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Os sete mandamentos
Se queremos ter um bom começo, devemos nos concentrar na prática destas setes formas de disciplina corporal e em nada mais: de outro modo nós cairemos no precipício ou, de preferência, no caos. Tanto no caso dos sete dons do Espírito quanto nas Beatitudes do Senhor, nos é ensinado que se não começamos com temor, nunca ascenderemos ao resto. Pois, como diz Davi, "o temor do Senhor é o início da sabedoria" (Salmo 111:10). Outro profeta inspirado descreve os sete dons como "o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito de conselho e fortaleza, o espírito de ciência e devoção, o espírito de temor de Deus" (cf. Isaías 11: 2-3). Nosso Senhor mesmo começa seus ensinamentos falando do temor, pois Ele diz, "Bem aventurados são os pobres de espírito" (Mateus 5:3) ou seja, aqueles que temem a Deus e são inexpressivelmente contritos de alma. Pois o Senhor estabeleceu isso como o mandamento básico, sabendo que sem isto mesmo vivendo no céu será sem proveito, pois assim ainda restará a loucura por meio da qual o demônio, Adão e muitos outros caíram.
Se então, nós desejamos manter o primeiro mandamento - que é, possuir o temor do Senhor - devemos meditar profundamente nas contingências da vida já descritas e nas bençãos incontáveis e sem medida de Deus. Devemos considerar o quanto ele tem feito e continua a fazer por nossa salvação através de coisas visíveis e invisíveis, através de mandamentos e dogmas, ameaças e promessas; como Ele guarda, nutre e nos provê, dando-nos a vida e nos salvando dos inimigos visto e dos não vistos; como pelas orações e intercessões dos santos Ele cura as doenças causadas por nossa própria desordem; como Ele é sempre longânimo sobre nossos pecados, nossa irreverência, nossa delinquência - sobre todas aquelas coisas que fizemos, estamos fazendo e faremos, das quais Sua Graça nos salvou; como Ele é paciente com nossas ações, palavras e pensamentos que provocam a Sua ira; E não apenas como Ele sofre por nós mas ainda nos concede grandes bençãos, agindo diretamente, ou por meio dos anjos, da Escritura, através dos homens justos e dos profetas, apóstolos e mártires, pregadores e dos santos padres.
Mais ainda, não devemos apenas recordar os sofrimentos e lutas dos santos e mártires, mas devemos também refletir com admiração na humilhação de si mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o modo como Ele viveu no mundo, Sua Pura Paixão, a Cruz, Sua morte, sepultamento, ressurreição e ascensão, o advento do Espírito Santo, os milagres indescritíveis que estão sempre acontecendo todos os dias, o paraíso, a coroa da glória, a adoção filial que Ele nos concede, e todas as coisas contidas nas Sagradas Escrituras e muito mais. Se trazemos tudo isso à mente, nos surpreenderemos com a compaixão de Deus, e com temor nos maravilharemos de sua indulgência e paciência. Nós nos afligiremos por conta do que perdeu nossa natureza: demônios, paixões e pecados. Neste sentido nossa alma será preenchida com contrição, pensando todos os males que causamos por nossa maldade e malandragem dos demônios.
Assim Deus nos concede a benção da tristeza interior, que constitui o segundo mandamento. Pois, como diz Cristo, "Bem aventurados os que choram" (Mateus 5:4) - quem se lamenta por si mesmo e também por amor e compaixão pelos demais. Nos tornamos como aquele que chora um morto, por perceber as consequências terríveis das coisas que fizemos antes de nossa morte terão para nós depois dela; e lamentaremos amargamente, das profundezas de nosso coração com inexpressível lamento. As honras do mundo ou desonras não mais nos interessam; nos tornamos indiferentes à própria vida, esquecendo-nos frequentemente de comer por conta da dor de nosso coração e nossa lamentação sem fim.
Neste sentido, a Graça de Deus, nossa mãe universal, nos dará mansidão, assim que começarmos a imitar Cristo. Isto constitui o terceiro mandamento; pois o Senhor diz, "Bem aventurados os mansos" (Mateus 5:5). Assim nos tornamos uma rocha firmemente enraizada, que não sacode com os ventos e tempestades da vida, sempre a mesma, se rica ou pobre, nas comodidades ou dificuldades, na honra ou na desonra. Em suma, a todo momento e o que quer que façamos, nós estaremos conscientes de que todas as coisas, se doces ou amargas, são passageiras, e que esta vida é um caminho que conduz à vida futura. Nós reconheceremos que, quer gostemos ou não, o que acontece acontece; ficar chateado com isso é inútil e ademais nos priva da coroa da paciência e nos mostra revolta contra a vontade de Deus. Pois o que quer que Deus faça é 'plenamente bom e belo' (Gen. 1:31), mesmo se não estamos conscientes disso. Como o Salmo fala: "Ele ensinará o manso como julgar" (Salmo 25:9) ou, preferencialmente, como exercer o discernimento. Assim, mesmo se alguém se torna furioso conosco, nós não estamos em problema; pelo contrário, ficamos felizes porque nos foi dada a oportunidade de exercer e trazer proveito ao nosso entendimento, reconhecendo que não seríamos tentados neste caminho se não houvesse alguma causa para isso. Voluntariamente ou involuntariamente devemos ter ofendido a Deus, ou a um irmão, ou alguém mais, e agora nos está sendo dada a oportunidade de receber perdão por isso. Pois pela tolerância paciente podemos ser agraciado com o perdão de vários pecados. Ademais, se não perdoamos os débitos dos outros, o Pai não nos perdoará nossos débitos (cf. Mateus 6:15). Inclusive, nada nos leva mais rápido ao perdão dos pecados do que esta virtude ou mandamento: "Perdoai, e vos será perdoado" (cf. Mateus 6:14).
É isto então o que percebemos quando imitamos Cristo, crescendo a mansidão pela graça do mandamento. Mas se estamos angustiados com nosso irmão, este irmão foi tentado pelo inimigo por causa de nossos pecados, e assim ele se torna um remédio para a cura de nossa fraqueza. Toda provação e tentação é permitida por Deus como cura para alguma doença da alma da pessoa. De fato, tais provações não apenas conferem para nós perdão de nossos pecados passados e presentes, mas também agem para antever os pecados ainda não cometidos. Mas isto não é crédito também do demônio, ou da pessoa que tenta, ou da pessoa tentada. O demônio, por ser maleficente, merece nosso ódio, porque ele não tem nenhum interesse em nosso bem estar. A pessoa que nos tenta merece nossa compaixão, não porque nos tenta por amor, mas porque está iludido e oprimido. A pessoa tentada, finalmente, permanece aflita por causa de seus próprios pecados, não em benefício de algo mais. Fosse ele sem pecado - o que é impossível - ele ainda suportaria as aflições na esperança do reconhecimento e sem medo de castigo. Tal é então a situação destes três. Mas Deus, sendo auto-suficiente e dando a cada um o que é necessário para seu proveito, merece principalmente nossa gratidão, já que Ele pacientemente suporta tanto os demônios quanto a perversão dos homens, e ainda outorga Suas bençãos sob estes que se arrependem tanto antes quanto depois de pecarem.
Assim, a pessoa que foi agraciada com a benção de manter o terceiro mandamento, e que deste modo adquiriu plenitude de discernimento, não mais será enganada consciente ou inconscientemente. De fato, tendo recebido a graça da humildade, ela se reconhecerá a si mesma como nada. Pois a mansidão é a substância da humildade, e humildade é a porta que conduz ao desapego. Pelo desapego um homem entra no amor perfeito inalterável; pois ele entende sua própria natureza - o que foi antes do nascimento e o que será depois da morte. Pois a vida do homem é ligeira, odor de curta duração, mais vil do que de outras criaturas. Pois nenhum ser criado, animado ou inanimado, subverteu a vontade de Deus, exceto o homem e ainda que carregado de benção infinita, irrita Deus.
Esta é a razão de ter sido dado ao homem o quarto mandamento, que é o desejo de adquirir virtudes. "Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça" (Mateus 5: 6). Ele se transforma em alguém que tem fome e sede de toda justiça, isto é, tanto das virtudes corporais quanto pelas virtudes morais da alma. Aquele que provou a doçura dos mandamentos, e percebe que eles gradualmente o conduzem à imitação de Cristo, deseja adquiri-los todos, e como resultado ele desdenha até mesmo a morte por seu amor. Vislumbrando os mistérios do Deus escondido nas Sagradas Escrituras, ele está sedento em compreendê-los plenamente; e quanto mais conhecimento ele ganha, mais ele tem sede, queimando como se bebesse chama. E como o Divino não pode ser compreendido plenamente por ninguém, ele continua sedento para sempre.

Nem é necessário, obviamente, ter posses para mostrar misericórdia. Posses, preferivelmente, são uma grande fraqueza. De fato, é melhor não ter nada a dar e ainda assim estar cheio de simpatia por todos. E se nós temos alguma coisa a dar para aqueles em necessidade, nós devemos, nós mesmos nos desapegarmos das coisas desta vida, e ainda nos sentirmos plenamente envolvidos com nossos companheiros. Nem devemos, em nossa arrogância, pretendermos ensinar ensinar os outros quando ainda não somos capazes de ensinar pelo exemplo; ainda que possamos usar a desculpa de estar ajudando almas em perigo, a verdade é que somos ainda mais fracos do que aqueles a quem ousamos auxiliar. Pois toda ação deve ser feita no tempo certo e com discernimento, para que não se torne inoportuna nem prejudicial. Ajudar alguém na fraqueza é sempre melhor, assim como dar todos os bens é de longe superior a dar esmolas.
É pelo desapego que alguém está capacitado a cumprir o sexto mandamento: "bem aventurados os puros de coração" (Mateus 5:8). Os puro de coração são aqueles que realizaram todas as virtudes pela reflexão e pela devoção e chegaram a ver a verdadeira natureza das coisas. Neste sentido, eles encontram paz em seus pensamentos. Pois, como o sétimo mandamento coloca, "bem aventurados são os pacificadores" (Mateus 5:9), isto é, aqueles que têm alma e corpo em paz, submetendo a carne ao espírito, de modo que a carne não se insurja contra o espírito (cf. Gálatas 5:17). Como alternativa, a graça do Espírito Santo reina em suas almas e o conduz onde quer, dando conhecimento divino que capacita o homem a suportar a perseguição, difamação e maus tratos, "por causa da justiça" (Mateus 5:10), regozijando-se porque "será grande sua recompensa no céu" (Mateus 5:12).
Todas as bem aventuranças podem fazer do homem um deus pela graça; ele se torna manso, nostálgico por justiça, caritativo, desapegado, pacificador, e suportando toda dor com alegria, por amor a Deus e aos seus semelhantes. Pois as Bem Aventuranças são dons de Deus e nós devemos agradecer a Ele grandemente por elas e pelas recompensas prometidas: o reino dos céus, a renovação espiritual deste mundo, a plenitude da benção de Deus e todas as misericórdias, Sua manifestação quando contemplamos os mistérios ocultos encontrados nas Sagradas Escrituras e em todas as coisas criadas e a grande recompensa no céu (cf. Mateus, 5:12). Pois se nós aprendermos enquanto estamos na terra a imitar a Cristo e receber a benção inerente a cada mandamento, nós seremos agraciados com o supremo bem e a meta última de nosso desejo. Como diz o apóstolo, Deus, que habita uma luz inacessível, é solitário em sua bem aventurança (cf. Timóteo 6: 15-16). Nós, de nossa parte, temos o dever de manter os mandamentos – ou, de preferência, de ser guardados por ele; pois por eles Deus em sua compaixão dará ao crente o prêmio tanto neste mundo como no que há de vir.
Quando por doce tristeza interior tudo isso tiver sido consumado, então o intelecto
encontrará alívio para as paixões; e vertendo sobre os pecados muitas lágrimas amargas, se reconciliará a Deus. Ele é crucificado com Cristo espiritualmente pela prática moral, isto é, por guardar os mandamentos e os cinco sentidos, para que assim não realizem nada contrário à sua natureza. Restringindo impulsos irracionais, o intelecto começa a refrear as paixões de ira e desejo que os envolvem. Algumas vezes ele ameniza a ira tempestuosa com a mansidão do desejo; em outras vezes ele acalma o desejo com a severidade da ira. Então, caindo em si, o intelecto reconhece sua própria dignidade - para ser mestre de si mesmo- e é capaz de ver as coisas como elas são verdadeiramente; pois seus olhos, tornados cegos pelo demônio, através da tirania das paixões, é aberto. Então o homem é agraciado com a felicidade de ser queimado espiritualmente com Cristo, assim que ele se liberta das coisas deste mundo e não é mais cativo da beleza exterior. Ele olha ouro e prata como pedras preciosas e ele sabe que como outras coisas inanimadas como a pedra e a madeira elas são terrenas, e que também o homem, depois da morte é um punhado de poeira e mofo no túmulo. Olhando todas as alegrias desta vida como nada, ele olha para sua alteração contínua com o discernimento que vem de seu conhecimento espiritual. Alegremente ele morre para o mundo, e o mundo se torna morto para ele: ele não tem mais sentimentos violentos dentro dele, mas apenas desapego e mansidão.
Assim, em virtude da pureza de sua alma, ele é encontrado digno de ser ressuscitado com Cristo espiritualmente, e recebe a força para olhar sem paixão a beleza exterior das coisas visíveis e louvar ao Criador de todas elas. Contemplando nas coisas visíveis o poder de Deus e a providência, Sua bondade e sabedoria, como diz São Paulo (cf. Romanos 1: 20-21) e percebendo os mistérios ocultos nas Divinas Escrituras, é dada a seu intelecto a graça de ascender com Cristo pela contemplação das realidades inteligíveis, isto é, pelo conhecimento dos poderes inteligíveis. Percebendo, depois de lágrimas de entendimento e gozo, o invisível através do visível (cf. Romanos 1; 20) e o eterno através do transitório, ele percebe que este é um mundo efêmero, que é um lugar de exílio e castigo para aqueles que transgrediram os mandamentos de Deus e quão belas, tão mais belas deverão ser as bençãos "Que Deus preparou para aqueles que O amam" (I Cor. 2: 9). E se estas bençãos estão além de toda nossa concepção, quanto mais deve estar o Deus que criou todas as coisas do nada.
Se você se desligar todas as outras atividades e dar-se inteiramente ao cultivo das virtudes de alma e corpo, que é o que os padres chamam de devoção religiosa; e se você desconsiderar qualquer sonho ou pensamento privado não confirmado pela Escritura, e rejeitar toda companhia inútil, não escutando ou lendo qualquer coisa infrutífera, e especialmente qualquer coisa que envolva heresia, então as lágrimas de gozo e entendimento copiosamente do fundo se derramarão e você se banhará de plenitude. Neste sentido você atingirá outra forma de oração, a forma da pura oração, própria ao contemplativo. Pois assim como se tem uma forma de leitura, uma forma de lágrima e oração, agora temos outra. Já que seu intelecto se moveu para a esfera da contemplação espiritual, deve-se ler agora todas as partes da Escritura, não mais sentindo dificuldade nas passagens mais obscuras, como é o caso daqueles que ainda estão no início da prática ascética, que são fracos em sua ignorância.
Em sua luta persistente na prática das virtudes de corpo e alma, se é crucificado com Cristo e queimado com ele pelo conhecimento das coisas criadas, tanto conhecendo suas naturezas quanto as mudanças que sofrem; e se ressuscita com Ele através do desapego e pelo conhecimento dos mistérios de Deus inerentes no mundo visível. Como resultado deste conhecimento ascende-se com Cristo ao mundo transcendente através do conhecimento das realidades inteligíveis e dos mistérios ocultos nas divinas Escrituras. Move-se do medo para a devoção religiosa, de onde brota o conhecimento espiritual; deste conhecimento nasce o julgamento, isto é, o discernimento; do discernimento vem a força que conduz ao entendimento, do qual germina a sabedoria.
Ao passar por todos estes níveis de prática e contemplação garante-se a pura e perfeita oração, firmada em nós pela paz e amor de Deus e pela morada do Espírito Santo. Isto é o que significa dizer, 'Ganhar a posse de Deus em si mesmo'; e, como disse São João Crisóstomo, esta manifestação e habitação de Deus é percebida quando seu corpo e alma tornam-se o quanto possível sem pecado, como aquele de Cristo; e quando você o tem, em virtude de Cristo,o intelecto apreende, pela graça e sabedoria do Espírito Santo, o conhecimento das coisas tanto humanas quanto divinas.
Em sua luta persistente na prática das virtudes de corpo e alma, se é crucificado com Cristo e queimado com ele pelo conhecimento das coisas criadas, tanto conhecendo suas naturezas quanto as mudanças que sofrem; e se ressuscita com Ele através do desapego e pelo conhecimento dos mistérios de Deus inerentes no mundo visível. Como resultado deste conhecimento ascende-se com Cristo ao mundo transcendente através do conhecimento das realidades inteligíveis e dos mistérios ocultos nas divinas Escrituras. Move-se do medo para a devoção religiosa, de onde brota o conhecimento espiritual; deste conhecimento nasce o julgamento, isto é, o discernimento; do discernimento vem a força que conduz ao entendimento, do qual germina a sabedoria.
Ao passar por todos estes níveis de prática e contemplação garante-se a pura e perfeita oração, firmada em nós pela paz e amor de Deus e pela morada do Espírito Santo. Isto é o que significa dizer, 'Ganhar a posse de Deus em si mesmo'; e, como disse São João Crisóstomo, esta manifestação e habitação de Deus é percebida quando seu corpo e alma tornam-se o quanto possível sem pecado, como aquele de Cristo; e quando você o tem, em virtude de Cristo,o intelecto apreende, pela graça e sabedoria do Espírito Santo, o conhecimento das coisas tanto humanas quanto divinas.