Cristo Pantocrator

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os sete mandamentos

Continuação do post anterior.
Páginas 93 a 100

Os sete mandamentos


Se queremos ter um bom começo, devemos nos concentrar na prática destas setes formas de disciplina corporal e em nada mais: de outro modo nós cairemos no precipício ou, de preferência, no caos. Tanto no caso dos sete dons do Espírito quanto nas Beatitudes do Senhor, nos é ensinado que se não começamos com temor, nunca ascenderemos ao resto. Pois, como diz Davi, "o temor do Senhor é o início da sabedoria" (Salmo 111:10). Outro profeta inspirado descreve os sete dons como "o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito de conselho e fortaleza, o espírito de ciência e devoção, o espírito de temor de Deus" (cf. Isaías 11: 2-3). Nosso Senhor mesmo começa seus ensinamentos falando do temor, pois Ele diz, "Bem aventurados são os pobres de espírito" (Mateus 5:3) ou seja, aqueles que temem a Deus e são inexpressivelmente contritos de alma. Pois o Senhor estabeleceu isso como o mandamento básico, sabendo que sem isto mesmo vivendo no céu será sem proveito, pois assim ainda restará a loucura por meio da qual o demônio, Adão e muitos outros caíram.

Se então, nós desejamos manter o primeiro mandamento - que é, possuir o temor do Senhor - devemos meditar profundamente nas contingências da vida já descritas e nas bençãos incontáveis e sem medida de Deus. Devemos considerar o quanto ele tem feito e continua a fazer por nossa salvação através de coisas visíveis e invisíveis, através de mandamentos e dogmas, ameaças e promessas; como Ele guarda, nutre e nos provê, dando-nos a vida e nos salvando dos inimigos visto e dos não vistos; como pelas orações e intercessões dos santos Ele cura as doenças causadas por nossa própria desordem; como Ele é sempre longânimo sobre nossos pecados, nossa irreverência, nossa delinquência - sobre todas aquelas coisas que fizemos, estamos fazendo e faremos, das quais Sua Graça nos salvou; como Ele é paciente com nossas ações, palavras e pensamentos que provocam a Sua ira; E não apenas como Ele sofre por nós mas ainda nos concede grandes bençãos, agindo diretamente, ou por meio dos anjos, da Escritura, através dos homens justos e dos profetas, apóstolos e mártires, pregadores e dos santos padres.

Mais ainda, não devemos apenas recordar os sofrimentos e lutas dos santos e mártires, mas devemos também refletir com admiração na humilhação de si mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o modo como Ele viveu no mundo, Sua Pura Paixão, a Cruz, Sua morte, sepultamento, ressurreição e ascensão,  o advento do Espírito Santo, os milagres indescritíveis que estão sempre acontecendo todos os dias, o paraíso, a coroa da glória, a adoção filial que Ele nos concede, e todas as coisas contidas nas Sagradas Escrituras e muito mais. Se trazemos tudo isso à mente, nos surpreenderemos com a compaixão de Deus, e com temor nos maravilharemos de sua indulgência e paciência. Nós nos afligiremos por conta do que perdeu nossa natureza: demônios, paixões e pecados. Neste sentido nossa alma será preenchida com contrição, pensando todos os males que causamos por nossa maldade e malandragem dos demônios.

Assim Deus nos concede a benção da tristeza interior, que constitui o segundo mandamento. Pois, como diz Cristo, "Bem aventurados os que choram" (Mateus 5:4) - quem se lamenta por si mesmo e também por amor e compaixão pelos demais. Nos tornamos como aquele que chora um morto, por perceber as consequências terríveis das coisas que fizemos antes de nossa morte terão para nós depois dela; e lamentaremos amargamente, das profundezas de nosso coração com inexpressível lamento. As honras do mundo ou desonras não mais nos interessam; nos tornamos indiferentes à própria vida, esquecendo-nos frequentemente de comer por conta da dor de nosso coração e nossa lamentação sem fim.

Neste sentido, a Graça de Deus, nossa mãe universal, nos dará mansidão, assim que começarmos a imitar Cristo. Isto constitui o terceiro mandamento; pois o Senhor diz, "Bem aventurados os mansos" (Mateus 5:5). Assim nos tornamos uma rocha firmemente enraizada, que não sacode com os ventos e tempestades da vida, sempre a mesma, se rica ou pobre, nas comodidades ou dificuldades, na honra ou na desonra. Em suma, a todo momento e o que quer que façamos, nós estaremos conscientes de que todas as coisas, se doces ou amargas, são passageiras, e que esta vida é um caminho que conduz à vida futura. Nós reconheceremos que, quer gostemos ou não, o que acontece acontece; ficar chateado com isso é inútil e ademais nos priva da coroa da paciência e nos mostra revolta contra a vontade de Deus. Pois o que quer que Deus faça é 'plenamente bom e belo' (Gen. 1:31), mesmo se não estamos conscientes disso. Como o Salmo fala: "Ele ensinará o manso como julgar" (Salmo 25:9) ou, preferencialmente, como exercer o discernimento. Assim, mesmo se alguém se torna furioso conosco, nós não estamos em problema; pelo contrário, ficamos felizes porque nos foi dada a oportunidade de exercer e trazer proveito ao nosso entendimento, reconhecendo que não seríamos tentados neste caminho se não houvesse alguma causa para isso. Voluntariamente ou involuntariamente devemos ter ofendido a Deus, ou a um irmão, ou alguém mais, e agora nos está sendo dada a oportunidade de receber perdão por isso. Pois pela tolerância paciente podemos ser agraciado com o perdão de vários pecados. Ademais, se não perdoamos os débitos dos outros, o Pai não nos perdoará nossos débitos (cf. Mateus 6:15). Inclusive, nada nos leva mais rápido ao perdão dos pecados do que esta virtude ou mandamento: "Perdoai, e vos será perdoado" (cf. Mateus 6:14).

É isto então o que percebemos quando imitamos Cristo, crescendo a mansidão pela graça do mandamento. Mas se estamos angustiados com nosso irmão,  este irmão foi tentado pelo inimigo por causa de nossos pecados, e assim ele se torna um remédio para a cura de nossa fraqueza. Toda provação e tentação é permitida por Deus como cura para alguma doença da alma da pessoa. De fato, tais provações não apenas conferem para nós perdão de nossos pecados passados e presentes, mas também agem para antever os pecados ainda não cometidos. Mas isto não é crédito também do demônio, ou da pessoa que tenta, ou da pessoa tentada. O demônio, por ser maleficente, merece nosso ódio, porque ele não tem nenhum interesse em nosso bem estar. A pessoa que nos tenta merece nossa compaixão, não porque nos tenta por amor, mas porque está iludido e oprimido. A pessoa tentada, finalmente, permanece aflita por causa de seus próprios pecados, não em benefício de algo mais. Fosse ele sem pecado - o que é impossível - ele ainda suportaria as aflições na esperança do reconhecimento e sem medo de castigo. Tal é então a situação destes três. Mas Deus, sendo auto-suficiente e dando a cada um o que é necessário para seu proveito, merece principalmente nossa gratidão, já que Ele pacientemente suporta tanto os demônios quanto a perversão dos homens, e ainda outorga Suas bençãos sob estes que se arrependem tanto antes quanto depois de pecarem.

Assim, a pessoa que foi agraciada com a benção de manter o terceiro mandamento, e que deste modo adquiriu plenitude de discernimento, não mais será enganada consciente ou inconscientemente. De fato, tendo recebido a graça da humildade, ela se reconhecerá a si mesma como nada. Pois a mansidão é a substância da humildade, e humildade é a porta que conduz ao desapego. Pelo desapego um homem entra no amor perfeito inalterável; pois ele entende sua própria natureza - o que foi antes do nascimento e o que será depois da morte. Pois a vida do homem é ligeira, odor de curta duração, mais vil do que de outras criaturas. Pois nenhum ser criado, animado ou inanimado, subverteu a vontade de Deus, exceto o homem e ainda que carregado de benção infinita, irrita Deus.

Esta é a razão de ter sido dado ao homem o quarto mandamento, que é o desejo de adquirir virtudes. "Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça" (Mateus 5: 6). Ele se transforma em alguém que tem fome e sede de toda justiça, isto é, tanto das virtudes corporais quanto pelas virtudes morais da alma. Aquele que provou a doçura dos mandamentos, e percebe que eles gradualmente o conduzem à imitação de Cristo, deseja adquiri-los todos, e como resultado ele desdenha até mesmo a morte por seu amor. Vislumbrando os mistérios do Deus escondido nas Sagradas Escrituras, ele está sedento em compreendê-los plenamente; e quanto mais conhecimento ele ganha, mais ele tem sede, queimando como se bebesse chama. E como o Divino não pode ser compreendido plenamente por ninguém, ele continua sedento para sempre.

O que saúde e doença são para  o corpo, virtude e perversão são para a alma, e conhecimento e ignorância são para o intelecto. Quanto maior devoção nossa para a prática das virtudes, mais nosso intelecto é iluminado pelo conhecimento. É neste sentido que nós somos considerados dignos de misericórdia, ou seja, por meio do quinto mandamento: "bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (Mateus 5:7). A pessoa misericordiosa é aquela que dá aos outros o que ela mesma recebeu de Deus, seja dinheiro, comida, ou fortaleza, ou uma palavra de  ajuda, uma oração, ou alguma outra coisa que possa expressar sua compaixão para com aqueles que estão em necessidade. Ao mesmo tempo ela se considera uma devedora, já que ele recebeu mais do que pode dar. Pela Graça de Cristo, tanto no mundo presente quanto no porvir, antes de toda a criação essa pessoa é chamada de misericordiosa, assim como Deus é chamado de Misericordioso (cf. Lucas 6:36). Através de seu irmão, é o próprio Deus que necessita dela, e neste sentido Deus tornou-se seu devedor. Ainda que seu irmão necessitado possa viver sem que ela lhe dê o que necessita, ela própria não pode nem viver nem ser salva se não faz o que pode para mostrar misericórdia. Se ela não deseja mostrar misericórdia de qualquer tipo, como pode Deus mostrar misericórdia para com ela? Tendo estas e muitas outras coisas na mente, a pessoa a quem é concedido guardar os mandamentos não apenas dá suas posses mas mesmo sua vida por seu próximo. Esta é a perfeita misericórdia; pois, assim como Cristo suportou a morte em nosso benefício, dando a todos um exemplo e um modelo, assim nós devemos morrer pelos outros, e não apenas por nossos amigos, mas por nossos inimigos também, se a ocasião pedir isto de nós.

Nem é necessário, obviamente, ter posses para mostrar misericórdia. Posses, preferivelmente, são uma grande fraqueza. De fato, é melhor não ter nada a dar e ainda assim estar cheio de simpatia por todos. E se nós temos alguma coisa a dar para aqueles em necessidade, nós devemos, nós mesmos nos desapegarmos das coisas desta vida, e ainda nos sentirmos plenamente envolvidos com nossos companheiros. Nem devemos, em nossa arrogância, pretendermos ensinar ensinar os outros quando ainda não somos capazes de ensinar pelo exemplo; ainda que possamos usar a desculpa de estar ajudando almas em perigo, a verdade é que somos ainda mais fracos do que aqueles a quem ousamos auxiliar. Pois toda ação deve ser feita no tempo certo e com discernimento, para que não se torne inoportuna nem prejudicial. Ajudar alguém na fraqueza é sempre melhor, assim como dar todos os bens é de longe superior a dar esmolas.

É pelo desapego que alguém está capacitado a cumprir o sexto mandamento: "bem aventurados os puros de coração" (Mateus 5:8). Os puro de coração são aqueles que realizaram todas as virtudes pela reflexão e pela devoção e chegaram a ver a verdadeira natureza das coisas. Neste sentido, eles encontram paz em seus pensamentos. Pois, como o sétimo mandamento coloca, "bem aventurados são os pacificadores" (Mateus 5:9), isto é, aqueles que têm alma e corpo em paz, submetendo a carne ao espírito, de modo que a carne não se insurja contra o espírito (cf. Gálatas 5:17). Como alternativa, a graça do Espírito Santo reina em suas almas e o conduz onde quer, dando conhecimento divino que capacita o homem a suportar a perseguição, difamação e maus tratos, "por causa da justiça" (Mateus 5:10), regozijando-se porque "será grande sua recompensa no céu" (Mateus 5:12).

Todas as bem aventuranças podem fazer do homem um deus pela graça; ele se torna manso, nostálgico por justiça, caritativo, desapegado, pacificador, e suportando toda dor com alegria, por amor a Deus e aos seus semelhantes. Pois as Bem Aventuranças são dons de Deus e nós devemos agradecer a Ele grandemente por elas e pelas recompensas prometidas: o reino dos céus, a renovação espiritual deste mundo, a plenitude da benção de Deus e todas as misericórdias, Sua manifestação quando contemplamos os mistérios ocultos encontrados nas Sagradas Escrituras e em todas as coisas criadas e a grande recompensa no céu (cf. Mateus, 5:12). Pois se nós aprendermos enquanto estamos na terra a imitar a Cristo e receber a benção inerente a cada mandamento, nós seremos agraciados com o supremo bem e a meta última de nosso desejo. Como diz o apóstolo, Deus, que habita uma luz inacessível, é solitário em sua bem aventurança (cf. Timóteo 6: 15-16). Nós, de nossa parte, temos o dever de manter os mandamentos – ou, de preferência, de ser guardados por ele; pois por eles Deus em sua compaixão dará ao crente o prêmio tanto neste mundo como no que há de vir.
Quando por doce tristeza interior tudo isso tiver sido consumado, então o intelecto encontrará alívio para as paixões; e vertendo sobre os pecados muitas lágrimas amargas, se reconciliará a Deus. Ele é crucificado com Cristo espiritualmente pela prática moral, isto é, por guardar os mandamentos e os cinco sentidos, para que assim não realizem nada contrário à sua natureza. Restringindo impulsos irracionais, o intelecto começa a refrear as paixões de ira e desejo que os envolvem. Algumas vezes ele ameniza a ira tempestuosa com a mansidão do desejo; em outras vezes ele acalma o desejo com a severidade da ira. Então, caindo em si, o intelecto reconhece sua própria dignidade - para ser mestre de si mesmo- e é capaz de ver as coisas como elas são verdadeiramente; pois seus olhos, tornados cegos pelo demônio, através da tirania das paixões, é aberto. Então o homem é agraciado com a felicidade de ser queimado espiritualmente com Cristo, assim que ele se liberta das coisas deste mundo e não é mais cativo da beleza exterior. Ele olha ouro e prata como pedras preciosas e ele sabe que como outras coisas inanimadas como a pedra e a madeira elas são terrenas, e que também o homem, depois da morte é um punhado de poeira e mofo no túmulo. Olhando todas as alegrias desta vida como nada, ele olha para sua alteração contínua com o discernimento que vem de seu conhecimento espiritual. Alegremente ele morre para o mundo, e o mundo se torna morto para ele: ele não tem mais sentimentos violentos dentro dele, mas apenas desapego e mansidão.

Assim, em virtude da pureza de sua alma, ele é encontrado digno de ser ressuscitado com Cristo espiritualmente, e recebe a força para olhar sem paixão a beleza exterior das coisas visíveis e louvar ao Criador de todas elas.  Contemplando nas coisas visíveis o poder de Deus e a providência, Sua bondade e sabedoria, como diz São Paulo (cf. Romanos 1: 20-21) e percebendo os mistérios ocultos nas Divinas Escrituras, é dada a seu intelecto a graça de ascender com Cristo pela contemplação das realidades inteligíveis, isto é, pelo conhecimento dos poderes inteligíveis. Percebendo, depois de lágrimas de entendimento e gozo, o invisível através do visível (cf. Romanos 1; 20) e o eterno através do transitório, ele percebe que este é um mundo efêmero, que é um lugar de exílio e castigo para aqueles que transgrediram os mandamentos de Deus e quão belas, tão mais belas deverão ser as bençãos "Que Deus preparou para aqueles que O amam" (I Cor. 2: 9). E se estas bençãos estão além de toda nossa concepção, quanto mais deve estar o Deus que criou todas as coisas do nada.  

Se você se desligar todas as outras atividades e dar-se inteiramente ao cultivo das virtudes de alma e corpo, que é o que os padres chamam de devoção religiosa; e se você desconsiderar qualquer sonho ou pensamento privado não confirmado pela Escritura, e rejeitar toda companhia inútil, não escutando ou lendo qualquer coisa infrutífera, e especialmente qualquer coisa que envolva heresia, então as lágrimas de gozo e entendimento copiosamente do fundo se derramarão e você se banhará de plenitude. Neste sentido você atingirá outra forma de oração, a forma da pura oração, própria ao contemplativo. Pois assim como se tem uma forma de leitura, uma forma de lágrima e oração, agora temos outra. Já que seu intelecto se moveu para a esfera da contemplação espiritual, deve-se ler agora todas as partes da Escritura, não mais sentindo dificuldade nas passagens mais obscuras, como é o caso daqueles que ainda estão no início da prática ascética, que são fracos em sua ignorância.

Em sua luta persistente na prática das virtudes de corpo e alma, se é crucificado com Cristo e queimado com ele pelo conhecimento das coisas criadas, tanto conhecendo suas naturezas quanto as mudanças que sofrem; e se ressuscita com Ele através do desapego e pelo conhecimento dos mistérios de Deus inerentes no mundo visível. Como resultado deste conhecimento ascende-se com Cristo ao mundo transcendente através do conhecimento das realidades inteligíveis e dos mistérios ocultos nas divinas Escrituras. Move-se do medo para a devoção religiosa, de onde brota o conhecimento espiritual; deste conhecimento nasce o julgamento, isto é, o discernimento; do discernimento vem a força que conduz ao entendimento, do qual germina a sabedoria.

Ao passar por todos estes níveis de prática e contemplação garante-se a pura e perfeita oração, firmada em nós pela paz e amor de Deus e pela morada do Espírito Santo. Isto é o que significa dizer, 'Ganhar a posse de Deus em si mesmo'; e, como disse São João Crisóstomo, esta manifestação e habitação de Deus é percebida quando seu corpo e alma tornam-se o quanto possível sem pecado, como aquele de Cristo; e quando você o tem, em virtude de Cristo,o  intelecto apreende, pela graça e sabedoria do Espírito Santo, o conhecimento das coisas tanto humanas quanto divinas. 

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