Cristo Pantocrator

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sobre o orgulho



Última parte do discurso de João Cassiano acerca dos oito vícios (glutonaria/gula, luxúria, avareza, ira, tristeza /inveja/melancolia, apatia/preguiça, autoestima /vaidade, orgulho).

Essa lista integra a autoestima/vaidade também como um pecado capital. Portanto, seriam oito pecados de raiz e não sete. Na tradição dos sufis também a covardia é um pecado de raiz. Seriam assim nove pecados fundamentais, ou nove paixões que destituem e destroem nossa personalidade, os quais estamos todos sujeitos, em maior ou menor grau. Desse modo, esse tratado ascético tem como meta uma cura espiritual, a partir do reconhecimento de que estamos doentes e incapazes de ver a realidade tal como ela é.

Sobre o orgulho
tradução da versão inglesa por Rochelle Cysne

Nossa oitava luta é contra o demônio do orgulho, o mais sinistro dos demônios, mais feroz do que todos os que foram discutidos até agora. Ele ataca o perfeito acima de tudo e procura destruir aqueles que chegaram ás alturas da santidade. Como uma praga mortal destrói não apenas um membro do corpo, mas o seu todo, assim o orgulho corrompe a alma, não uma parte dela. Cada uma das outras paixões que perturbam a alma ataca ou tenta superar a virtude singular que se lhe opõe, e assim obscurecer a alma apenas parcialmente. Mas a paixão do orgulho escurece a alma completamente e a leva para sua queda total.

A fim de entender mais plenamente o que quero dizer por isto, nós devemos olhar para o problema da seguinte forma. A gula tenta destruir o autocontrole; a luxúria, a moderação; a avareza, a pobreza voluntária; a ira, a gentileza; e outras formas de vício suas virtudes correspondentes. Mas quando o vício do orgulho se tornou o mestre de nossa alma miserável, ele age como um tirano cruel que ganhou o controle de uma grande cidade, e a destrói completamente, destruindo-a por suas bases. O anjo caído do céu por causa de seu orgulho é testemunho disso. Ele foi criado por Deus e adornado com toda virtude e toda sabedoria, mas ele não quis atribuir isso como Graça de Deus. Ele atribuiu isso à sua própria natureza e como resultado reconheceu-se igual a Deus. O profeta repreende essa afirmação quando ele diz: 'Você disse em seu coração: "eu sentarei numa alta montanha; eu colocarei meu trono sobre as nuvens e eu serei como o Supremo". Ainda que você seja um homem, e não Deus' (Isaías 14: 13-14). E novamente, outro profeta diz, 'Por que você se orgulha da sua maldade, oh homem poderoso?' e ele continua neste mesmo sentido (Salmo 51;1). Uma vez que estamos conscientes disto nós devemos temer e guardar nosso coração com extremo cuidado do espírito mortal do orgulho. Quando nós atingimos algum grau de santidade nós devemos sempre repetir para nós mesmos as palavras do Apóstolo: 'Não eu, mas a Graça de deus que está comigo' (I cor. 15:10), bem como o que foi dito pelo Senhor: 'Sem mim, nada podeis fazer' (João 15:5). Nós devemos também ter em mente o que o profeta disse: 'A menos que o senhor construa a casa, os que a constroem trabalham em vão ao construí-la' (salmo 127:1)., e finalmente: 'Não depende da vontade ou esforço do homem, mas da misericórdia de Deus' (Roma. 9:16).

Ainda que alguém seja diligente, sério e resoluto, ele não pode, contanto seja feito de carne e osso, se aproximar da perfeição apenas por meio da misericórdia e graça de Cristo. Tiago mesmo diz  que "todo dom excelente vem do alto" (Tiago 1: 17), enquanto o Apóstolo Paulo pergunta: "O que você tem que não lhe foi dado? Agora, se você o recebeu, porque se orgulha, como se não tivesse recebido?" (I Cor. 4:7). Qual direito tem, então, o homem de se orgulhar como se ele pudesse alcançar sua perfeição mediante apenas seus próprios esforços?

O ladrão que recebeu as chaves dos céus, ainda que não como reconhecimento da virtude, é uma verdadeira testemunha para o fato de que a salvação é nossa apenas por meio da Graça e Misericórdia de Deus. Todos os nossos santos padres sabiam disso e todos concordam em ensinar que a perfeição na santidade só pode ser alcançada por meio da humildade. Humildade, por sua vez, só pode ser alcançada pela fé, temor de Deus, gentileza e renúncia a todas as posses. É por meio disto que nós obtemos o perfeito amor, mediante a graça e a compaixão de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada a glória, pelos séculos dos séculos. Amém.

Pela sua dolorosa paixão, tenha misericórdia de nós e do mundo inteiro. 

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