Cristo Pantocrator

quinta-feira, 27 de março de 2014

O grande valor do amor e do conselho dado com humildade

continuação do post anterior
páginas. 184 a 188


O Senhor, então, nos deu estes e muitos outros conselhos similares, como também fizeram os apóstolos quando disseram, "Nós exortamos vocês, amados, a fazer isto ou aquilo". Nós, no entanto, somos encorajados involuntariamente por aqueles que buscam conselho de nós. Assim, se eles nos encontrassem humildes e cheios de respeito para com eles, nos ouviriam com alegria, sentindo segurança por falarmos as palavras das Sagradas Escrituras com grande humildade e amor. Eles avidamente perseguiriam a honra e o amor que receberam de nós e unidos a esta honra e amor, também aceitariam o que é árduo, já que pelo amor isso lhes pareceria fácil.
Foi justamente este o caso em que o santo apóstolo Pedro, que soube da morte de cruz e regozijou-se (cf. João 21: 18-20); isto era nada para ele; pois ele estava inebriado de amor para com o seu Mestre. Ele não estava interessado em milagres, como estão os descrentes, mas disse ao Senhor: "Tuas palavras são palavras de vida eterna. Nós acreditamos e estamos certos de que Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". (João 6: 68-69). Não foi assim com Judas, que morreu duas vezes; quando se enforcou, ainda não morrera, mas não querendo viver no arrependimento, foi arrebentado por dentro, como diz o Apóstolo Pedro (Atos 1:18). Assim novamente, o santo Apóstolo Paulo diz certa vez aos irmãos: "Tão grande é nossa afeição por vocês que desejávamos não compartilhar com vocês o Evangelho de Cristo apenas, mas nossa própria alma" (1 Tessalonicenses 2 : 8); e em todo lugar ele diz, "Nós somos vossos servos por amor a Cristo" (2 Coríntios 4: 5). Novamente, escrevendo a Timóteo, nos exorta a tratar os anciãos como pais e os jovens, como irmãos (cf. Timóteo 5:1). Quem é capaz de captar a humildade dos santos e arder-se do amor que sentiram para com Deus e seus próximos? De fato, devemos ser atentos não apenas para com Deus e nosso próximo, mas a qualquer um com quem falamos ou a quem escrevemos.

Pois aquele que deseja admoestar alguém ou dar-lhe algum conselho -, ou, de preferência, refrescar a memória como fala São João Clímaco - deve primeiro ser purificado das paixões, para que assim ele possa verdadeiramente entender o propósito divino e o estado da pessoa que lhe pede conselho. Pois o mesmo remédio não é prescrito a todos, ainda quando a doença é a mesma. Então devemos determinar o tipo de pessoa que está buscando conselho se ele deseja de fato comprometer-se totalmente a obedecer de corpo e alma; ou, se ele fez este pedido espontaneamente e com fé ardente, procurando conselho nosso antes de questionar seu próprio mestre; ou se há alguma coisa externa que o force a fingir necessitar de tal conselho. Neste último caso, tanto quem dá como quem recebe o conselho sucumbirão à falsidade e à conversa fiada, cheia de engano entre tantas outras coisas. O discípulo, forçado por seu suposto professor a falar contra a sua vontade, sente-se envergonhado e conta-lhe mentiras, fingindo querer fazer o bem; e o professor também age enganosamente, lisonjeando seu discípulo de modo a descobrir o que jaz oculto em sua mente, e em geral empregando todo tipo de truque e falando em profundidade, a despeito do fato de Salomão ter dito, "Da multidão de palavras não escapará o pecado" (Provérbios 10:19). São Basílio, o Grande, também descreveu os pecados que vinham da conversa fiada.
E tudo isso fora dito, não para que nos recusássemos a aconselhar aqueles que vem a nós prontamente e com firme fé, especialmente se atingimos um estado de desapego; isto foi dito para evitar que por excesso de autoestima nos ponhamos a ensinar presunçosamente aqueles que não expressam desejo de nos ouvir através de suas ações e de sua fé ardente. Enquanto estivermos sob o império das paixões não devemos fazer isso, ainda que tenhamos autoridade para fazê-lo. De preferência, como os pais disseram, a menos que sejamos questionados pelos irmãos não devemos dizer qualquer coisa no sentido de ajudá-los, pois qualquer benefício é conseqüência apenas de sua própria livre escolha. Tanto São Paulo quanto São Pedro seguiram este princípio (Filemon, verso 14; I Pedro 5: 2); e São Pedro adiciona que nós não devemos nos fazer senhores de nosso rebanho mas um exemplo a eles (cf. 1 Pedro 5: 3). E São Paulo escreveu a São Timóteo, "o fazendeiro que trabalha deve ser o primeiro a comer o que produz" (2 Timóteo 2: 6) : isto significa que deve ser o primeiro a praticar quem pretende pregar. Novamente, ele escreve: "Ninguém despreze e tua mocidade" (1 Timóteo 4: 12) : isto é, não faça nada que é imaturo ou infantil, mas de preferência, aja como um perfeito em Cristo. Similarmente, é dito no Geronticon que, a menos que sejam encorajados pelos irmãos, os pais não devem dizer qualquer coisa que possa contribuir para a salvação da alma; eles reconhecem um conselho não solicitado como vã tagarelice. Isto é quase certo; pois é por pensarmos saber mais do que os outros que falamos sem sermos convidados. E quanto mais reconhecemos sermos culpados disto,  maior liberdade dispomos diante de Deus, pois os santos, quanto mais próximos estavam de Deus, mais se viam como pecadores, como dizia São Doroteu; eles ficavam estupefatos pelo conhecimento de Deus que lhes foi concedido, eles, que estavam reduzidos ao desamparo. 

Assim, também, os santos anjos em sua infinita felicidade e maravilhamento não podem nunca satisfazer seu desejo de Deus; e porque eles foram encontrados dignos de celebrar tão grande Mestre, eles cantam Suas preces sem cessar, maravilhando o que Ele fez, como diz São João Crisóstomo, e avançando para um conhecimento maior, como estabelece São Gregório, o teólogo. E o mesmo sucede com todos os santos, neste mundo e no próximo. Como os anjos transmitem iluminação um ao outro, são seres instruídos uns pelos outros. Alguns derivam seu conhecimento das Divinas Escrituras e ensinam aqueles que estão em maior necessidade, enquanto outros são ensinados espiritualmente pelo Espírito Santo e tornam conhecido aos seus irmãos por escrito os mistérios que lhes foram revelados.
Por conseguinte, todos nós necessitamos nos humilhar diante de Deus uns diante dos outros, na medida em que recebemos de Deus nosso ser e todas as outras coisas, e diante uns dos outros, na medida em que recebemos DEle, nosso conhecimento. Aquele que se humilha é iluminado em tudo, enquanto que aquele que recusa em se humilhar permanece na escuridão, como foi o caso da estrela da manhã, que hoje é o demônio. Pois Lúcifer originalmente pertenceu à mais baixa casta angélica, a mais próxima à terra e a mais afastada da ordem suprema que está ao lado do trono inaproximável; mas por causa de sua auto elação ele, e aqueles que lhe obedeciam, tornaram-se mais baixos não só das nove ordens dos anjos mas também de nós que habitamos a terra, e mais baixo, até mesmo, dos poderes subterrâneos: pois ele mesmo foi lançado no Tártaro por causa de sua arrogância insensível.
Por causa disso é dito frequentemente que apenas a presunção, sem qualquer outro pecado adicional, é suficiente para destruir uma alma; pois aquele que reconhece seu pecado como trivial acaba por cair em outros maiores, como disse Santo Isaac. E aquele que recebeu um dom de Deus, e é ingrato por isso, já está no caminho de se perder; pois como diz São Basílio Magno, ele se fez indigno do dom de Deus. Pois a gratidão é uma forma de intercessão. Não deve, no entanto, ser como a gratidão do fariseu, que condenou aos demais e justificou a si mesmo (cf. Lucas 18:11). pelo contrário, deve se reconhecer como o mais devedor de todos os homens; e dar graças em confuso espanto, compreendendo a contenção e paciência indizível de Deus. Mais ainda, deve se maravilhar que Deus, que de nada carece, que é louvado acima de tudo, aceita esta gratidão de nós a despeito do modo como O iramos e O amarguramos constantemente mesmo depois dEle nos ter concedido tantas e tão variadas bençãos, tanto universais quanto particulares.
Tais bençãos, tanto de corpo quanto de alma, foram descritas por São Gregório o Teólogo e outros pais, e elas tomaram formas incontáveis. Uma delas consiste no fato de que nas Sagradas Escrituras algumas coisas são óbvias e fáceis de compreender, enquanto outras são obscuras e difíceis. Através das primeiras Deus extrai o mais lento entre nós para a fé a para a investigação das coisas mais difíceis; e neste sentido Ele garante que nós não devemos cair em desespero e perder nossa fé por causa de nossas falhas totais de entendimento do que é dito.  Através da segunda categoria Ele nos preserva de incorrer em condenação ainda maior desdenhando as passagens que não entendemos. Ele deseja que aquele que quer fazê-lo deverá trabalhar voluntariamente para tentar por em prática o que está claro - e por conta disso ele será louvado, como diz São João Crisóstomo.