Cristo Pantocrator

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Que o silêncio é de grande benefício àqueles sujeitos às paixões

Também de São Pedro de Damasco
tradução da versão inglesa. Páginas 167 a 170


Silêncio e afastamento dos homens e dos negócios humanos são beneficiais a todos, mas especialmente àqueles que são fracos e sujeitos às paixões. Pois o intelecto não pode chegar ao desapego apenas por meio da prática ascética; tal prática deve ser seguida pela contemplação espiritual. Nem ninguém vai escapar ileso da distração ou exercerá autoridade sobre os demais a menos que ele tenha adquirido o desapego por meio do afastamento. Os cuidados e confusões desta vida são suscetíveis de prejudicar até mesmo os perfeitos e desapegados. O esforço humano é sem proveito, diz São João Crisóstomo, sem ajuda vinda de cima;  mas ninguém vai receber tal ajuda a menos que ele mesmo escolha fazer tal esforço. Necessitamos sempre de ambas as coisas; temos necessidade do humano e do divino, da prática ascética e do conhecimento espiritual, do medo e da esperança, da tristeza interior e do consolo, do temor e da humildade, de discernimento e de amor. Pois, conforme ele diz, todas as coisas na vida são dúplices: dia e noite, luz e trevas, saúde e doença, virtude e vício, facilidade e adversidade, vida e morte. Através da ajuda do alto, nós, em nossa fraqueza, viemos adorar a Deus, enquanto que por nosso próprio esforço fugimos do pecado porque temos medo do julgamento. Mas se somos fortes nós podemos amar a Deus como nosso Pai em todas as coisas, sabendo que todas as coisas são "muito boas e belas" (Gênesis 1:31) e que Deus os criou para nosso benefício. Nós vamos coibir-nos de prazeres e abraçarmos a adversidade, sabendo que através de tal autocontenção nossos corpos estarão imbuídos de vida para a Glória do Criador, enquanto que através da adversidade nossas almas serão auxiliadas para a salvação pela misericórdia inefável de Deus.

Os homens são de três tipos: ou escravos, ou serviçais ou filhos. Escravos não amam o bem, mas se coíbem do mal em temor à punição; isto é observado por São Doroteu (Instrução IV; 47-48) como uma coisa boa, mas não totalmente de acordo com a vontade de Deus. Serviçais amam o que é bom e odeiam o que é mau sem esperança de recompensa. Mas os filhos, sendo perfeitos, coíbem-se do mal, não por medo de punição, mas porque odeiam o mal violentamente; e eles fazem o que é bom, não pela esperança de recompensa, mas por consideraram este o seu dever. Eles amam o desapego porque isso imita a Deus e O conduz a habitar neles; por conta disso eles se abstém de todo mal, mesmo que nenhuma punição os ameace. Pois a menos que sejamos desapegados, Deus em Sua Santidade não nos enviará Seu Santo Espírito sobre nós, para que o Templo Santo de Deus, nosso corpo, não seja violado por conta do hábito de ser ainda atraído pelas paixões e assim ainda incorrer em maior condenação. Mas quando estamos firmados na virtude, e já não somos amigáveis com os demônios, nem incitados por nossos hábitos apaixonados, recebemos a Graça e não somos passíveis de condenação ao recebê-la. É por esta razão, de acordo com São João Clímaco (Escada, degrau 26) que Deus não revela Sua vontade para nós com receio de que, após apreendida, nós O desobedeçamos e incorramos em maior condenação, decaindo como crianças incapazes de reconhecer nossa ingratidão para com Sua misericórdia sem limites para conosco. Pois, se queremos aprender a vontade divina, ele diz, devemos morrer para o mundo inteiro e para todo desejo nosso.

Nós não devemos fazer qualquer coisa sobre a qual sentimos a mínima hesitação, nem devemos considerar qualquer coisa boa a menos que não possamos viver ou ser salvas sem ela. Esta é a razão que devemos sempre perguntar aos homens experientes. Neste sentido, através da firme oração e da firme fé nós recebemos uma garantia, até que chegue o momento em que atinjamos o perfeito desapego que faz nosso intelecto invulnerável e invencível em qualquer boa atividade. Assim, a batalha é grande, mas permanecemos ilesos. "O Meu poder vem em plenitude em sua fraqueza", diz o Senhor a São Paulo, e São Paulo acrescenta: "Quando sou fraco, aí é que sou forte" (2 Cor. 12: 9-10). Não é bom estar livre da luta. Pois os demônios recuam por várias razões, como explica São João Clímaco (Escada, degrau 15): "pode ser para fazer uma emboscada, enchendo-nos de presunção; deixando-nos com a auto-exaltação ou qualquer outro mal, contentando-nos com isso e enchendo-nos novamente de outras paixões".

Os padres, diz o Gerontikon, guardam os mandamentos; seus sucessores escreveram isso; mas nós colocamos seus livros nas prateleiras. E se quisermos lê-los, não teremos aplicação para entender o que é dito e ainda colocar em prática; nós os lemos ou como uma coisa incidental, ou porque julgamos que ao lê-los estaremos fazendo algo grande, enquanto só estamos crescendo no orgulho. Não nos damos conta de que incorremos em grande condenação se não colocamos em prática aquilo que lemos, como diz São João Crisóstomo. E devemos nos lembrar o que o Senhor diz acerca do servo que sabia da vontade de seu senhor, mas falhou em realizá-la. (Cf. Lucas 12:47).

Destarte, leitura e conhecimento espiritual são bons, mas apenas quando eles conduzem a uma grande humildade; e pedir conselho é bom, desde que não estejamos movidos pela curiosidade em conhecer a vida de nosso mestre. Como diz São Gregório, o teólogo: "Não questione a autoridade de quem o instrui ou de quem ora por ti" (Oração 19,10). O próprio senhor nos ordenou a seguir os conselhos e preceitos que os padres nos dão (Cf. Mateus 23:3). Pois as ações daqueles a quem pedimos conselhos não nos prejudicam; nem, por outro lado, seus conselhos terão alguma serventia se não os pusermos em prática. Cada um terá de dar conta de si mesmo; o professor por seus ensinamentos; o discípulo por sua obediência em fazer o que lhe é dito. Tudo o que se afasta disso é contrário à natureza e merece condenação. Como disse Santo Evstratios: "Deus é bom e justo, e em Sua bondade nos concede todo tipo de coisa boa, de modo que temos de ser gratos, reconhecendo por nossa ação de graças o bem recebido. Mas se somos ingratos, somos condenados pelo justo julgamento de Deus" (Apophthegmata, Sisois 38). Assim tanto a bondade quanto a justiça de Deus nos fornecem todo tipo de coisa boa; se fazemos mal uso de Seus dons, eles vão nos conduzir ao castigo vindouro.