Cristo Pantocrator

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Segunda Centúria dos Textos Sobre o Amor de São Máximo, o Confessor

Os textos abaixo são continuação dos 400 escritos sobre o amor de São Máximo, o Confessor.
Posto agora o segundo cento de textos sobre o amor.
Uso a mesma edição e as páginas traduzidas aqui vão da página 66 a 82.

Segunda Centúria
São Máximo, o Confessor
tradução de Rochelle Cysne

1) Aquele que ama Deus reza inteiramente sem distração, e aquele que reza inteiramente sem distração ama a Deus verdadeiramente. Mas aquele cujo intelecto está fixado em qualquer coisa mundana nem reza sem distração por conseguinte não ama a Deus verdadeiramente.

2) O intelecto envolvido com alguma coisa sensível claramente está atado por alguma paixão, como o desejo, a irritação, a ira ou o rancor; e a menos que ele se desprenda de tal coisa, ele não será capaz de se libertar da paixão que o afeta.

3) Quando paixões dominam o intelecto, elas o separam de Deus, ligando-o a coisas materiais e preocupando-o com elas. Mas quando o amor de Deus domina o intelecto, Ele liberta-o destes laços, persuadindo-o a elevar-se para além não apenas das coisas sensíveis, como mesmo desta vida transitória.

4) O efeito de observar os mandamentos é libertar das paixões nossas imagens conceituais das coisas. O efeito da leitura espiritual e da contemplação é separar o intelecto da forma e da matéria. É isto o que dá origem à oração sem distração.

5) A menos que várias contemplações sucessivas também ocupem o intelecto, a prática das virtudes por si mesma não pode libertá-las tão inteiramente das paixões a fim de que seja capaz de orar sem distração. A práticas das virtudes liberta o intelecto apenas da dissipação e do ódio; a contemplação espiritual liberta-a também do esquecimento e da ignorância. Neste sentido o intelecto pode orar como deve.

6) Dois estados de pura oração são exaltados acima de todos os outros. Um é encontrado naqueles que não avançaram além da prática das virtudes, o outro naqueles que seguem a via da contemplação. O primeiro é engendrado na alma pelo temor de Deus e uma firme esperança nEle, o segundo por um intenso fervor por Deus e pela total purificação. O sinal do primeiro é que o intelecto, abandonando todas as imagens conceituais do mundo, concentra-se e ora sem distração ou perturbação como se o próprio Deus estivesse ali presente, como de fato está. O sinal do segundo é que já no início da oração o intelecto é invadido de tal modo pela luz divina e infinita que ele perde a consciência de si mesmo e das demais coisas criadas, mas percebe somente Ele que por seu amor ativou tamanha radiação. E assim então, sendo consciente das qualidades de Deus, ele recebe reflexões claras e distintas dEle.

7) O que quer que um homem ame ele inevitavelmente se apega a isto, e de modo a não perder tal coisa ele rejeita tudo que mantenha-o longe do que ama. Assim, aquele que ama a Deus cultiva a pura oração, expulsando toda paixão que o afasta de Deus.

8) Aquele que expulsa o amor de si (filaucia), a mãe de todas as paixões, contará com a ajuda  de Deus e facilmente se desatará do resto, como da raiva, irritação, rancor e etc. Mas aquele que é dominado pelo amor de si é superalimentado por outras paixões, ainda que contra a sua vontade. O amor de si é a paixão que nos ata ao corpo.

9) Os homens amam uns aos outros, ou de modo louvável ou vergonhoso, isso por cinco razões: ou por amor a Deus, pois o homem virtuoso ama a todos e o homem ainda não virtuoso ama os virtuosos; ou por natureza, como os pais amam suas crianças e as crianças amam seus pais; ou por causa da autoestima, como aquele que é bajulado ama quem o bajula; ou por causa da avareza, como quem ama um homem rico pelo que pode tirar dele; ou por causa da autoindulgência, como o homem que vive para sua pança e genitália. O primeiro destes amores é recomendável, o segundo é de um tipo intermediário e o resto está no domínio das paixões.

10) Se existissem alguns homens que você odiasse e alguns outros que você nem amasse, nem odiasse, e outros ainda que você amasse fortemente e outros novamente que você amasse moderadamente, reconheça dessa discrepância que você está distante do amor perfeito. Pois o amor perfeito pressupõe que você ame a todos os homens igualmente.

11) 'Aparta-te do mal e faze o bem' (Salmo 34:14), isto é , lute contra o inimigo de modo a diminuir as paixões, e então seja vigilante para que não cresçam ainda mais. E novamente, lute para adquirir as virtudes e então seja vigilantes de maneira a mantê-las.  É este o significado de 'cultivar' e 'manter' (cf. Gênesis 2:15).

12) Aqueles a quem Deus permite que nos testem ou inflamam alguma parte desejante da alma, ou agitam seu poder incencisvo, ou obscurecem sua inteligência, ou envolvem seu corpo na dor, ou priva-os das necessidades físicas.

13) Os demônios ou nos tentam, ou se armam contra nós por meio daqueles que não temem o Senhor. Eles nos tentam quando nós decidimos nos retirar do convívio humano, como tentaram nosso Senhor no deserto. Eles nos tentam por meio de pessoas quando despendemos nosso tempo na companhia delas como tentaram nosso Senhor por meio dos Fariseus. Mas seja qual for a linha de ataque que eles escolham, vamos repeli-los mantendo nosso olhar fixo no exemplo de nosso Senhor.

14) Quando o intelecto começa a avançar no amor a Deus, o demônio da blasfêmia começa a tentá-lo, sugerindo pensamentos que nenhum homem, mas apenas o demônio, o pai da mentira, poderia inventar. Ele faz isso por inveja, para que o homem de Deus, no desespero de pensar tais coisas, não ousa mais elevar-se a Deus em sua oração habitual. Mas o demônio não leva a melhor. Muito pelo contrário, ele nos torna ainda mais inabaláveis. Por meio de seus ataques e nossas retaliações nós adquirimos mais experiência no amor genuíno a Deus. Pode sua espada transpassar nosso coração e podem seus arcos serem quebrados (Salmo 37:15)

15) Quando o intelecto volta a sua atenção para o mundo visível, ele percebe coisas por meio dos sentidos de um modo concordante com a natureza. Ora, o intelecto não é mau, nem o é sua capacidade natural para formar imagens conceituais das coisas, nem ainda as coisas mesmas, nem tampouco os sentidos, pois tudo é obra de Deus. O que, então, é o mal? É obviamente a paixão que entra nas imagens conceituais formadas de acordo com a natureza pelo intelecto; e isso não precisa acontecer. Basta que o intelecto esteja atento.


16) Paixão é um impulso da alma contrário à natureza, como no caso tanto do amor quanto do ódio estúpidos por alguém ou alguma coisa. No caso do amor, pode ser por comida desnecessária, ou por uma mulher, ou por dinheiro, pela glória breve, ou por outros objetos sensíveis de sua estima.  No caso do ódio, pode ser por qualquer das coisas mencionadas, ou por alguém em relação a estas coisas.

17) Novamente, vício é um uso errado de nossas imagens conceituais, que nos conduz a misturar as coisas mesmas. Em relação às mulheres, por exemplo, a relação sexual, corretamente usada, tem o propósito de gerar crianças. Aquele que, consequentemente, procura na relação sexual apenas prazer usa-o erradamente, pois eles consideram como bem o que não é um bem. Quando um homem tem reações sexuais com uma mulher, ele abusa dela. E o mesmo é verdadeiro em relação às outras coisas e nossas imagens conceituais delas.

18) Quando o demônio afasta o autocontrole de nosso intelecto e lhe assedia com pensamentos não castos, volte ao Senhor com lágrimas e diga: "Agora eles se dirigem a nós cercando nossos passos.” (Salmo 17:11). “Vossa arte minha suprema alegria: livra-me daqueles que me cercam” (Salmo 32:7). Então você estará salvo.

19) O demônio da fornicação é poderoso e ele ataca violentamente aqueles que lutam contra as paixões, particularmente se eles são relaxados em matéria de dieta e com frequência se encontram com mulheres. Com a volúpia do prazer sensual ele sem perceber entra furtivamente no intelecto e após isso persegue o hesicasta por meio da memória, pondo seu corpo em chamas e apresentando várias tentações ao seu intelecto. Por este caminho ele evoca seu assentimento ao pecado. Se você não quer que isso prolongue em você, volte-se novamente ao jejum, ao trabalho manual, às vigílias e ao silêncio abençoado com oração fervorosa intensa.

20)Aqueles que estão sempre tentando prender nossa alma por meio de pensamentos apaixonados, nos dirigem ao pecado, seja por meio de pensamentos, seja por meio da ação. Consequentemente, quando eles encontram o intelecto não receptivo, cairão em desgraça e vergonha; e quando eles encontram o intelecto ocupado com a contemplação espiritual eles ‘retornem e sejam envergonhados’ (Salmo 6:10).

21) Aquele que unge seu intelecto para a batalha espiritual e conduz todos os seus pensamentos apaixonados para fora tem a qualidade de um diácono. Aquele que ilumina seu intelecto com o conhecimento das coisas criadas e depois destrói o falso conhecimento tem a qualidade de um padre. E aquele que aperfeiçoa seu intelecto com a mirra sagrada do conhecimento e venera a Santíssima Trindade tem a qualidade de um bispo.

22) Os demônios são enfraquecidos quando as paixões em nós diminuem devido à nossa obediência aos mandamentos; e eles são derrotados totalmente quando são expulsos pela imparcialidade, pois então eles não encontram mais qualquer coisa pela qual eles possam entrar na alma e lutar contra ela. E é isto o que quer dizer: ‘eles serão enfraquecidos e derrotados diante de Tua face’. (Salmo 9:3). 

23) Alguns homens se abstém das paixões por causa do temor humano, outros por obra da autoestima, e outros ainda pelo autocontrole. Alguns, porém, são libertos das paixões por obra da Divina Providência.

24) Todos os discursos de Nosso Senhor contém estes quatro elementos: mandamentos, doutrinas, ameaças e promessas. Com a ajuda deles nós suportamos todo tipo de miséria, como jejum, vigília, dormir no chão, labuta e trabalho em atos de serviço, insultos, desonra, tortura, morte e etc. "Auxiliado pelas palavras de Teus lábios", diz o salmista, "Eu me mantive na vereda difícil" (Salmo 17:4).

25) A recompensa do autocontrole é o desapego, e a recompensa da fé é o conhecimento espiritual. O desapego engendra discernimento, e o conhecimento espiritual engendra amor por Deus.

26) Quando o intelecto pratica as virtudes corretamente ele avança no entendimento espiritual. Quando ele pratica a contemplação, ele avança no conhecimento espiritual. O primeiro engendra a luta espiritual que diferencia virtude e vício; o segundo conduz o participante para as qualidades inerentes das coisas corpóreas e incorpóreas. Finalmente, ao intelecto é concedida a Graça da teologia quando, carregado nas asas do amor além destes dois primeiros estágios, ele é tomado por Deus e, com a ajuda do Espírito Santo, ele discerne - na medida do possível ao intelecto humano - as qualidades de Deus.

27) Se queres entrar no reino da teologia, não procure descrever a natureza íntima de Deus, pois nem o intelecto humano nem qualquer outro ser abaixo de Deus pode experimentar isso; mas tente discernir, na medida do possível, as qualidades que pertencem à natureza Dele - qualidades de eternidade, infinidade, indeterminação, bondade, sabedoria e o poder criador, preservando e julgando as criaturas, etc. Pois quem descobre tais qualidades, ainda que pequeno em tamanho, é um grande teólogo.

28) Aquele que combina a prática das virtudes com o conhecimento espiritual é um homem de poder. Pois com o primeiro ele seca seu desejo e doma seu fogo, e com o segundo ele dá asas ao seu intelecto e vai ele mesmo em direção a Deus.

29) Quando Nosso Senhor diz, "Eu e o Pai somos um" (João 10:30), Ele indica sua identidade de essência. Novamente, quando Ele diz, "Eu estou no Pai e o Pai está em mim" (João 14:11), Ele mostra que as Pessoas não podem ser divididas. Os triteístas, conseqüentemente, que dividem o Filho do Pai, encontram-se eles próprios em um dilema. Ou eles dizem que o Filho é coeterno ao Pai, não obstante separe-se do Pai, sendo obrigados a admitir que Ele não foi gerado do Pai; por conseguinte caem no erro de admitir três Deuses havendo assim três primeiros princípios. Ou então eles dizem logo que o Filho é gerado pelo Pai ainda que se separe dele, e assim são forçados a dizer que ele não é coeterno ao Pai; o que os leva a fazer o Senhor do tempo preso ao tempo. Pois, conforme disse Gregório de Nazianzo, é necessário manter tanto que há um só Deus e confessar as três Pessoas, cada um em sua própria individualidade. De acordo com São Gregório, a Divindade é repartida mas sem divisão e é unida com distinção. Por conta destes dois aspectos, a divisão e a união são paradoxais. Pois que paradoxo haveria se o Filho fosse unido ao Pai e separado dele apenas de um modo em que um ser humano é unido a alguém e separado de um outro, e nada além disso?

30) Para aquele que é perfeito no amor e alcançou o cume do desapego não há diferença entre o que lhe é próprio ou de outrem, ou entre os Cristãos e os não crentes, ou entre escravos e homens livres, ou entre homem e mulher. Mas porque ele foi posto acima da tirania das paixões e fixou sua atenção na singular natureza do homem, ele olha para tudo do mesmo jeito e demonstra a mesma disposição para tudo. Pois nele não há nem Grego nem judeu, homem ou mulher, nem escravo nem homem livre, mas Cristo que é "tudo em todos" (Col. 3:11; cf. Gal 3:28).

31) As paixões que permanecem ocultas na alma fornecem aos demônios meios de despertar pensamentos cheios de paixão em nós. Assim, lutando contra o intelecto por meio destes pensamentos, eles o forçam a dar assentimento ao pecado. Quando ele foi vencido, eles o conduzem a pecar em pensamento; e quando isto foi feito eles o induzem, como cativo deles, a cometer o pecado em ação. Desolando a alma por meio de tais pensamentos, os demônios então batem em retirada, tomando os pensamentos com eles, e assim apenas o espectro ou ídolo do pecado permanece no intelecto. Referindo-se a isto Nosso Senhor diz, "Quando vocês virem o ídolo abominável da desolação estando no lugar santo (quem lê isto, entende)..." (Mateus 24:15). Pois o intelecto do homem é um lugar santo e um templo de Deus no qual os demônios, tendo desolado a alma por meio de pensamentos apaixonados, elevam o ídolo do pecado. Se estas coisas já aconteceram na história, ninguém, eu penso, que tenha lido Josefo duvidará; ainda que alguns digam que isto também ocorrerá no tempo do Anticristo.

32) Há três coisas que nos impelem para o que é santo: instintos naturais, poderes angelicais e probidade de intenção. Os instintos naturais nos impelem, quando, por exemplo, nós fazemos aos outros o que gostaríamos que nos fizessem (Lucas 6:31), ou quando nós vemos alguém sofrendo privação e necessidade e assim sentimos compaixão. Os poderes angélicos nos impelem quando, sendo nós impelidos para algo que valha a pena, nós nos percebemos sendo providencialmente ajudados e guiados. Nós somos impelidos pela probidade de intenção quando, discernindo entre o bem e o mal, nós escolhemos o bem.

33) Há também três coisas que nos impelem em direção ao mal: paixões, demônios e intenções pecaminosas. As paixões nos impelem quando, por exemplo, desejamos alguma coisa além do que é razoável, como a comida que é desnecessária, ou a mulher que não é a nossa esposa ou por um propósito outro que não seja a procriação, ou então quando somos excessivamente irritáveis ou irascíveis com alguém que, por exemplo, possa nos ter desonrado ou injuriado. Os demônios nos impelem quando, por exemplo, eles nos tomam a guarda e subitamente lançam um ataque contra nós, agitando as paixões já mencionadas e outras de natureza similar. Nós somos impelidos por intenções pecaminosas quando, a despeito de conhecer o bem, escolhemos o mal.

34) O prêmio pela labuta da virtude é o desapego e o conhecimento espiritual. Pois estes são mediadores do Reino dos Céus, assim como paixões e ignorância são mediadores da punição eterna. É por isso que aquele que procura tais prêmios por amor à glória humana e não por sua divindade intrínseca é censurado com as palavras da Escritura, "Você pede, e não recebe, porque pede errado" (Tiago 4:3).

35) Muitas atividades humanas, boas nelas mesmas, não são boas por causa das motivações pelas quais são feitas. Por exemplo, jejum e vigília, oração e salmodia, atos de caridade e hospitalidade são bons por natureza, mas quando são realizados por amor à autoestima eles não são bons.

36) Em tudo o que fazemos, Deus sonda nosso propósito para ver se nós o fazemos para Ele ou por algum outro motivo.

37) Quando você escuta as palavras da Escritura, "Retribuirás a cada homem de acordo com suas obras" (Salmo 62:12), não pense você que Deus premiará quando alguma coisa foi feita por propósitos errados, ainda que ela pareça boa. Claramente Ele retribui com bençãos apenas o que foi feito por um reto propósito. Pois o julgamento de Deus não olha as ações mas os propósitos subjacentes a eles.


37) Quando você escuta as palavras da Escritura, "Retribuirás a cada homem de acordo com suas obras" (Salmo 62:12), não pense você que Deus premiará quando alguma coisa foi feita por propósitos errados, ainda que ela pareça boa. Claramente Ele retribui com bençãos apenas o que foi feito por um reto propósito. Pois o julgamento de Deus não olha as ações mas os propósitos subjacentes a eles.

38) A malícia do demônio do orgulho assume duas formas. Ou ele persuade o monge a atribuir suas realizações a si mesmo e não a Deus, o Doador de toda bondade e auxílio em cada realização; ou, se isso falha, ele sugere que ele deve depreciar aqueles irmãos que são ainda menos perfeitos do que ele mesmo. Influenciado neste sentido, ele não percebe que o demônio o está persuadindo a negar a ajuda de Deus. Pois, se ele deprecia seus irmãos por falta de "boas" realizações da parte deles, ele claramente infere que ele atingiu progresso por conta de seus próprios poderes. Mas isso é impossível, uma vez que o Senhor disse: "Sem mim, nada podeis fazer" (João 15:5). Pois mesmo quando somos impelidos ao que é bom, nossa fraqueza não pode deixar vir à tona qualquer fruição sem o auxílio do Doador de toda bondade.

39) A pessoa que veio a conhecer a fraqueza da natureza humana ganhou experiência do poder divino. Tal homem, tendo realizado alguma coisas e ansioso para realizar outras tantas por este divino poder, nunca deprecia ninguém. Pois ele sabe que, assim como Deus o tem ajudado e o libertado de muitas paixões e dificuldades, assim também, quando Deus deseja, Ele pode ajudar a todos os homens, especialmente aqueles que perseguem, por amor a Deus, a via espiritual. E, se em sua divina Providência, Ele não liberta todos os homens juntos de suas paixões, ainda como um médico bom e amável, Ele cura com tratamento individual cada um daqueles que estão tentando fazer progresso.

40) Nós inflamos no orgulho quando as paixões cessam de agir em nós, e isto ocorre ou quando elas estejam inativas pela erradicação de suas causas, ou quando os demônios tenham deliberadamente as retirado de modo apenas a nos enganar.

41) Quase todo pecado é cometido por amor aos prazeres sensuais; e o prazer sensual é vencido por dificuldades e sofrimentos nascidos voluntariamente do arrependimento, ou então involuntariamente como resultado de alguma inversão salutar e providencial. "Pois se julgássemos a nós mesmos, nós não seríamos ser julgados; mas quando somos nós somos julgados, nós somos repreendidos pelo Senhor, para que assim não sejamos condenados com o mundo". (1 Cor 11: 31-32).

42) Quando um julgamento vem a você de forma inesperada, não culpe a pessoa que o fez mas tente descobrir a razão de porquê ele veio, e então você encontrará um jeito de lidar com isto. Pois quer seja por esta pessoa, quer seja por qualquer outra, você teve em qualquer caso de beber o absinto do julgamento de Deus.

43) Tanto quanto você tenha maus hábitos mas não rejeite as dificuldades, tanto quanto será humilhado e seu orgulho expulso.

44) Algumas vezes os homens são testados pelo prazer, algumas vezes pela aflição ou sofrimento físico. Por meio de Suas prescrições, o Médico das almas administra o remédio de acordo com a causa das paixões que permanecem ocultas na alma.

45) Julgamentos são enviados para uns a fim de extraírem pecados passados, para outros a fim de erradicarem pecados cometidos neste momento e ainda para outros no intuito de prevenir pecados que possam vir a ser cometidos no futuro. Estes são distintos dos julgamentos que surgem de modo a testar os homens do modo como Jó foi testado.

46) O homem sensível, levando em consideração o efeito corretivo das prescrições divinas, suporta alegremente os sofrimentos que recaem sobre ele, já que ele está consciente de que eles não possuem outra causa que seus próprios pecados. Mas quando o tolo, ignorante da suprema sabedoria da providência de Deus, peca e é corrigido, ele considera ou que Deus ou os outros homens são responsáveis pelas próprias dificuldades que enfrenta.

47) Certas coisas interrompem o movimento das paixões e não as permite crescer; outras as subjuga e as fazem diminuir. Por exemplo, quando o desejo é considerado, jejum, labuta e vigília não as permite crescer, enquanto aflição, contemplação, oração e intensa nostalgia de Deus as subjuga e as fazem desaparecer. O mesmo é verdadeiro com relação à ira. Paciência, libertação do ressentimento, gentileza, por exemplo, tudo isso reprime a ira e previne seu crescimento, enquanto amor, atos de caridade, doçura e compaixão a fazem diminuir.

48) Quando o intelecto do homem está constantemente com Deus, seu desejo cresce além de toda medida em uma intensa saudade de Deus e seu ardor é completamente transformado em amor divino. Pois seu intelecto torna-se totalmente preenchido de luz pela participação contínua no esplendor divino; e quando ele assume tal aspecto, ele o direciona para Deus, conforme já foi dito, preenchendo-o com uma nostalgia intensa e incompreensível por Ele e com um amor incessante, transfigurando assim inteiramente as coisas mundanas em divinas.

49) Um homem pode não ser invejoso, nem furioso, nem ainda carregar mágoa contra alguém que o ofendeu e mesmo assim não amar necessariamente o ofensor. Ora, ainda que falte o amor, ele pode ser capaz de não retribuir o mal com o mal sem qualquer esforço extra. Estar espontaneamente disposto a "fazer o bem aqueles que nos odeiam" (Mateus 5: 44) pertence apenas ao amor espiritual.

50) Se um homem não ama alguém, isto não significa necessariamente que  o odeie; e conversivamente, se não o odeia, não significa necessariamente que o ame, uma vez que ele pode ser neutro com relação a ele, isto é, nem amá-lo, nem odiá-lo. Pois a disposição para o amor é criada apenas nos cinco sentidos listados no texto nove desta centúria, um recomendável, um de tipo intermediário e três condenáveis.

51) Quando você perceber seu intelecto prazerosamente ocupado com coisas materiais e se tornando ternamente atado a tais imagens conceituais, esteja certo de você ama mais a tais coisas do que ao próprio Deus. "Pois onde está o seu tesouro, lá estará também o seu coração". (Mateus 6:21).

52) O intelecto unido a Deus por longo período mediante oração e amor torna-se sábio, bom, poderoso, compassivo, misericordioso, paciente: em suma, ele reúnem em seu interior todas as qualidades divinas. Mas quando o intelecto se afasta de Deus e se une às coisas materiais, ou ele se torna autoindulgente como um animal doméstico, ou como uma fera selvagem ele luta contra os homens pelo amor à estas coisas materiais.

53) A Escritura chama as coisas materiais de "mundo"; e os homens mundanos são aqueles que ocupam suas mentes com tais coisas. É repreendendo esse tipo de homem que a Escritura diz: "Não ameis o mundo nem as coisas que estão no mundo... O desejo da carne, e o desejo dos olhos, a soberba da vida, não são de Deus, mas do mundo" (1 João 2: 15-16).

54) Um monge é um homem que libertou seu intelecto da união às coisas materiais e por meio do autocontrole, amor, salmodia e oração abre caminho para Deus.

55) O pastor significa o homem que pratica as virtudes, pois as realizações morais podem ser comparadas a um rebanho. É por isso que Jacó disse, "Seus servos são pastores" (Gênesis 46:34). O pastor significa o gnóstico, por ovelha entendamos os pensamentos pastoreados pelo intelecto nas montanhas da contemplação. Esta é a razão de que "todo pastor é abominação aos egípcios" (Gênesis 46: 34), isto é, aos poderes demoníacos.

56) Quando o corpo é pressionado pelos sentidos a ser indulgente com seus próprios desejos e prazeres, o intelecto corrompido sucumbe literalmente aos impulsos e fantasias apaixonados. Mas o intelecto regenerado exerce autocontrole e retém-se deles. Mais ainda, como um verdadeiro filósofo, ele estuda como retificar tais impulsos.

57) Há virtudes do corpo e virtudes da alma. As do corpo incluem jejum, vigília, dormir no chão, ministrar as necessidades das pessoas, trabalhando com as mãos de modo a não ser pesado e oferecer-se aos demais (cf 1 Tessalonicenses 2:9 , Efésios 4:28). As virtudes da alma incluem amor, longanimidade, benignidade, autocontrole e oração (cf. Gálatas 5:22). Se com efeito de algum esforço ou condição corporal desfavorável, como doença ou algo semelhante a isto, nós verificamos a impossibilidade de praticar as virtudes corporais listadas acima, nós somos perdoados pelo Senhor, que conhece as razões. Mas se falhamos em praticar as virtudes da alma, nós não teremos uma desculpa sequer, pois está sempre em nosso poder praticá-las.

58) O amor a Deus conduz aquele que o possui a ser indiferente a todo prazer transitório e a todo labor e aflição. Veja os santos, que sofreram com tanto gozo por Cristo, que serás convencido disso.

59) Guarde-se da mãe dos vícios, o amor próprio, que é o amor estúpido pelo corpo. Pois ele dá nascimento às justificações ilusórias para os três pensamentos apaixonados primordiais. Eu falo aqui da glutonaria, avareza e autoestima, que se servem do pretexto de estarem cuidando do corpo. Todos os vícios subsequentes são gerados por estas três. Logo, esteja em guarda, como já dito e lute contra o amor de si com grande vigilância. Pois quando este vício é erradicado, todos os outros são erradicados também.

60) A paixão do amor de si sugere ao monge que ele deve ter piedade de seu próprio corpo e em nome de seu autocuidado e autogoverno ele deve tomar mais comida do que é conveniente; pois nesse sentido o amor de si o conduzirá passo a passo a cair da autopiedade e autoindulgência. Por outro lado, o amor de si incita aqueles que não são monges a cumprir os desejos do corpo imediatamente.

61) É dito que o estado mais alto de oração é alcançado quando o intelecto vai além da carne e do mundo, e enquanto ora é completamente libertado da matéria e da forma. Aquele que se mantém nesse estado verdadeiramente atingiu a oração que não cessa.

62) Quando o corpo morre, ele é totalmente separado das coisas deste mundo. De modo similar, quando o intelecto morre durante aquele estado supremo de oração, ele é apartado de todas as imagens conceituais deste mundo. Se ele não experimentar tal morte, ele não pode estar com Deus e viver nEle.

63) Não se deixe enganar, monge, com a impressão de que possa ser salvo enquanto escravo dos prazeres sensuais e da autoestima.

64)  Quando o corpo pecar por meio de coisas materiais, há virtudes corporais que ensinam o autocontrole. De modo semelhante, quando o intelecto peca por meio de imagens conceituais apaixonadas, há a virtude da alma para instruí-lo, de modo que analisando as coisas de maneira pura e objetiva, pode-se também aprender o autocontrole.

65) Como a noite segue o dia e o inverno o verão, assim também aflição e dor seguem a autoestima e os prazeres sensuais, tanto nesta vida quanto na vindoura.

66) Nenhum pecador pode escapar do julgamento futuro a não ser experimentando nesta vida ou a dificuldade voluntária ou aflições não desejadas.

67) Foi dito que há cinco razões pela quais Deus permite que sejamos atacados por demônios. A primeira é de tal modo que, pelo ataque e contra-ataque, nós aprendamos a discriminar entre virtude e vício. A segunda é que, tendo adquirido virtude por meio do conflito e da labuta, nós possamos mante-la segura e imutável. A terceira é que, quando fazemos progresso na virtude, nós não nos tornamos altivos, mas aprendemos a humildade. A quarta é que, tendo ganho alguma experiência do mal, nós devemos "odiá-lo com ódio perfeito" (Cf. Salmo 139:22). A quinta razão e a mais importante é que, tendo atingido a imparcialidade, não caiamos no esquecimento nem de nossa fraqueza, nem do poder dEle em nosso auxílio.

68) Como o intelecto do homem faminto imagina pão, do sedento água, assim o intelecto do glutão imagina uma profusão de comidas, o do sensualista várias mulheres, o do homem vão a honra mundana, do avarento um ganho financeiro, do homem rancoroso a vingança naquele que o ofendeu, aquele do invejoso em como prejudicar o objeto de sua inveja, e o mesmo se passando com todas  as outras paixões. Pois um intelecto agitado pelas paixões é assediado por imagens conceituais estando o corpo acordado ou adormecido.

69) Quando o desejo cresce em força, o intelecto em sonho imagina coisas que dão prazer sensual; e quando o poder incensivo cresce em força, ele imagina coisas que causam medo. Pois os demônios impuros, encontrando na nossa negligência um aliado, fortalecem e excitam as paixões. Mas os santos anjos, nos induzindo a realizar obras de virtude, os enfraquecem.

70) Quando o aspecto desejante da alma é frequentemente excitado, ele implanta na alma um hábito de autoindulgência que é difícil de quebrar. Quando o poder incensivo da alma é constantemente estimulado, a alma por fim fica covarde e pusilânime. A primeira das quedas é curada por um longo exercício de jejum, vigília e oração; a segunda por doçura, compaixão, amor e misericórdia.

71) Os demônios lutam contra nós através de coisas ou por meio de imagens conceituais apaixonadas destas coisas. Eles lutam por meio de coisas contra aqueles que estão ocupados demais no mundo das coisas e usam as imagens conceituais contra aqueles que não são tão unidos ao mundo das coisas.

72) Assim como é mais fácil pecar na mente do que em ação, assim também guerrear contra nossas imagens conceituais é bem mais penoso do que fazer guerra contra as coisas mesmas.

73) As coisas estão fora do intelecto, mas as imagens conceituais destas coisas são formadas em seu interior. Consequentemente está no poder do intelecto fazer bom ou mau uso das imagens conceituais. Seu uso errado decorre do abuso das coisas mesmas.

74) O intelecto recebe imagens conceituais apaixonadas por três caminhos: pelos sentidos, pela condição do corpo ou pela memória. Ele os recebe pelos sentidos, quando os próprios sentidos recebem impressões das coisas em relação às quais se adquiriram paixão, e quando estas coisas  agitam pensamentos apaixonados no intelecto; através da condição do corpo quando, como resultado de um modo de vida não disciplinado, ou da atividade dos demônios, ou de alguma doença, o equilíbrio de elementos no corpo é perturbado e novamente o intelecto é agitado em direção a pensamentos apaixonados ou a pensamentos contrários à Providência; através da memória quando a memória lembra as imagens conceituais das coisas que nos fizeram apaixonar uma vez, e assim desperta de uma forma semelhante pensamentos apaixonados.

75) Algumas das coisas dadas a Deus para nosso uso estão na alma, outras estão no corpo e outras se relacionam ao corpo. Na alma são seus poderes; no corpo são os órgãos dos sentidos e outros membros; em relação ao corpo são comida, dinheiro, posses etc. Em nosso bom ou mau uso destas coisas dadas por Deus, ou do que depende deles, revela se somos virtuosos ou maus.

76) Das coisas contingentes dadas por Deus, algumas estão na alma, algumas no corpo e algumas se relacionam ao corpo. Aquelas na alma são conhecimento e ignorância espiritual, esquecimento e memória, amor e ódio, temor e coragem, aflição e gozo, e assim vai. Aquelas no corpo são prazer e dor, sensação e entorpecimento, saúde e doença, vida e morte, e assim vai. Aquelas que se relacionam ao corpo são ter ou não crianças, riqueza e pobreza, fama e obscuridade, e assim vai. Algumas destas são reconhecidas como boas e outras como más. Nenhuma delas é má em si mesma. De acordo como elas são usadas elas podem acertadamente ser ditas boas ou más.

77) Tanto conhecimento espiritual quanto saúde são bons por natureza, ainda que seus opostos tenham sido mais benéficos para a maioria das pessoas. Pois tal conhecimento pode se servir afins ruins que interessam aos perversos, mas ainda assim, conforme já dissemos, ele é bom em si mesmo. O mesmo é verdadeiro com relação à saúde, riqueza e gozo, pois eles não são usados vantajosamente por tais pessoas. Mas certamente seus contrários lhes beneficia. Logo, nenhum deles é mau em si mesmo, mesmo que possa parecer mau.

78) Não abuse das imagens conceituais das coisas, para que você não faça um uso errado das próprias coisas. Pois se um homem não pecar primeiro na mente, ele nunca pecará na ação.

79) Os principais vícios - estupidez, covardia, licenciosidade, injustiça - são a 'imagem' do homem 'terreno'. As principais virtudes - inteligência, coragem, autocontrole, justiça - são a 'imagem' do homem 'celeste'. E assim como carregamos a imagem da terra, podemos também carregar a imagem do céu.

80) Se você deseja encontrar o caminho que leva à vida, procure no Caminho que diz, "Eu sou o Caminho, a porta, a verdade e a vida" (João 10: 7; 14:6) e lá você o encontrará. Apenas permita que sua pesquisa seja diligente e cuidadosa, pois "poucos são os que a encontraram" (Mateus 7:14) e se você não está entre os poucos você se encontrará com os muitos.

81) Cinco coisas fazem  a alma extirpar de si o pecado: o medo dos homens, o medo do julgamento, a esperança de recompensa futura, o amor de Deus e por fim, o alerta da consciência.

82) Algumas pessoas dizem que não haveria mal no mundo criado a menos que houvesse algum poder fora deste mundo arrastando-nos para o mal. Mas este poder assim denominado é de fato nossa negligência com relação às energias naturais do intelecto. Pois aqueles que nutrem tais energias sempre fazem o bem, nunca o mal. Se é isto então o que desejas fazer, livre-se da  negligência e você também expulsará o mal, que é o uso errado das imagens conceituais das coisas, seguido pelo uso indevido das próprias coisas.

83) Em seu estado natural, a inteligência humana está sujeita à inteligência divina e legisla sobre o elemento não inteligente em nós. Deixe essa ordem ser mantida em todas as coisas e não haverá mal entre as criaturas nem qualquer coisa que nos atraia para o mal.

84) Alguns pensamentos são simples, outros são compostos. Pensamentos que não são apaixonados são simples. Paixões carregadas de pensamentos são compostas, consistindo de uma imagem conceitual combinada com paixão. Sendo assim, quando pensamentos compostos começam a provocar uma ideia pecaminosa na mente, vê-se muitos pensamentos simples seguindo-os. Por exemplo, um pensamento apaixonado pelo ouro nasce na mente de alguém. Ele tem o impulso mentalmente de roubar o ouro e comete o pecado em seu intelecto. Então pensamentos sobre a carteira, o cofre, o aposento e assim por diante seguem forte na obsessão pelo ouro. O pensamento do ouro era  composto - pois era combinado com a paixão - mas aquele da bolsa, do cofre e assim por diante, eram simples; pois o intelecto não tinha nenhuma paixão com relação a estas coisas. E o mesmo é verdadeiro para todo pensamento - pensamentos de autoestima, mulheres e assim por diante. Pois nem todos os pensamentos que seguem de pensamentos apaixonados são eles próprios apaixonados, como mostrou nosso exemplo. Por isso, então, nós podemos conhecer quais imagens conceituais são apaixonadas e quais não são.

85) Alguns dizem que os demônios primeiro tocam a genitália durante o sono e assim nasce a paixão da luxúria. Uma vez nascida, a paixão, pelos meios da memória, traz a forma de uma mulher    [ou homem] ao intelecto. Mas outros dizem que o demônio aparece primeiro ao intelecto na forma de uma mulher e então excita o apetite ao tocar as genitálias e assim nasce a fantasia. Há ainda outros que dizem que a paixão dominante no demônio que chega, mexe com a paixão correspondente em nós, e assim a alma é incitada a ter pensamentos pecaminosos e traz estas formas ao intelecto por meio da  memória. O mesmo é verdadeiro com relação às fantasias apaixonadas. Alguns dizem que acontece de um jeito, outros de outro. Porém, se o amor e o autocontrole estão presentes na alma, os demônios não têm poder para que nasça qualquer paixão de qualquer modo que seja, estando o corpo desperto ou adormecido.

86) Alguns mandamentos da Lei Mosaica devem ser guardados fisicamente e espiritualmente, outros apenas espiritualmente. Por exemplo: "Não cometerás adultério, não matarás, não roubarás" (Êxodo 20:13-15) são do tipo que devem ser guardados tanto fisicamente quanto espiritualmente (a observância espiritual é nos três casos, como explicado acima). Ser circuncidado (cf. Levítico 12:3), guardar o Sábado (cf. Êxodo 31:13) e abater o cordeiro e comê-lo com pão sem fermento e ervas amargas (cf. Êxodo 12: 8 ; 23: 15) e injunções semelhantes são para serem guardados apenas espiritualmente.

87) Há três principais estados interiores que caracterizam a vida do monge. A primeira consiste em não pecar em ações; a segunda consiste  em não permitir que a alma flerte com pensamentos apaixonados; a terceira em ser capaz de contemplar na mente, sem qualquer paixão, a imagem de mulheres e daqueles que nos ofenderam.

88) Um homem que é verdadeiramente sem posses é aquele que renunciou a todos os bens mundanos e não tem absolutamente nada na terra, a não ser seu corpo; e quem, quebrando até mesmo essa ligação ao corpo, confiou-se ao cuidado de Deus e de devotos.

89) Algumas pessoas com posses as possuem sem apego, e assim, quando privada delas não ficam consternadas mas são como aqueles que aceitaram o confisco de seus bens com alegria (cf. Hebreus 10:34). Outros possuem com paixão, de modo que quando estão no perigo de perderem suas posses eles ficam completamente  desanimados, como o jovem rico do Evangelho que foi embora cheio de pesar (Cf. Mateus 19:22); e se eles estão atualmente sem posses, eles permanecem no desânimo até à morte. O desapego, então, revela se o estado interior de um homem é sem paixão ou dominado por uma paixão.

90) Os demônios atacam a pessoa que atingiu o cume da oração de modo a impedir que suas imagens conceituais das coisas sensíveis sejam libertas das paixões; eles atacam o gnóstico de modo que ele flerte com pensamentos apaixonados; e eles atacam a pessoa que não avançou além da prática das virtudes para persuadi-la a pecar através de suas ações. Eles guerreiam com todos os homens, por todos os meios possíveis de modo a separá-los de Deus. 

91) Aqueles a quem a divina providência está guiando para a santidade nesta vida são testados pelas  três provas seguintes: pelo dom de coisas agradáveis tais como saúde, beleza, crianças bonitas, fama e assim por diante;  pela aflição causando angústia, como a perda  dos filhos, do dinheiro e da fama; e por sofrimentos físicos como doença, tortura, e assim por diante. Para aqueles da primeira categoria o Senhor diz, "Se uma pessoa não abandona tudo isso, ele não pode ser Meu Discípulo" (Lucas 14:33) e para aqueles do segundo e terceiro tipo ele diz: "Possuireis vossa almas pela vossa paciência" (Lucas 21:19).

92) As quatro coisas seguintes são conhecidas por alterar o temperamento do corpo e por meio delas se produz ou pensamentos apaixonados ou pensamentos desapegados no intelecto: anjos, demônios, ventos e a alimentação. É sabido que anjos mudam pelo pensamento, demônios pelo toque, ventos pela variação e a dieta pela qualidade de nossa comida e bebida e também se comemos muito ou pouco. Há também alterações provocadas por meio da memória, da escuta  e da vista - a saber, quando a alma é afetada por experiências de gozo ou de angústia como resultado de um destes três meios, e então se altera o temperamento do corpo. Assim alterado, este temperamento em seu turno induz a pensamentos correspondentes no intelecto.

93) A morte em verdadeiro sentido é separação de Deus, e 'o aguilhão da morte é o pecado' (1Cor. 15:56). Adão, que recebeu o aguilhão, tornou-se ao mesmo tempo um exilado da árvore da vida, do paraíso e de Deus (cf. Gen. 3) , e isto foi necessariamente seguido com a morte do corpo. Vida, em sentido verdadeiro, é Aquele que diz, 'Eu sou a Vida' (João 11:25) e quem, tendo entrado na morte,   e retorna à Vida que tinha perdido.

94) Um homem escreve ou para ajudar a memória, ou para ajudar os outros, ou por ambas as razões; ou ele escreve também com o intuito de prejudicar certo povo, ou para exibir-se, ou sem qualquer necessidade.

95)No salmo 23, "a verde pastagem" representa a prática das virtudes; "águas tranquilas", o conhecimento espiritual das  coisas criadas.

96) "À sombra da morte" é a vida humana. Logo, se um homem está com Deus e Deus  é com ele, ele obviamente é capaz de dizer, "Ainda que eu atravesse o vale da sombra da morte, eu não temerei o mal, pois estais comigo".

97) Um intelecto puro vê as coisas corretamente. Uma inteligência treinada os coloca em ordem. Ele tem uma escuta interessada no que é dito.  Aquele que está falando nessa três qualidades insulta a pessoa que fala com ele.

98) Aquele que conhece  a Santíssima Trindade, a criação da Trindade, e a providência  e aquele que converte seu estado passional em desapego, está com Deus.

99) Novamente no Salmo 23 a "vara" é para significar o julgamento de Deus e seu "cajado" Sua providência. Assim, aquele que recebeu o conhecimento espiritual dessas coisas é capaz de dizer "Tua vara e teu cajado me consolam".

100)Aquele que está despojado de paixões e é iluminado com a contemplação dos entes criados, pode então entrar em Deus e orar com deve.