tudo o que pode para romper nosso estado de quietude e para nos fazer cair em tentação. E se nos encontramos de algum modo fracos na fé, confiando totalmente ou parcialmente em nossa força e juízo, ele toma vantagem disso e nos vence, fazendo-nos cativos, deploráveis que somos. Uma vez que tenhamos de fato compreendido isso verdadeiramente, seremos capazes de abandonar os delírios e comodidades deste mundo, e nos libertaremos tanto quanto possível das preocupações e ansiedades. Nós faremos isto isto também através da obediência, colocando nosso pai espiritual no lugar de Cristo, e referindo toda ideia, pensamento e ação a ele, de modo que não tenhamos nada que possamos chamar de nosso; ou seguindo o caminho do silêncio na fé resoluta, fugindo de todas as coisas.

Então, por nós, Cristo toma o lugar de todas as coisas e torna-se todas as coisas para nós, neste mundo e no que virá, como dizem São João Crisóstomo e São João de Damascos. Cristo nos alimenta, nos veste, nos traz alegria, nos encoraja, nos faz felizes, noa dá repouso, nos instrui e ilumina. Em suma, Cristo cuida de nós como Ele cuidou de seus discípulos; e mesmo que não tenhamos o trabalho que tiveram, se tivermos firmeza na fé, seremos libertos do auto-interesse que dominam as outras pessoas. Como os apóstolos em seu medo dos judeus, nós nos sentamos em nossa cela temendo o espírito do mal, e aguardamos nosso Mestre. Nós o aguardamos através da contemplação em pleno sentido, ou através do conhecimento  espiritual de Suas criaturas, nós podemos ser auxiliados a nos elevar noeticamente das paixões pela paz que nos é dada, como aconteceu de acordo com São Máximo aos apóstolos quando estavam com as portas cerradas. (Cf. João 20:19).

Humildade

continuação do post anterior

Humildade




São os seguintes sinais da humildade: quando possuindo toda virtude de corpo e alma, considera-se o maior devedor a Deus porque, embora indigno, recebeu tanto pela graça; quando julgado ou tentado pelos demônios ou pelos homens, reconhece ser merecedor de tais coisas - e muito mais - de modo que com isso uma pequena parte de sua dívida seja retirada e se consiga alguma mitigação do castigo esperado no dia do juízo; quando não sofre qualquer provação sente-se extremamente perturbado e aflito, e procura algum modo de se exercitar mais forçadamente; ao conseguir isto, novamente ele reconhece ser isto um dom de Deus para assim se humilhar ainda mais; e, não descobrindo qualquer coisa que se possa dar a Deus em retorno, continua a trabalhar e a se considerar de todos o maior dos devedores.