Cristo Pantocrator

terça-feira, 30 de abril de 2013

O terceiro estágio da contemplação

Continuação do post anterior.
Páginas 114 a 122

O ícone abaixo é de São Pedro de Damasco (autor destes textos), santo celebrado tanto pela Igreja Católica Romana quanto pela Igreja Ortodoxa. Ele foi preso pelos muçulmanos por pregar contra Maomé. Seus captores o cegaram, torturaram, crucificaram e finalmente o decapitaram. Que o exemplo de São Pedro de Damasco nos ensine a não compactuar com o relativismo que crê ser possível amar a Jesus como Deus e a Maomé como profeta. É necessário fazer uma escolha. Amar os muçulmanos é diferente de abraçar a sua fé, ou fazer conchavos para conciliar o inconciliável. Se o Deus dos Cristãos  é o Pai de Jesus, bem como Jesus e o Espírito que procede do Pai e do Filho, então é óbvio que Alá não é o Deus dos cristãos. E, assim sendo, deve ser considerado pelos cristãos como um falso Deus, como foi Baal, Mamon, Moloch, etc. Ou seja, para os cristãos, Alá é um ídolo. Assim como, para os muçulmanos, a Santíssima Trindade não existe.

O terceiro estágio da contemplação

Novamente, o lamento. Ai de mim, que agonia a alma sente quando ela é separada do corpo? Quantas lágrimas lança em seguida, e não há quem se apiede disso. Voltando os olhos aos anjos, ela suplica em vão. Erguendo as mãos para os homens, ela não encontra quem a ajude.

Eu choro e lamento quando penso na morte e vejo a beleza do homem, criado por Deus à sua própria imagem, jazendo na sepultura, feio, abjeto, sua forma física destruída. Que mistério recai sobre nós? Como fomos entregues à corrupção? Como entramos no jugo da morte? Verdadeiramente foi pela vontade de Deus, como está escrito. Aliás, o que farei no momento de minha morte, quando os demônios arrodearem minha alma infeliz, lançando-me acusações dos pecados por mim cometidos, consciente ou inconscientemente, em palavras, atos e pensamentos e exigindo de mim minha defesa? Aliás, ai de mim, mesmo sem qualquer outro pecado, já estou condenado - e certamente por não ter guardado os mandamentos.

Conte-me, minha alma  miserável, onde estão suas promessas batismais? O que aconteceu com sua aliança com Cristo e sua renúncia a satan? Onde está sua guarda dos mandamentos de Deus, sua imitação de Cristo pelas virtudes de corpo e alma? É por isso que és chamada Cristã. O que aconteceu à sua profissão da vida monástica? Você deveria culpar a fraqueza física, quando é a fé que lança todos os cuidados sobre o Senhor, a fé pela qual, mesmo que tivesse o tamanho de uma semente de mostarda,  seria capaz de mover montanhas (Mateus 17:20)? Cadê o perfeito arrependimento que repeliria toda palavra e ação má? Cadê a contrição de alma e o lamento interior profundo? Onde está a gentileza, a generosidade, a liberdade de coração dos maus pensamentos, o completo autocontrole que refreia cada membro do corpo e cada pensamento e desejo que não é indispensável nem para a salvação da alma, nem para a manutenção do corpo?Onde está a paciência que suporta muitas  tribulações para a segurança do Reino dos Céus? Onde está a gratidão por todas as coisas? A oração incessante? A recordação da morte? As lágrimas de aflição por minhas falhas no exercício do amor? Onde está a coragem que suporta sofrimentos terríveis e avança cheia de esperança contra o adversário? Onde está a justiça que dá a cada um o que lhe é devido, a humildade que conhece sua própria fraqueza e ignorância, e  a compaixão divina que teria me livrado de todas as  artimanhas dos demônios? Onde está o desapego e o amor perfeito, a paz que excede todo intelecto (Filipenses 4:7), por meio da qual eu poderia ser chamado filho de Deus (cf. Mateus 5:9)? Mesmo sem força aquele que deseja pode possuir todas estas coisas simplesmente por meio de sua própria resolução.

O que posso dizer sobre tudo isso? O que posso dizer? Se eu, na minha incerteza, perder o coração por um tempo porque eu tenho falhado completamente em fazer o que eu devia nos limites do meu poder, vou cair mais baixo que o Hades, como diz St. Atanásio, o Grande. Quão miserável sou? O que trouxe para mim mesmo, não só pelo peso dos meus pecados, mas sim pela minha recusa em me arrepender! Pois se como o filho pródigo eu tivesse mesmo me arrependido, meu Pai amado teria me recebido de braços abertos (cf. Lucas 15:11-32). E  se eu tivesse sido tão honesto quanto o publicano (cf. Lucas 18:13), condenando-me a mim mesmo e a ninguém mais, eu também teria recebido de Deus perdão de meus pecados, especialmente se eu tivesse chamado por Ele com toda a minha alma como fez o publicano. Ora, eu ainda não me reconheço deste modo. Por causa disso, temo que irei morar no inferno com os demônios, e viverei com muito medo do julgamento futuro, com o rio de fogo, os tronos e os livros abertos (cf. Daniel 7:9-12), anjos correndo à frente, toda a humanidade de pé, todos nus e expostos (cf. Hebreus 4:13), ante o Juiz temível e justo.

 Como hei de suportar o exame, o desprazer do temor inspirado pelo juiz imparcial, a reunião de anjos inumeráveis, a retribuição que exige ameaças terríveis, a decisão que não pode ser alterada? Como suportarei o lamento sem cessar e as lágrimas inúteis, a escuridão e a ausência de sono, o fogo inextinguível e muitos tormentos? Como suportar a exclusão do reino e a separação dos santos, a partida dos anjos, a alienação de Deus, o enfraquecimento da alma e da morte eterna, o temor, a dor, a aflição, a vergonha, a tortura de consciência?

Ai de mim, pecador! O que aconteceu comigo? Por que eu deveria me destruir tão erroneamente? Eu ainda tenho tempo para o arrependimento. O Senhor me chamará: hei de procrastinar? Quanto tempo, minha alma, você permanecerá em seus pecados? Pense no julgamento que virá, grite para Cristo seu Deus: prescrute seu coração, eu pequei; antes que Vós me condeneis, tenha misericórdia de mim! Na tua incrível vinda não posso ouvir: "Nunca o conheci" (Mateus 25:12). Pois colocamos nossa esperança em Vós, Nosso Salvador, mesmo que em nossa negligência nós falhemos em guardar os mandamentos. Mas nós Vos rogamos, poupe nossas almas. Ai de mim, Senhor, pois eu Vos tenho entristecido e não percebi; ainda por meio de Vossa Graça eu comecei a perceber, e assim encheu-me a confusão. Minha alma infeliz é sacudida de temor.

Ser-me-á permitido viver ainda por mais tempo, assim como chorar lágrimas amargas e limpar meu corpo e alma impura? Ou, depois de lamentar por um tempo, eu interromperei mais uma vez e endurecerei como sempre? O que eu farei para adquirir uma dor sem cessar de alma? Eu jejuarei e manterei vigília? Sem humildade, isso de nada me servirá. Lerei e cantarei salmos apenas com a boca? Pois minhas paixões têm obscurecido meu intelecto e eu não posso entender o significado do que é dito. Eu cairei prostrado diante de Vós, oh doador de todas as bençãos? Mas eu não tenho confiança. Minha vida é sem esperança; eu destruí minha alma. Senhor, ajude-me e recebe-me como ao publicano; pois como o Filho pródigo eu pequei contra o Céu e contra Ti (cf. Lucas 15:18). Eu pequei como a prostituta que veio a Ti chorando, e de quem está escrito: 'Cheia de desespero em virtude da sua vida, de seus caminhos bem conhecidos, ela chegou a ti trazendo mirra e chorando: "Oh nascido da Virgem, não me jogues fora, prostituta que sou; não desprezes minhas lágrimas. Oh gozo dos anjos, recebe-me em meu arrependimento, oh meu Senhor, e em Tua Grande misericórdia não me rejeite, um pecador". Pois também eu estou em desespero por conta de meus pecados, ainda sou bem conhecido por tua compaixão inefável e o mar sem fim de Vossa misericórdia.

Lança minha alma em desespero neste mar, eu ouso concentrar meu intelecto na Vossa santa rememoração; e, levanto-me e em temor e tremor faço este pedido: que indigno sou de ser contado entre Vossos servos; por graça posso chegar a ter um intelecto apartado de todas as formas, figuras, cores, materialidade; que, como Daniel, quando se prostrou diante de Vosso anjo (cf. Daniel 10:9), eu posso levantar minhas mãos e ajoelhar-me diante de Vós, o Deus único, Criador de tudo, e Vos oferecer primeiro ação de Graças e depois confissão. Neste caminho hei de Vos procurar oh suprema vontade santa, confessando Vossa Graça em todas as bençãos que Vos me concedeis, eu que sou sujo, pó e cinza, e sabendo ser totalmente uma criatura da terra, é apenas pelo intelecto que sou capaz de aproximar-me de Vós.

Então consciente que Vós me olhais, com toda a minha alma, chorarei e direi: Oh Senhor mais misericordioso, dou-Vos graças, glorifico-Vos, canto-Vos hinos, venero-Vos, pois indigno que sou, Vós me encontraste e consideraste-me digno justo nesta hora para dar-Vos Graças e estar atento às maravilhas e graças incontáveis e insondáveis, visíveis e invisíveis, conhecidas e desconhecidas - que Vossa Graça concedeu-me e ainda concede à nossas almas e corpos. Eu confesso Vossas Dádivas, eu não escondo Vossas bençãos, eu proclamo Vossa Misericórdia; eu reconheço Vos, oh Senhor meu Deus, com todo o meu coração, e glorifico Vosso Nome para sempre: "Pois Grande é a Vossa Misericórdia para comigo" Salmo 86:13), e inexprimível é "Vossa indulgência e longanimidade com respeito aos meus muitos pecados e iniquidades, sobre as coisas atrozes e sem Deus que fiz, e ainda faço, e farei no futuro. Delas Vossa Graça salvou-me, se cometidas conscientemente ou inconscientemente, em palavra, ação ou pensamento. Vós conheceis acima de tudo, Oh Senhor, prescrutador dos corações, desde meu nascimento até minha morte; e, abjeto que sou, ouso confessá-las diante de Vós: "Pequei, cometi iniquidades, procedi impiamente (cf. Daniel 9:5) "Fiz o mal à tua vista" (Salmo 51:4) e eu não sou digno de contemplar a altura dos céus.

Ainda, encontrando coragem em Vossa inexprimível compaixão, em Vossa bondade e terna misericórdia que excede nosso entendimento, prostrarei diante de Vós e rogarei a Vós, Senhor: "Tenha Misericórdia de mim, Senhor, pois sou fraco" (Salmo 6:2) pois cometi muitos crimes. Não permitais que eu peque novamente ou me desvie de Vosso reto Caminho, ou injurie e ofenda alguém, mas cheque em mim toda a iniquidade, todo mau hábito, todo impulso estúpido de corpo e alma, de ira e desejo; e ensina-me a agir de acordo com a Vossa Vontade.

Tende misericórdia de meus irmãos e pais espirituais, de todos os monges e padres em todos os lugares, de meus pais, irmãos e irmãs, meus parentes, aqueles que nos serviram e nos servem agora, aqueles que rogam por nós e aqueles que nos pedem nossas orações, aqueles que nos odeiam e aqueles que nos amam, aqueles que me prejudicaram e ofenderam e o farão no futuro, aqueles que ofendi e prejudiquei, e todos que confiam em Vós. Perdoai-nos todo pecado deliberado ou sem intenção. Protege nossas vidas e afaste-nos dos espírito impuros, de toda tentação, de todo pecado e malícia, da presunção e desespero, da falta de fé e da tolice, de se auto elogiar e da covardia, da desilusão e falta de retidão, dos artifícios e armadilhas do demônio. Tua compaixão nos concede o que é bom para nossas almas nesta era e na que virá. Dai repouso aos nossos pais e irmãos espirituais que partiram desta vida antes de nós, e através das orações deles todos tenha misericórdia de meu ser infeliz em minha depravação. Vê quão falível sou, retifica minha conduta em todas as coisas, dirige minha vida e morte nos caminhos da paz, modela-me naquilo que Tu desejas e como Tu desejas, querendo eu ou não. Concede-me apenas que eu não falhe em me encontrar a mim mesmo em Tua mão certeira no dia do julgamento, senhor Jesus Cristo, meu Senhor, mesmo que eu seja o menor dos teus servos a serem salvos.

Dai paz ao Vosso mundo, e tende misericórdia de todos os homens nas formas que vos são mais conhecidas. Considerai-me digno de compartilhar de Vosso corpo puro e Vosso precioso sangue, para a remissão dos pecados, para a comunhão no Espírito Santo, como primícias da vida Eterna em Vós com o Vosso povo eleito, pela intercessão de Vossa mãe puríssima, dos anjos e poderes celestiais e de todos os santos; por vossa ação santa pelos séculos Amém.

Santíssima Senhora, Mãe de Deus, todos os poderes celestiais, santos anjos e arcanjos, e todos os santos, intercede por mim, pecador. (Prece da Hora Média)

Deus, Nosso Senhor, Pai Onipotente, Senhor Jesus Cristo, o Unigênito, e o Espírito Santo, a Divindade, o Poderoso, tende misericórdia de mim, pecador.

Após orar neste sentido você deve imediatamente endereçar seus próprios pensamentos e dizer três vezes: "Oh vêm, deixai-nos venerar e prostrar-nos diante de Deus o Nosso Rei". Então você deve começar a salmodiar, recitando o Trisagion depois de cada subseção do Saltério, e concentrar seu intelecto no interior das palavras que está dizendo. Após o Trisagion diga 'Senhor, tende misericórdia' quarenta vezes; e então faça uma prostração e diga uma vez mais em seu interior, 'Eu pequei, Senhor, perdoai-me'. Pondo-se de pé, você deve levantar suas mãos aos céus e dizer mais uma vez, "Deus, sede misericordioso comigo, pecador". Após dizer isso, você deve dizer uma vez mais, "Oh vêm, deixai-nos venerar..." três vezes, e então outra subseção do Saltério no mesmo sentido.

Quando, porém, a doçura da graça de Deus tocar nosso coração com um sentido profundo de penitência no coração, você deve permitir seu intelecto ser banhado em lágrimas de compunção, mesmo que com isso sua boca pare de recitar os salmos e sua mente se faça cativa do que Santo Isaac, o Sírio, chama de "cativeiro abençoado". Pois agora é hora de colheito, não de semeadura (cf. Eclesiástico 3:2). Logo, você deve persistir em tais pensamentos e colher os frutos na forma de lágrimas piedosas. São João Clímaco diz que se uma palavra particular lhe move à compunção, você deve se ocupar dela (Escada, etapa 28). Toda atividade corporal - aqui me refiro, implica jejum, vigília, salmodia, leitura espiritual, tranquilidade e assim por diante - é dirigida para a purificação do intelecto; mas sem lágrima interior o intelecto não pode ser purificado, e assim ser unido a Deus através da pura oração que transporta-nos além de todo pensamento conceitual, e liberta-nos de toda forma e figura. Tudo o que é bom em atividades corporais tem bom resultado - e o reverso é também verdadeiro. Tudo, porém, necessita discernimento para que seja usado para o bem; sem discernimento nós somos ignorantes da verdadeira natureza das coisas.

Muitos de nós pode se chocar quando nós discordamos do que foi dito e feito pelos santos padres. Por exemplo, a Igreja recebeu através de sua tradição a prática de cantar hinos e troparia; mas São João Clímaco, ao rezar por aqueles que receberam de Deus o dom da tristeza interior, diz que tais pessoas não cantam hinos entre si. Novamente, quando fala daqueles em um estado de pura oração, Santo Isaac diz que frequentemente acontece que uma pessoa  concentrada em seu intelecto durante a oração, como o profeta Daniel (cf. Daniel 10:9), cai de joelhos, estende as mãos e mira fixamente na Cruz de Cristo; seus pensamentos são alterados e seus lábios se tornam fracos por causa dos novos pensamentos que nascem espontaneamente em seu intelecto. Muitos dos santos padres escreveram coisas similares sobre tais pessoas, cujo intelectos em estados arrebatados não apenas passam além dos salmos e hinos, como diz Evágrio, tornam-se alheios ao próprio intelecto. Ainda, por causa da fraqueza de nosso intelecto, a Igreja está certa em recomendar a entonação de hinos e a troparia, pois por estes meios aqueles de nós a quem falta conhecimento espiritual podem de uma maneira ou e outra rogar a Deus pela doçura da melodia, enquanto aqueles que possuem tal conhecimento e assim entendem as palavras são conduzidos a um estado de compunção.

Assim, como põe São João Damasco, somos levados como se de uma escada para o topo dos bons pensamentos. O mais habitual desses pensamentos unido à saudade de Deus nos faz entender e adorar o pai em espírito e verdade (João 4:24), como disse o Senhor. São Paulo também indica isto quando diz: "Eu quero falar cinco palavras cujo significado eu entenda do que mil palavras em língua estrangeira" (1 Cor. 14:19); e novamente: "Quero que os homens orem em todo lugar, levantando as mãos sem ira nem contenda" (1 Tim. 2:8). Deste modo, hinos e troparia são remédios para nossas fraquezas, enquanto a experiência de arrebatamento marcam a perfeição do intelecto. Esta é a solução para tais questões. Pois "todas as coisas são boas no devido tempo" (cf. Eclesiástico 39: 34); e, como diz Salomão "Para cada coisa há o tempo certo" (Eclesiástico 3:1). Mas para  aqueles ignorantes de seu próprio tempo, tudo parecerá discordante e inoportuno.

Quando, uma vez atingido o nível dos bons pensamentos, deve-se tomar extremo cuidado para manter estes pontos em mente, a fim de que a presunção ou negligência não nos privem da Graça de Deus, como diz Santo Isaac. Quando os pensamentos dados por Deus crescem na alma do homem e o conduzem para maior humildade e compunção, ele deve sempre dar graças, reconhecendo que apenas pela Graça de Deus pode conhecer tais coisas e lembrando-se sempre como indigno delas. Se bons pensamentos cessam em sua mente e ela é mais uma vez obscurecida, perdendo sua admiração e seu sentimento de tristeza interior, ele precisa afligir-se muito e humilhar-se em palavras e atos; pois a graça já o abandonou, e ao perceber sua fraqueza, ele pode adquiri humildade e tentar emedar a sua vida, como diz São Basílio, o grande. Pois se não tivesse negligenciado a tristeza interior que é tão cara a Deus não lhe teriam faltado lágrimas quando as desejasse. E esta é a razão de porque devemos ser conscientes de nossa própria fraqueza e do poder da Graça de Deus, e nem devemos perder a esperança se algo nos acontece, nem ser encorajados a pensar que somos mais do que somos. De preferência nós devemos sempre esperar em Deus com humildade. Isto se aplica particularmente aqueles que em pensamento e ação estão buscando recuperar o dom das lágrimas: eles já foram agraciados com este dom providencial, mas eles falharam em preservá-lo por causa da negligência do passado, presente ou futuro ou por causa da auto exaltação, conforme explicamos.

Se alguém deliberadamente renunciou a estes bens da Graça - tristeza interior, lágrimas e pensamentos radiantes - o que ele merece senão profunda aflição? Pois que maior loucura há do que aquela do homem que, depois de partir do que é contrário à natureza e atingir pela graça um estado sobrenatural - aqui me refiro às lágrimas do entendimento e amor - então reverte tudo por meio de algum ato trivial ou pensamento estranho e por sua própria obstinação chega à ignorância de uma besta, como um cachorro ao seu próprio vômito? Se tal homem decide uma vez mais devotar a si mesmo a Deus, lendo as Divinas Escrituras com atenção e lembrança da morte, e mantendo seu intelecto, o quanto possa, livre de vãos pensamentos durante a oração, ele pode recuperar o que havia perdido. E ele pode fazer isso tudo ainda  mais literalmente se ele nunca se zangar com alguém, sofrendo, no entanto, nas mãos dos outros, se ele nunca permite que alguém se zangue com ele, mas faz tudo o que pode por ações e palavras para remediar as coisas. Quando isso acontece seu intelecto exulta ainda mais, sendo lançado da turbulência da ira; e ele aprende pela prática a nunca negligenciar sua própria alma, temendo ser mais uma vez abandonado. É pelo medo que ele se mantém longe da queda, e é abençoado sempre com lágrimas de arrependimento e com a tristeza interior até que ele obtém as lágrimas  amor e gozo, por meio da qual pela Graça de Cristo seus pensamentos são definidos em paz.

Ainda que estejamos apaixonados e obstinados devemos sempre meditar nas palavras de tristeza, e devemos nos examinar diariamente, tanto antes de nossa regra de oração, quanto durante e depois. Nós devemos fazer isto se nós ainda estamos lutando, a despeito de nossa fraqueza, a nos devotar completamente a Deus e dar as costas a tudo o mais, como coloca São Isaac; devemos fazer isso mesmo quando deixamos tudo e permanecemos concentrados, com nossos olhos sem descanso e nossa mente atenta, como diz São João Clímaco. Considere que progresso você está fazendo nestas coisas, de modo que sua alma possa ser castigada e começar a experimentar o dom das lágrimas, como diz São Doroteu.

Estes são os três primeiro estágios da contemplação, por meio dos quais estamos habilitados a avançar em outros estágios.

O segundo estágio da contemplação

continuação do post anterior.
Páginas 112 a 114

Ai, ai de mim, infeliz que sou! O que posso fazer? Eu que tenho pecado enormemente. Muitas bençãos me foram concedidas, e eu estou muito fraco. São muitas as tentações: a preguiça me oprime, o esquecimento me abate de modo a não me deixar ver a mim mesmo e meus muitos crimes. Ignorância é mal; transgressão da consciência é ainda pior; virtude é difícil de alcançar, já que as tentações são muitas; os demônios são astutos e sutis; pecar é fácil; a morte é chegada; o acerto de contas é amargo. Ai de mim, o que eu farei? Como fugirei de mim? Pois eu sou a causa de minha própria destruição. Eu fui honrado com livre vontade e nada faço forçadamente. Eu pequei e o faço constantemente, e eu sou indiferente às coisas boas, ainda que ninguém me constranja a isso. A quem posso culpar? Deus, que é bom e cheio de compaixão, que sempre espera que nos voltemos a Ele com arrependimento? Os anjos, que nos amam e protegem?Os homens que também desejam meu progresso? Os demônios? Eles não podem constranger quem quer que seja quando tal pessoa, por conta de sua negligência ou desespero, escolheu destruir-se. A quem devo culpar? Certamente a mim mesmo, não?

Começo a ver minha alma sendo destruída, e ainda eu não faço nenhum esforço para embarcar em uma vida divina. Por que, oh minha alma, sois tão indiferente acerca de si mesma? Por que, quando peca, não te envergonhas diante de Deus e dos anjos do mesmo modo que o ficas diante dos homens? Ai, ai de mim, que não sinto vergonha diante de meu Criador como sinto diante dos homens. Diante dos homens não ouso pecar, mas me esforço ao máximo para parecer estar  agindo corretamente; mas diante de Deus me inundam maus pensamentos que frequentemente não me envergonham falar deles! Quanta insanidade! Ainda que peque não temo o Senhor que me assiste, e ainda não posso comentar tal ato a um simples homem para não lhe dar ensejo de corrigir-me. Ai de mim, pois eu conheço a punição e ainda assim não quero me arrepender. Eu amo o Reino dos Céus e ainda não adquiri virtude. Eu creio em Deus, mas constantemente transgrido seus mandamentos. Eu odeio o mal, mas não paro de colaborar com ele. Se rezo, logo perco o interesse e torno-me insensível. Se jejuo, torno-me orgulhoso, e causo-me ainda maior dano. Se mantenho vigília, presumo ter alcançado algo, e assim não gozo de nenhum proveito. Se leio, faço uma destas duas coisas em minha obstinação: ou leio para proveito de um saber profano e cheio de autoestima, e assim torno-me ainda mais ignorante; ou, pela leitura, não surtindo efeito no espírito tudo o que li, faz-me ainda crescer a culpa. Se, pela Graça de Deus acontece  d'eu parar de pecar em atos exteriores, eu não paro de pecar continuamente no que eu digo. E, se pela Graça de Deus devo proteger-me também disso, eu continuo a provocar a sua ira pelos meus maus pensamentos. Ai de mim, o que eu posso fazer? Onde quer que eu vá deparo-me com o pecado. Em qualquer canto há demônios. O desespero é o pior de tudo. Eu provoquei a Deus, eu entristeci seus anjos, eu frequentemente injuriei e ofendi os homens.

Eu gostaria, Senhor, de apagar a recordação de meus pecados pela lágrimas, e mediante o arrependimento viver o resto de minha existência de acordo com Tua vontade. Mas o inimigo engana-me e batalha com minha alma. Senhor, diante desse perigo eu perecerei completamente, salva-me.

Eu pequei contra Ti, salvador, como o filho pródigo; recebe-me, Pai, em meu arrependimento e tenha misericórdia de mim, oh Senhor!

Eu choro a Ti, oh Cristo meu Salvador, com a voz do publicano: sede doador de graças para comigo, como foste para com ele, e tenha misericórdia de mim, Oh Deus!

O que acontecerá nos últimos dias? O que virá depois? Quão infeliz sou! "Quem dará água à minha cabeça, e quem verterá meus olhos em fonte de lágrimas?" (Jeremias 9:1 ; Septuaginta). Quem poderá chorar por mim, tanto quanto mereço? Eu mesmo, não o posso. venham, montanhas, cobrir minha abjeção. O que tenho a dizer? Quantas bençãos tem Deus me concedido, bençãos que apenas Ele conhece, e quantas coisas terríveis em ato, palavra e pensamento eu fiz em minha ingratidão, sempre provocando Meu Benfeitor. E quanto mais longânimo Ele é, mais eu o desdenho, tornando-se mais duro meu coração do que pedras sem vida. Eu não me desespero, mas reconheço Sua grande compaixão.

Eu não tenho arrependimento, nem lágrimas. Por isso suplico a Ti, Senhor, para que eu me converta antes que eu morra e concede-me o dom do arrependimento, para que eu seja poupado do justo castigo.

Oh Senhor meu Deus, não me abandoneis, ainda que eu seja nada diante de Ti, ainda que eu seja completamente pecador. Como poderei tornar-me consciente de meus muitos pecados? Pois a menos que eu seja consciente, severa é a minha condenação. Pois Tu criaste céus e terra, e os quatro elementos e tudo o que é formado deles, como São Gregório, o Teólogo, diz. Eu manterei silêncio quanto ao restante, pois eu sou mui indigno e tenho muitos crimes, para dizer qualquer coisa. Quem, mesmo que tenha intelecto de anjo,  poderia compreender todas as bençãos incontáveis, que me foram dadas? E por causa de minha obstinação em não mudar eu os perderei todos.

Pela meditação neste caminho, um homem gradualmente avança ao terceiro estágio da meditação.